Enquanto as crianças em contextos socioeconómicos vulneráveis continuam a ser encaminhadas para soluções de acolhimento sem componente educativa, perpetua-se o ciclo de pobreza e exclusão social, comprometendo o seu futuro. É urgente integrar os programas educativos para crianças dos 0 aos 3 anos no sistema de ensino e garantir o acesso equitativo a uma educação de qualidade desde a primeira infância.

Recentemente o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), avaliação internacional que compara o desempenho de alunos do 4.º e 8.º anos de escolaridade em Matemática e Ciências, revelou que fatores como a frequência do ensino pré-escolar mais alargado pode influenciar o interesse e a confiança. Mostram-se ainda determinantes nos resultados obtidos com diferenças até 127 pontos em Matemática e 98 pontos em Ciências entre os alunos mais e menos confiantes.

Em Portugal, a frequência do ensino pré-escolar, ou em estruturas formais de acolhimento por crianças em risco de pobreza ou exclusão social, continua a ser inferior à de crianças que não se encontram em risco de pobreza ou exclusão social.

Segundo a OCDE, a participação nas estruturas de educação e cuidados para a primeira infância é menor para crianças cujas mães não tenham concluído o ensino superior e/ou que integrem agregados familiares de baixos rendimentos.

A educação e cuidados para a primeira infância, está dividida em dois percursos reconhecidos pela tutela como equivalentes, atribuindo uma paridade ao segundo percurso, analisado infra, que em nada pode ser comparado ao primeiro como indicador das políticas nacionais relativas à educação e à formação de crianças em Portugal.

  1. Programas e serviços integrantes.
  2. Programas e serviços não integrantes.

Os Programas e serviços integrantes com componente educacional intencional promovem o desenvolvimento de competências cognitivas, físicas e sócio emocionais nas crianças desde o nascimento até à entrada no 1º ciclo do ensino básico. Estas capacidades quando orientadas corretamente são essenciais ao desenvolvimento de uma carreira estudantil de sucesso.

As estruturas que promovem o desenvolvimento dos programas de natureza socioeducativa, creches e estabelecimentos de educação pré-escolar, são regulados e monitorizados periodicamente.

Os Programas e serviços não integrantes que oferecem serviços de acolhimento, de resposta social e natureza não socioeducativa, não necessitam de estruturas adequadas para o efeito. Pelo contrário, as funções sejam desempenhadas no domicílio das amas ou creches familiares e, desvalorizam o ato educativo intencional.

Grande parte da oferta de cuidados para crianças dos 0 aos 3 anos na Área Metropolitana do Porto recai sobre esta segunda opção, perpetuando ciclos viciosos de pobreza e exclusão social. Na maior parte das vezes por falta de vagas, ou porque pertencem à rede privada e o estado obriga a que sejam preenchidas as vagas da rede social.

Estudos neurocientíficos identificam o período dos primeiros 1000 dias de vida como sendo absolutamente essenciais ao desenvolvimento físico, mental e emocional da criança, contrariando as medidas adotadas de que até aos três anos de idade apenas são necessários os cuidados de nutrição, higiene e segurança. (Programa First Years First Priority)

“A publicação Education and Training Monitor 2022 (Comissão Europeia, 2022) reconhece os benefícios de uma educação e cuidados para a primeira infância de qualidade, especialmente para crianças vulneráveis. A ampla participação de crianças dos 0 aos 6 anos neste tipo de programas contribui para um sistema de educação e formação inclusivo e equitativo.” (Estado da Educação 2021, edição 2022)

A oferta social não integrante, começa logo por se opor em termos legislativos à oferta social de natureza socioeducativa. Se às creches é exigido pelo menos um funcionário com qualificação superior em ciências da educação, é um contrassenso que a alternativa equiparada pelo estado a esta seja exigida a escolaridade obrigatória, que para os nascidos até 1966 era o 4º de escolaridade, o 6º ano de escolaridade para os nascidos entre 1967 e 1980, por fim o 12º de escolaridade para os nascidos depois de 1995 e, que mesmo assim continua a não dotar de conhecimentos e capacidades equiparáveis às das pessoas que tenham concluído o ensino superior nas áreas das ciências da educação.

Podemos ter duas crianças nascidas no mesmo ano em igual idade escolar, uma a ser acompanhada/instruída por um técnico superior formado em ciências da educação e, outra a ser acompanhada/instruída por uma ama com o 4º ano de escolaridade, sendo ambas reconhecidas, iguais, equivalentes aos olhos do Estado Português.

Por outro lado, são precisamente as crianças em situações mais vulneráveis, de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, de grupos minoritários e em risco de pobreza e exclusão social que mais necessitam dos programas com componente educacional intencional e, que na maioria das vezes recorrem à resposta social proporcionada pelo Estado Português – As amas. Pois o reconhecimento desta categoria atribui a estas pessoas, sem terem qualquer habilitação, na maior parte das vezes uma estrutura física de acolhimento adequado a estas funções, e com monitorizações duvidosas, um financiamento para acolher até quatro crianças, inclusive crianças com deficiências e com necessidades e cuidados bastante específicos e exigentes.

A promoção da igualdade e equivalência dos dois programas por parte do Estado, perpetua e condena logo à partida a franja da sociedade que mais necessita de um percurso educativo promotor do desenvolvimento pessoal e equitativo, capaz de quebrar o ciclo vicioso de pobreza e exclusão social.

É imperativo que os Programas e serviços integrantes dos 0 aos 3 anos passem a fazer parte do sistema educativo, seja tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência e, planeada uma rede escolar de resposta a esta faixa etária. É urgente e, os resultados estão à vista que todas as crianças dos 0 aos 5 anos tenham acesso a programas e serviços com componente educacional intencional. Estas estruturas existem e funcionam na rede privada, apenas para quem a elas tem acesso.

O governo por uma questão de ideologia continua a privar o livre acesso à educação e ao ensino, principalmente para quem mais necessita.

Assessora do GP da Iniciativa Liberal e representante IL no Conselho Nacional de Educação