
É comum ouvirmos que a inteligência artificial (IA) está em rápido desenvolvimento. Mas e se já tivermos chegado ao ponto máximo do seu potencial tecnológico atual? Esta visão começa a ganhar espaço entre investigadores e líderes do setor. De acordo com Yann LeCun, cientista-chefe de IA da Meta, “os modelos atuais atingiram um plateau em termos de capacidade, e o verdadeiro desafio agora é operacionalizar e tornar essa tecnologia útil, confiável e acessível”.
A questão central já não é “o que mais pode a IA fazer?”, mas sim: “como podemos garantir que estas capacidades chegam a todos, de forma justa, ética e prática?” A resposta passa por aplicações tangíveis no quotidiano, por mecanismos de inclusão digital e, cada vez mais, pelo papel da IA no setor financeiro, onde o impacto na vida das pessoas pode ser imediato.
Os modelos de linguagem de grande escala (LLMs) como o GPT-4, Claude ou Gemini já provaram o seu valor técnico. Conseguem responder a perguntas complexas, programar, gerar texto, resumir relatórios jurídicos e até redigir estratégias de marketing. A própria OpenAI reconhece que o seu maior desafio já não é o poder dos modelos, mas a sua integração útil e segura em sistemas reais.
Mas enquanto algumas empresas usam a IA para acelerar processos e melhorar a experiência do cliente, a maioria ainda não autoriza o acesso a estas ferramentas aos colaboradores — por falta de literacia digital, infraestruturas ou até políticas internas restritivas. A IA tornou-se tecnicamente poderosa, mas socialmente desigual.
Segundo o artigo “Solving Domain-Specific Problems Using LLMs”, a maioria dos setores já tem capacidade para usar IA de forma eficiente. O problema está na falta de integração com processos reais, de regulação adaptada e de formação das equipas. Isto é particularmente evidente no setor financeiro tradicional, onde a burocracia, a aversão ao risco e o legado dos sistemas tecnológicos travam a inovação.
O setor financeiro é um dos mais promissores para esta nova fase da IA: menos sobre desenvolvimento de capacidades e mais sobre a aplicação em grande escala e inclusiva. Fintechs como Nubank, Revolut ou Lydia já utilizam IA para automatizar processos de crédito, identificar fraudes em tempo real e personalizar ofertas financeiras. Segundo um relatório da Accenture, os bancos e fintechs que lideram em IA estão a reduzir custos operacionais em até 25% e a aumentar a retenção de clientes em 15%. No entanto, muitas destas soluções ainda não chegam às populações mais vulneráveis ou aos mercados menos desenvolvidos.
Nos últimos anos, temos assistido a várias iniciativas no setor financeiro que têm demonstrado como a Inteligência Artificial pode ser usada para democratizar o acesso a serviços financeiros. Por exemplo, o Nubank no Brasil permite a milhões de pessoas que não têm uma conta bancária a aceder a crédito e gestão financeira através de uma aplicação simples, baseada em IA para análise de risco e tomada de decisão rápida. A sua atuação em mercados tradicionalmente negligenciados é um exemplo de como a tecnologia pode ultrapassar a exclusão financeira.
Outra referência é o M-Pesa, no Quénia, que embora não utilize IA de forma avançada, está a começar a integrar assistentes inteligentes para ajudar utilizadores com baixa literacia financeira a gerir pagamentos, transferências e até pequenas poupanças.
Na Europa, a Revolut usa algoritmos de machine learning para categorizar despesas e ajudar os utilizadores a entenderem melhor os seus hábitos financeiros, incentivando uma relação mais consciente com o dinheiro. Outros bancos como o BBVA e o ING estão a investir em chatbots que apoiam decisões de investimento, adaptadas ao perfil de risco de cada cliente.
Estes são exemplos reais do que a IA pode fazer pelo cidadão comum. Mas, a acessibilidade à tecnologia e a transparência dos algoritmos são barreiras ainda por ultrapassar. A promessa da democratização financeira através da IA só se concretiza quando os modelos deixarem de ser apenas facilitadores para uma elite e passarem a ser uma ferramenta prática e acessível a todos.
À medida que a IA se torna mais presente em produtos financeiros e serviços digitais, a cibersegurança assume um papel ainda mais crucial. Um dos grandes riscos da democratização tecnológica é a vulnerabilidade das pessoas e das instituições a ataques sofisticados. Segundo a IBM, 35% das empresas financeiras sofreram incidentes cibernéticos nos últimos 12 meses.
Empresas como a Visa têm investido em sistemas de IA defensiva para monitorizar em tempo real transações fraudulentas, e empresas como a Ethiack usam modelos baseados em machine learning para identificar comportamentos anómalos dentro de redes corporativas, antes que uma violação aconteça.
A segurança dos dados financeiros e pessoais será um dos pilares da confiança pública na adoção da IA. A OpenAI e a Anthropic, por exemplo, têm vindo a incorporar filtros e auditorias automáticas nos seus modelos para evitar abusos e fugas de informação. E com o avanço da IA generativa, cresce também o investimento em modelos de detecção de deepfakes e fraude automatizada.
A inteligência artificial já é suficientemente avançada para resolver desafios reais do dia-a-dia, como o planeamento financeiro, o acesso ao crédito, a educação personalizada e a proteção cibernética. O verdadeiro desafio agora não é técnico, mas sim garantir que estas capacidades chegam a todos de forma ética, compreensível e inclusiva.
No setor financeiro, esta é uma oportunidade única para democratizar o acesso ao bem-estar económico e digital. Se ultrapassarmos os obstáculos sociais, políticos e culturais, a IA deixará de ser apenas uma revolução tecnológica para se afirmar como uma transformação social profunda.