Para muitos o Bairro Alto pode ser sinónimo de tudo o que há de mais antigo nas cidade, mas a verdade é que este bairro, de ruas quadriculadas, inaugurou uma modernidade e uma racionalidade urbanísticas até então desconhecidas numa Lisboa labiríntica, dois séculos e meio antes das transformações provocadas à força por um terramoto devastador.

Situado da parte de fora das muralhas da cidade, o local fora propriedade de uma rica família judaica, antes de começar a ser loteado e urbanizado segundo as novas diretrizes emanadas pela corte de D. Manuel I, influenciadas pelas novas artes ligadas às matemáticas e às artes náuticas da expansão marítima portuguesa. Foi aliás a população ligada ao mar que o novo bairro atraiu, com amplas vistas para o estuário, além dos bons ares, essenciais em tempos frequentemente ameaçados por pestes. Os primeiros habitantes do Bairro Alto construíram palácios a que poderiam aceder facilmente pelas ruas mais largas da cidade. Mais tarde, com a popularização dos coches, o Bairro Alto continuou a ser dos locais preferidos para residência de uma certa elite, simultaneamente longe e perto do bulício da cidade, a escassas ruas do palácio real da Ribeira, onde residia o rei.


Nuno Fox

O terramoto, o maremoto e o incêndio que se seguiu pouparam as ruas já centenárias do Bairro Alto, mas o trauma do cataclismo marcou um certo abandono das elites, que, como era habitual, seguiram o rei para os novos locais de residência. Um certo abandono marcou o bairro que, todavia, nunca deixou de ser habitado, particularmente também pelas classes mais populares. As cavalariças dos antigos palacetes tornaram-se os espaços ideais para a instalação das rotativas e impressoras dos primeiros jornais, atraídos também pela proximidade da vida intelectual, dos cafés e dos teatros do Chiado.


Nuno Fox

Essa vivência entre o dia e a noite, povoada por moradores, jornalistas, ardinas e uma certa transgressividade, foram decisivos para criar um espaço de boémia que dura até aos nossos dias, numa espécie de ilha de liberdade situada perto de tudo e, ao mesmo tempo, protegida no interior do seu labirinto organizado de ruas.

Neste episódio do podcast Histórias de Lisboa, Miguel Franco de Andrade e o arquiteto e historiador de arte, Helder Carita desvendam os segredos do Bairro Alto: uma ilha de liberdade no centro da cidade.

Expresso

Histórias de Lisboa é um podcast semanal do jornalista da SIC Miguel Franco de Andrade com sonoplastia de Salomé Rita e genérico de Nuno Rosa e Maria Antónia Mendes.

A capa é de Tiago Pereira Santos em azulejo da cozinha do Museu da Cidade - Palácio Pimenta.

Ouça aqui as ‘Histórias de Lisboa’: