Mais sustentabilidade, com utilização de energia solar e otimização da água, reinvenção de produtos como uma produção de figos que também dá mel ou marmelos transformados em edições especiais de sumos são exemplos de inovação no setor da fruticultura em Portugal que tem, vindo, literalmente, a dar frutos. Destacam-se entre os 140 projetos que participaram nas 11 edições de formação da academia do Centro de Frutologia Compal (CFC), que já atribuiu €600 mil em bolsas de apoio à exploração frutícola.
“Convencer os acionistas a fazer o centro de frutologia em plena crise foi um ato de coragem. Perguntavam ‘que resultados é que isso dá?’ Dava tudo menos os resultados que esperavam. Não se mede em euros, mede-se em ideias e cooperação”, lembra José Jordão, presidente do CFC.
A cerimónia de entrega das bolsas de 2024 decorreu quarta-feira, 26 de novembro, no Vandelli Botanical Garden, em Lisboa, onde os projetos de Maria João Guedes, produtora de mirtilos em Vila Nova de Gaia; Paulo Costa, que produz figos em Torres Novas; e Bruno de Jesus, produtor de citrinos em Tavira, foram os grandes vencedores entre um grupo de 10 finalistas. Na seleção dos três melhores projetos deste ano, foram valorizados o grau de conhecimento técnico, o desenho estratégico do negócio e as práticas de sustentabilidade a aplicar.
“O que se tira destes 11 anos é a preservação de um sonho. Tornar a fruta portuguesa a coisa mais valorizada deste país e a comunidade que conseguimos formar. Estes dez projetos submetidos apresentaram-se, como sempre aconteceu, com ideias de grande qualidade, muito mérito e inquestionável interesse”, acrescenta o presidente do CFC.
Inteligência artificial ao serviço da agricultura
Além da formação na academia, que este ano introduziu pela primeira vez um módulo de inteligência artificial aplicada ao negócio, cada um dos três vencedores ganhou uma bolsa no valor de €20 mil para apoiar e aplicar nos projetos apresentados. “A inteligência artificial vem facilitar a aprendizagem para que se possa usar a tecnologia para tirar proveito dela. Temos este desafio para os próximos anos: o que podemos fazer de diferente e como esta comunidade se pode fortalecer”, sublinha Jordão.
A cerimónia contou também com dois painéis de debate onde se abordou o tema da valorização da fruta portuguesa junto dos consumidores e o futuro da fruticultura. “tenho o sonho de produzir fruta com sabor a fruta verdadeira e de vender fruta à unidade, num processo onde a valorização do produto esteja sempre iminente”, revela Michele Rosa, ex-aluna da academia de 2022, que admite que este não é um caminho fácil para pequenos produtores. “A estratégia passa sobretudo pelo nicho de mercado, onde está a qualidade”, diz.
Também Cristóvão Ferreira, que fez o curso da academia em 2018, aponta algumas dificuldades do setor. “É preciso que o consumidor esteja consciente que somos capazes de produzir bem e não que a nossa produção é toxica. Os agricultores querem preservar a qualidade do seu produto para que seja o melhor possível”, garante.
Investigação e agroecologia
No segundo painel, onde especialistas debateram temas como a tecnologia e a sustentabilidade no futuro do setor, a agroecologia e o seu papel na produção foi explicada por Sandra Antunes, da Natural Business Intelligence, que esclareceu que o conceito não acarreta mais regras e imposições mas antes “fazer agricultura em harmonia com natureza”. “Os agricultores são os verdadeiros gestores do ecossistema que se quer sustentável. A única guerra que perdemos se ganharmos é a guerra contra a natureza. O que se pretende com a agroecologia, é pôr tudo a funcionar em conjunto”, esclarece.
Já para Tiago Sá, da empresa tecnológica WiseCrop, explicar no início o que era uma estação meteorológica e para que servia era difícil. Embora haja hoje maior conhecimento, a implementação da tecnologia na agricultura ainda tarda porque “as particularidades do campo são diferentes”. “A tecnologia vem ajudar. Não vem substituir o agricultor e a terra. A agricultura está sempre atrasada na implementação. A capacitação e transmissão do conhecimento, dar ferramentas para conseguir fazer não acontece de forma eficaz. Falta olear os canais de conhecimento”, considera.
Também José Jordão, que moderou o painel, acredita que o futuro passa por uma aposta na investigação aplicada “mas não para fazer papers”. “Continua a haver uma separação extraordinária entre o mundo real e a universidade. Parece que há um fosso. Esta é uma vertente que vou certamente promover. Vamos apoiar este tipo de investigação que resolve assuntos concretos das pessoas”, conclui.
Conheça os projetos vencedores:
Produção integrada, biológica e tecnológica de Maria João Guedes
Reduzir o desperdício, aumentar a produtividade e adequar a produção às preferências do mercado foram os objetivos principais que pautaram este projeto de reconversão de um hectare, dentro da propriedade de 12 hectares de Maria João Guedes, que fica em Pedroso, Vila Nova de Gaia, e se dedica à exploração de mirtilos. A produtora trabalha com produção integrada e biológica certificadas e exporta 95% do que produz. A utilização de maquinaria, de novas tecnologias, a refrigeração e o trabalho com outros produtores na região, são características centrais deste projeto. Nesta exploração, a inteligência artificial, é uma realidade e encarada como grande mais valia para conjugar tecnologias e ter dados mais objetivos para tratar o pomar de forma mais profissional.
Figos, mel e espirituosas de Paulo Costa
O projeto de reconversão para modo biológico de um pomar de figos, em Lamarosa, Torres Novas, levou Paulo Costa a lançar a marca Olaia Natura, que abrange não só frutas, mas também produtos hortícolas, mel e bebidas alcoólicas. A par das práticas agrícolas sustentáveis, a experimentação e inovação constituíram um dos aspetos centrais do projeto, e estão patentes em processos como o sistema de rega, as redes de apanha, e no secador solar de figos, uma inovação elaborada em parceria com o Instituto Politécnico de Viseu. “Quero fazer através de energia solar. É mais ecológico, diz o responsável da GoFigo. A produção do pomar de Paulo Costa, com uma área total de 6,47 hectares, terá como destino os mercados de frescos e de secos, com destaque para os mercados de exportação da Suíça e Holanda.
Sustentabilidade e tecnologia de Bruno Jesus
Apostar em tecnologia é, para Bruno Jesus, o fator-chave para a gestão da exploração, especificamente para a gestão ótima da utilização da água, práticas de sustentabilidade ambiental e certificações. Com este objetivo, o produtor de citrinos de Tavira concorreu com um projeto de 4,8 hectares de aumento da exploração e instalação de citrinos, nomeadamente limão e laranja. Bruno Jesus escolheu as variedades permitindo o alargamento do calendário de colheita para promover a entrada de receitas ao longo de todo o ano e aposta em tecnologias de gestão agrícola e parcerias comerciais que respeitam o meio ambiente. “Para quem está a começar o prémio é sempre uma motivação para continuar. Há dificuldades todos os dias. Dá-nos oxigénio”, conclui.