A travessia do Tejo, pilar da mobilidade da Área Metropolitana de Lisboa, continua a ser gerida de forma errática e profundamente ineficiente. A Transtejo Soflusa representa hoje o fracasso de décadas de decisões políticas mal fundamentadas, administradores sem preparação técnica e um modelo de gestão que protege interesses partidários em detrimento do interesse público.

A empresa opera com uma frota parcialmente obsoleta e parcialmente renovada — esta última com navios elétricos que, paradoxalmente, não servem o propósito para o qual foram adquiridos. Os novos barcos, encomendados a partir de 2020, foram concebidos para operar em lagos e águas calmas, e não nos regimes de maré e corrente do estuário do Tejo. Não possuem autonomia adequada nem estrutura para enfrentar as exigências das ligações fluviais metropolitanas. Para agravar o problema, chegaram sem baterias, conforme alertado pelo Tribunal de Contas, que classificou a entrega como um “carro sem motor”. Atualmente, alguns destes navios estão a ser carregados com recurso a geradores a gasóleo — um paradoxo ambiental e um retrato de impreparação logística.

As infraestruturas de carregamento, fundamentais para a operacionalização dos navios, não estavam disponíveis aquando da chegada dos primeiros catamarãs. Só em 2025 foi finalmente aprovada a verba comunitária para a construção das estações e aquisição de baterias, anos após o arranque do processo de renovação da frota. Esta ausência de planeamento técnico coerente com a realidade operacional do Tejo traduziu-se em supressões frequentes, atrasos sistemáticos e uma degradação generalizada da confiança dos utentes.

Esta realidade é inseparável do padrão de gestão política que tem caracterizado a Transtejo e a Soflusa nas últimas décadas. A presidência destas empresas tem sido marcada por nomeações políticas, em detrimento de critérios técnicos ou de mérito profissional. Entre janeiro de 2017 e março de 2023, a presidência esteve a cargo de Marina Ferreira, nomeada pelo PSD. Apesar de se ter desligado do partido em 2022, foi sob a sua liderança que se assinou o contrato dos navios elétricos, fortemente criticado pelo Tribunal de Contas por violar princípios elementares de boa gestão pública. O organismo identificou falhas estruturais no processo, desde a ausência de baterias e postos de carregamento até à inadequação técnica dos próprios navios à operação no Tejo.

Em 2016, foi nomeado Tiago Farias — também por via política — com responsabilidades cruzadas entre a Transtejo, a Soflusa, a Carris e o Metro. Esta governação partilhada, longe de trazer sinergias operacionais, traduziu-se em dispersão de responsabilidades e mais uma administração sem foco no utente, ilustrando como a fidelidade partidária continuava a sobrepor-se à competência.

Antes disso, entre 2003 e 2013, o cargo foi ocupado por José Manuel Silva Rodrigues, economista com passagens pela administração da Carris e do Metro de Lisboa. A sua liderança inscreve-se igualmente no padrão de nomeações governamentais, sem uma ligação clara à mobilidade fluvial, e sem resultados estruturais visíveis na modernização da frota ou da operação.

Este ciclo de nomeações políticas repetiu-se de governo em governo. Administradores frágeis do ponto de vista técnico, mas com fortes ligações às redes internas do poder político, foram sucessivamente colocados à frente de uma das infraestruturas de mobilidade mais críticas da região. As consequências estão à vista: falta de planeamento, decisões desajustadas à realidade técnica e operacional, desperdício de fundos públicos e um serviço que está longe de corresponder às necessidades da população.

Perante este cenário, é legítimo questionar se a gestão pública direta é o modelo mais adequado para garantir a qualidade e a sustentabilidade do serviço. Vários exemplos europeus demonstram que é possível preservar o controlo estratégico público enquanto se entrega a operação a entidades privadas sob regime de concessão rigoroso. Em Estocolmo, a autoridade pública SL concede a operação de autocarros, comboios e serviços fluviais a empresas privadas, que são remuneradas com base em indicadores de desempenho e penalizadas por falhas. Em Londres, a Transport for London subcontrata operadores privados para gerir linhas de autocarro e barco, mantendo controlo sobre tarifas, horários e níveis de serviço.

Estes modelos de concessão pública com gestão privada não são uma panaceia, mas representam uma alternativa séria ao atual impasse da Transtejo Soflusa. Permitem maior responsabilização, eficiência operacional e foco no utente, desde que bem regulados. Acima de tudo, afastam a tentação de transformar empresas públicas em instrumentos partidários.

É tempo de reconhecer que o atual modelo falhou. A travessia do Tejo não pode continuar refém de decisões políticas mal preparadas e de administrações sem accountability. O transporte fluvial merece ser gerido com competência, visão e responsabilidade — e os milhares de passageiros diários merecem um serviço digno e previsível.