Com o avançar da medicina veterinária, tem-se verificado um aumento da esperança média de vida dos animais e, com isso, também um aumento da incidência de doenças geriátricas.

É o caso da Síndrome de Disfunção Cognitiva Canina (SDCC), comumente conhecida como demência canina.

O Lifestyle ao Minuto falou com José Rui Branco, médico veterinário e diretor da clínica O Meu Vet, que nos explicou tudo sobre esta condição neurodegenerativa.

O que é a idade geriátrica no animal?

A idade geriátrica corresponde à fase da vida em que o animal apresenta alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento, com maior risco de incidência de doenças degenerativas, cognitivas ou sistémicas, mesmo que ainda não exista uma patologia diagnosticada.

Quando é que os cães chegam à idade geriátrica?

De um modo geral:

  • Raças pequenas/toy – até aos 10kg em adulto – chegam à idade geriátrica aproximadamente entre os 9 e os 11 anos;
  • Raças médias – que atinjam entre os 10 e os 25kg em adulto – chegam à idade geriátrica aproximadamente entre os 8 e os 9 anos;
  • Raças grandes – que atinjam entre os 25 e os 40kg em adulto – chegam à idade geriátrica aproximadamente entre os 7 e os 8 anos;
  • Raças gigantes – com mais de 40kg em adulto – chegam à idade geriátrica aproximadamente aos 6 anos.

É uma condição neurodegenerativa progressiva associada ao envelhecimento, que se caracteriza por alterações comportamentais e cognitivas.

O que é a demência canina?

A demência canina, também conhecida como Síndrome de Disfunção Cognitiva Canina (SDCC), é uma condição neurodegenerativa progressiva associada ao envelhecimento, que se caracteriza por alterações comportamentais e cognitivas, como desorientação, alterações no ciclo sono-vigília, perda de hábitos de eliminação, como urinar e defecar, diminuição da interação social e redução da atividade.

Quais as causas para o aparecimento da Síndrome de Disfunção Cognitiva Canina?

O conhecimento atual não convenciona uma causa primordial percursora para o desenvolvimento da Síndrome de Disfunção Cognitiva, mas reconhece que existe um conjunto de alterações neurodegenerativas progressivas que ocorrem no cérebro com o envelhecimento do cão.

A disfunção cognitiva (SDCC) resulta assim de um processo multifatorial de envelhecimento cerebral, em que há danos celulares cerebrais associados à atrofia; má perfusão sanguínea, com impacto na circulação de oxigénio e nutrientes devido à diminuição do fluxo sanguíneo; inflamação sistémica ligeira mas persistente; acumulação de proteínas beta-amiloide – esta deposição de proteínas anormais são amplamente estudadas e reconhecidas no processo de desenvolvimento da doença de Alzheimer em humanos, sendo responsáveis pela má comunicação entre neurónios, com morte celular e, por fim, o stress oxidativo, que resulta no aumento dos radicais livres e diminuição das defesas antioxidantes.

Estes fatores, em conjunto, levam à perda de capacidades cognitivas e alterações comportamentais no cão.

Notícias ao Minuto José Rui Branco, médico veterinário© José Rui Branco

Quais os sinais da Síndrome de Disfunção Cognitiva Canina?

Os sinais da Disfunção Cognitiva são diversos, e são principalmente visíveis na rotina do cão, já que este deixa de ser capaz de realizar algumas tarefas ou comandos do dia-a-dia que anteriormente fazia com destreza e segurança.

O cão pode parecer desorientado, perdendo-se em locais familiares; ficar preso atrás de móveis ou não reconhecer pessoas ou outros animais com os quais interagia habitualmente.

Alterações comportamentais 'sociais' também são frequentes, observando-se uma diminuição na interação com os tutores e outros animais da casa, incluindo menor entusiasmo ao cumprimentar ou a procurar atenção.

Alterações na rotina do dia-a-dia podem ocorrer, com uma diminuição da atividade física, com a expressão de um menor interesse do cão em brincar ou explorar. Por outro lado, em alguns casos, pode observar-se um aumento da atividade, mas de forma aleatória, como 'andar sem rumo'.

Distúrbios na rotina do sono são comuns, com alterações no ciclo sono-vigília, como insónias, agitação noturna ou vocalizações excessivas.

Alterações nas rotinas de eliminação – como disse anteriormente, há perda de hábitos aprendidos, como urinar ou defecar em locais apropriados, mesmo na presença dos tutores.

O cão pode tornar-se mais inquieto, e ansioso, vocalizando sem motivo aparente ou demonstrando um nervosismo excessivo.

É importante destacar que os sinais anteriormente apresentados não devem ser percepcionados como um processo natural relacionado com o envelhecimento do cão, já que são sinais importantes, associados a uma doença degenerativa e devem ser encarados com cuidado e compromisso já que podem agravar-se com o tempo. Por outro lado, podem ser a apresentação de outras patologias que não a demência.

Esta patologia exige paciência, compreensão e apoio — tanto para o cão como para a sua família. Devem assim os tutores estar sensibilizados para a prevenção do envelhecimento precoce do seu melhor amigo, o seu animal de estimação bem como estar atentos aos primeiros sinais de demência canina. Assim, o médico veterinário poderá ser o melhor aliado no combate e maneio desta condição.

Quais os fatores de risco para o desenvolvimento da Síndrome de Disfunção Cognitiva Canina?

Existem fatores de risco, predisposição genética e fatores ambientais que promovem o desenvolvimento da SDCC, são estes:

  • Sem dúvida que a idade avançada do cão, dependendo do porte – como já referi, é um fator crucial. Em cães jovens é pouco frequente o desenvolvimento do SDCC, porém caso um cão apresente sinais neurológicos como desorientação ou alterações de comportamento, deve procurar um médico veterinário com a maior brevidade, pois podem ser sinais de outras patologias;
  • Raças ou linhagens associados a maior risco de desenvolvimento do SDCC em idade geriátrica. São exemplos: Caniche, Teckel, Yorkshire Terrier e Labrador Retriever;
  • Comorbilidades crónicas, como doenças cardíacas ou renais, diabetes, hipertensão e hipotensão, e outras condições comuns em cães geriátricos podem comprometer a perfusão cerebral e acelerar o declínio cognitivo;
  • Uma saúde oral descuidada, com possibilidade de aparecimento de doença periodontal contribui para a inflamação sistémica, podendo afetar negativamente o sistema nervoso central;
  • Fatores ambientais como a falta de estimulação mental ao longo da vida, obesidade, doenças crónicas não controladas, sedentarismo ou uma dieta desequilibrada podem acelerar o declínio cognitivo.

O tratamento compreende quatro diferentes abordagens, sendo elas, medidas farmacológicas, não farmacológicas, alimentares e de controlo comportamental.

Qual o tratamento adequado para a SDCC?

O tratamento compreende quatro diferentes abordagens, sendo elas, medidas farmacológicas, não farmacológicas, alimentares e de controlo comportamental.

O tratamento farmacológico varia de caso para caso, podendo passar pelo aumento da dopamina no cérebro, redução do stress oxidativo, aumento do fluxo sanguíneo e do metabolismo cerebral bem como o tratamento não farmacológico com a utilização de suplementos neuroprotetores, com atividade antioxidante e nutracêuticos como L-carnitina, Coenzima Q10, entre outros. Contudo é indispensável o aconselhamento do médico veterinário.

A decisão de qual a dieta alimentar mais adequada para o cão também assume um papel importante na prevenção e tratamento da SDCC, existem no mercado dietas neuroprotetoras e ainda dietas especialmente formuladas para o cão sénior/geriátrico.

A estimulação comportamental do cão, com uma aprendizagem contínua e o estabelecimento de rotinas previsíveis também contribuem em ampla medida no combate ao desenvolvimento do SDCC, desde o uso de brinquedos interativos, passeios variados e treinos com reforço positivo. Devem ainda evitar-se mudanças bruscas no ambiente doméstico, para minimizar a ansiedade e a hiperatividade do cão.

Pode ser necessário o uso de técnicas de adaptação ao meio ambiente, quando estamos perante um cão que apresente um quadro de SDCC, com perda da acuidade visual, por exemplo, deixando uma luz de presença acesa durante a noite.

Existe alguma forma de prevenção da Síndrome de Disfunção Cognitiva?

Sim, embora a SDCC não possa ser completamente prevenida, existem estratégias preventivas que podem atrasar o seu aparecimento ou reduzir a sua gravidade. A prevenção foca-se principalmente em manter a saúde cerebral e retardar o declínio cognitivo.

A prevenção da SDCC envolve uma abordagem multifatorial com foco em fatores ambientais, nutricionais e comportamentais, como abordado anteriormente. O objetivo principal é promover um envelhecimento saudável do cérebro e minimizar os fatores de risco modificáveis.

A SDCC é um processo degenerativo progressivo e, até hoje, não existe nenhum tratamento capaz de regenerar as áreas cerebrais afetadas.

A SDCC tem cura?

Como abordámos até aqui, a SDCC é um processo degenerativo progressivo e, até hoje, não existe nenhum tratamento capaz de regenerar as áreas cerebrais afetadas.

Assim, só conseguimos controlar sintomas, abrandar a progressão e melhorar a qualidade de vida do binómio 'Cão-Tutor'.

Qual o prognóstico da SDCC?

O prognóstico depende do estadio da doença no momento do diagnóstico. Cães diagnosticados precocemente, com um plano de tratamento estruturado, podem manter uma boa qualidade de vida por meses ou anos.

Em situações onde a doença se apresenta com um quadro muito avançado deve ser avaliada a qualidade de vida do cão e devem tentar-se todas as soluções possíveis, sejam elas farmacológicas, não-farmacológicas e comportamentais para se oferecer a melhor qualidade de vida ao animal e à sua família.

Se vamos pensar na eutanásia apenas e só pela demência, então acho que teremos um longo caminho pela frente antes de se pensar na eutanásia.

Se a doença estiver demasiado avançada, é aconselhável ponderar a eutanásia?

É uma decisão que deve ser muito pensada pela família e pela equipa medico-veterinária. No fundo, por quem conhece bem o cão em causa. Teremos sempre que avaliar a qualidade de vida do animal depois de termos tentado todas as opções terapêuticas disponíveis.

Acredito que o nosso paciente velhote tenha outras doenças (cardíacas, renais, oncológicas), que levarão a que se fale de eutanásia por outros motivos. Se vamos pensar na eutanásia apenas e só pela demência, então acho que teremos um longo caminho pela frente antes de se pensar na eutanásia.

Há à nossa disposição diversos cuidados (prestados pelo profissional de saúde e prestado pelo tutor) que permitirão que o nosso velhote tenha uma esperança média de vida ainda maior com qualidade de vida, sendo um cão feliz.

O que esperar do acompanhamento clínico de um cão com SDCC?

Deve avaliar-se junto do tutor o estado do seu cão periodicamente, para isso existem vários questionários clínicos validados que podem ajudar a avaliar o estado cognitivo dos cães idosos e diagnosticar ou monitorizar a Síndrome de Disfunção Cognitiva Canina (SDCC). Estes instrumentos são úteis tanto na prática clínica como para os tutores, permitindo quantificar alterações de comportamento ao longo do tempo.

Deve ainda ser monitorizada periodicamente a função renal e hepática do cão. Com possível necessidade de ajuste na medicação que este habitualmente faz.