Muitos são os atores conhecidos dos portugueses que dividem a vida profissional entre a representação, em telenovelas, filmes, teatro, etc., e as dobragens, como forma de terem, ao final do mês, uma almofada financeira mais recheada. Contudo, recentemente, vários artistas utilizaram as suas redes sociais para denunciar as más práticas levadas a cabo por duas empresas da área: 112 Studios e LisbonWorks. Em causa estão falhas nos pagamentos dos trabalhos, que, em alguns casos, já vão com um ano de atraso.
Nuno Pardal é um dos atores que se encontram nesta situação e, em exclusivo à TV 7 Dias, fala sobre o seu caso. “Trabalhei para o 112 e ficou em dívida um filme, mas já passou muito tempo e eu, entretanto, desisti. Na altura, ainda não nos tínhamos unido. Portanto, agora já não faz sentido, mas estou com toda a equipa que está reunida a fazer esta exposição”, esclarece, afirmando que a sua dívida é de cerca de € 600.
Contudo, há casos mais graves. “Posso dizer que só um colega nosso tem uma dívida de € 10 mil”, complementa João Araújo, que tem estado em constante contacto com o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE). “O que está previsto na lei são os 60 dias para pagamento dos serviços. Há estúdios que praticam os 90 e nós compactuamos com esses estúdios, porque já criámos uma relação profissional muito antiga, portanto, é na base da confiança. Acontece é que estes dois estúdios em questão, o 112 e o LisbonWorks, têm tido umas práticas muito pouco comuns. No 112 é a situação mais grave”, pois há trabalhos que foram efetuados há um ano, cujo pagamento ainda não foi feito, conta o ator e também diretor de atores. Já o LisbonWorks saldou grande parte das dívidas, mas, segundo o comunicado publicado nas redes sociais, há profissionais ainda a aguardar pagamento.
Embora aceitem receber a três meses, “o problema realmente são estes casos que aparecem nestes estúdios, em que a prioridade para eles não é pagar aos atores, mas sim resolver os problemas que têm na empresa, o que prejudica gravemente os atores, que ficam sem saber quando é que vão receber”, complementa Nuno Pardal.
Devido aos vários casos que foram sendo conhecidos, os artistas começaram a tomar uma atitude perante estas empresas. “O que está a acontecer é que nós fizemos uma espécie de greve, um boicote às gravações, tanto num estúdio como no outro”, diz João. “Alguns atores foram ‘acusados’ de se recusarem a gravar porque sim, mas não era porque sim, era porque não receberam o dinheiro todo de séries e filmes já antigos e já passados na televisão. Não aceitamos é voltar a fazer mais nenhuma série, enquanto o dinheiro que está para trás não estiver saldado. E esse é o nosso objetivo, não é prejudicar de nenhuma maneira nenhum dos estúdios, mas sim que os atores recebam o que lhes é devido”, acrescenta o Gustavo de A Fazenda, da TVI.
Mas este comportamento acabou por não ter o efeito desejado, pois estes atores começaram a ser substituídos por outros. “Uma das últimas pessoas foi o Pedro Bargado. Foi contactado na semana passada e depois recebeu uma mensagem do estúdio a dizer para ele ir gravar e que os outros colegas dele não precisavam de saber de nada”, denuncia. Como este não foi caso isolado, havendo situações em que foram substituídos elencos inteiros, João decidiu falar diretamente com a diretora internacional da Nickelodeon, uma das clientes do 112 Studios, sobre o que andava a acontecer. “A diretora internacional desconhecia o que se estava a passar. Ela mandou-me uma resposta a dizer que ia investigar a fundo e agir em conformidade. E foi exatamente o que fez. Investigou e chegou à conclusão de que o José Pedro [N.R.: Na altura, responsável pela Nickelodeon Portugal] não havia feito nada para a situação ser resolvida” e, passadas algumas semanas, acabou por ser, inclusive, despedido, adianta.
Para fazer face a esta situação, já existem processos de injunção a decorrer contra os dois estúdios. Contudo, o LisbonWorks já começou a saldar algumas dívidas. “Nesta semana, por exemplo, a Joana Castro já recebeu e há um ou outro ator que também já. Portanto, eu acho que eles estão a tentar resolver. No caso do 112, não se passa absolutamente nada. Continuam a querer substituir as pessoas. Mandam mensagens às pessoas a dizer para elas irem gravar e para não dizerem aos restantes colegas.” Além disso, as tentativas para solucionar este problema junto do 112 têm caído todas por terra. “O que nós sugerimos foi, inclusive, ele tentar conseguir um empréstimo e pagar tudo. E depois, em vez de ter várias dívidas, tinha só uma, que é ao banco. Ele foi prometendo, praticamente de três em três meses dizia que daí a três meses ia resolver a situação. A última promessa foi no dia 25 de setembro. Ele disse que até ao dia 25 de setembro ia pagar tudo a toda a gente. Não aconteceu. Agora já nem apresenta datas para pagamento. Diz que vai ver como pode fazer”, denuncia João, que nos garante que só nesta empresa as dívidas ascendem a cerca de € 30 mil. Entre os credores, além de Nuno Pardal, também Rita Cruz é uma das lesadas, bem como Rui Luís Brás. No grupo de Whatsapp criado para unir esforços constam ainda Tomás Alves, Pedro Barbeitos, Joana França e Joana Castro.
Segundo o ator, a criação desta corrente nas redes sociais tem um objetivo muito específico. “É continuar a exigir o nosso dinheiro e alertar o público e os outros colegas para não irem trabalhar por esses sítios porque, ao fazê-lo, também estão a substituir-nos e estão a protelar esta situação. Se eles nos devem a nós, também vão ficar a dever dinheiro aos que vierem a seguir a nós.”
A partir do momento em que a situação fique regularizada, os atores não rejeitam a possibilidade de voltar a trabalhar nestas duas empresas, mas as condições terão de ser diferentes. “Nestes dois estúdios não existe nenhum contrato assinado, nenhuma declaração. A única prova que nós temos de que trabalhamos lá são os nossos recibos verdes. Para voltar a estes dois estúdios, depois de a situação ficar regularizada, temos de fazer uma espécie de acordo formal escrito, em que eles se comprometem a pagar-nos em 60 dias, porque é o que diz a lei. É a única coisa que nos vai defender”, conclui.
Vai ser tudo saldado em janeiro
“O que tem acontecido é que, por causa da greve dos atores e guionistas americanos no ano passado, houve uma grande crise de conteúdos no mercado audiovisual mundial. Todos tiveram uma grande queda de trabalho e eu tive mesmo problemas. Não estava à espera dessa queda brutal do volume de trabalho, que aconteceu já desde o final do ano passado e praticamente este ano, até ao mês de setembro. Foram meses tortuosos no nosso meio audiovisual.
Infelizmente, tenho-me atrasado realmente com alguns atores”, começa por esclarecer o responsável do 112 Studios, que nos afiança, em exclusivo, já estar em vias de solucionar todos estes atrasos nos pagamentos. “Vou hipotecar o meu imóvel para me conseguir refinanciar e conseguir pagar a toda a gente. Vou pagar a todos, sem exceção, e isso deverá acontecer agora em janeiro. As coisas já estão mesmo adiantadas nesse sentido. Estou muito contente por ter conseguido essa solução. Não garanto que seja no início de janeiro, deve ser mais na segunda quinzena do mês que deverá tudo estar resolvido”, garante José Luiz Alves. No entanto, garante que a situação não é tão abrangente como têm dado a entender. “Alguns atores estiveram a negociar diretamente comigo e temos feito pequenos planos de pagamento. Eu diria que a grande parte dos atores já foi mesmo paga. Por uma questão de defesa própria, eles preferem não comunicar isso aos colegas”, atira.
Sobre as substituições de atores, faz questão de dar outra versão dos factos. “Eu tenho atores a quem não devo absolutamente nada, mas eles têm sofrido um bocado de terrorismo de alguns colegas. Ou seja, se eu disser ‘se tu gravas lá, não gravas cá’, isso é crime e grande parte dos atores está a fazer esse tipo de chantagem.”
Questionado sobre o caso específico de Nuno Pardal, José Luiz diz não se lembrar de qualquer dívida que tenha para com o ator. “O Nuno Pardal, a última vez que trabalhou connosco foi na Dora, a Exploradora, e simplesmente decidiu parar de fazer. Eu confesso que não estou lembrado de nenhuma dívida para com o Nuno, ou então ele esqueceu de mandar o recibo. O último trabalho que fiz com o Nuno tem dez anos, não é de agora. Ele podia ter falado connosco. Não tinha problema algum.”
Para terminar, faz ainda questão de esclarecer o alegado despedimento do representante da Nickelodeon em Portugal. “A Paramount decidiu fechar o escritório deles aqui em Portugal, tanto que agora o representante deles fica em Madrid. Ou seja, na prática, quando nós agora ganhamos uma série e, por exemplo, eu ganhei uma série nova agora da Nickelodeon, fazemos pequenos videozinhos das vozes dos atores e enviamos para Madrid. O rapaz foi despedido, mas porque a sede em Lisboa acabou.”
Contactámos também o LisbonWorks, que, a respeito desta polémica, nos esclareceu, em exclusivo, que “toda a informação que lhe chegou diz respeito apenas a um trabalho em concreto e de um cliente que, aliás, foi o nosso primeiro trabalho com ele. Aproveito para informar que o LisbonWorks faz mais de 20 trabalhos por ano. Neste momento, está tudo saldado relativo a este projeto”.
Bruno Silva, um dos representantes da empresa, acrescenta ainda que, “de facto, existe um grupo online de alguns atores a difamarem o nosso estúdio e um outro, mas mais de 60% das pessoas desse grupo nunca sequer trabalhou connosco. Da nossa parte estão a ser tomadas medidas legais sobre o caso. Relativamente aos outros 19 projetos, que tivemos durante o mesmo período, nunca existiu qualquer questão. Sempre que temos um projeto novo, convidamos atores da nossa escolha, que aceitam sempre de bom grado, sendo que somos dos estúdios que melhor pagam aos atores”.
Textos: Carla Ventura (carla.ventura@impala.pt) Fotos: Arquivo Impala, Divulgação e Reprodução Instagram