Quando, entre 2004 e 2008, os TV on the Radio, gente de Brooklyn ligada à cena arty, mas com o rock e o pós-punk nas veias, lançaram discos como “Desperate Youth, Blood Thirsty Babes”, “Return to Cookie Mountain” e “Dear Science”, a aclamação crítica foi imediata no louvar deste turbilhão elétrico propício à catarse. Com o avançar do tempo, a sua presença tornou-se mais rarefeita e, por volta de 2015, o ‘zeitgeist’ era outro e a paragem previsível. Dez anos depois, e pouco tempo depois de um reagrupar de forças - a banda nunca acabou - vemos uns TV on the Radio prontos para nos enredar novamente. No segundo dia do Primavera Sound Porto vimos um concerto incrível ao fim da tarde.

Se os Strokes nos deram uma verve rock herdeira do CBGB e os Interpol pareciam beber do pós-punk empertigado britânico, sombras de um imaginário mais sinistro, os TV on the Radio sempre soaram mais magmáticos, emotivos, à flor da pele. Mais fumarentos também. Provavelmente mais eclécticos e mais ‘confusos’, o que possivelmente os prejudicou na hora de medir o sucesso pelo número de pessoas que pagam bilhete para ir a concertos.

Nesta tarde subitamente soalheira de sexta-feira, é Tunde Adebimpe que recebe o público que se acomoda na colina mais verdejante do festival, em pé e expectante à frente, sentado sobre a relva à espera de ser surpreendido mais atrás. Com a ajuda do Google Tradutor atira, num português foneticamente castelhano: “Obrigado por nos receberem numa altura em que o mundo está horrível”.

Kyp Malone (guitarra), que arrumou a longa barba numa rasta, secunda Adebimpe e, como sempre, assegura a voz principal de várias canções. Destaca-se o baixo impecavelmente pulsante de Jesske Hume e o multifuncional Jaleel Bunton, mas também o trombone de varas de Dave Smoota Smith (homem também dos teclados, entre os quais um sempre bem-vindo Mellotron).

TV on the Radio no Primavera Sound Porto 2025
TV on the Radio no Primavera Sound Porto 2025 Rita Carmo

O ‘inventário’ é inatacável, a cadência da ‘setlist’ idem: ‘Young Liars’ é um início potentíssimo, com Tunde no seu típico esbracejar instigador. Em ‘Golden Age’, o baixo marcado permite a Kyp Malone municiar um funk irrecusável. ‘Lazerray’ é guitarrada desbragada. ‘Dreams’ começa como se quisesse entrar num filme de Michael Mann nos anos 80, prossegue com os sintetizadores e a guitarra de Malone em casamento perfeito.

Há breves mensagens de ‘Free Palestine’ e um sonoro “Fuck ICE”, com Adebimpe a registar o coro da multidão “para mandar aos nossos amigos na América”. Segue-se o momento mais intenso: um ‘Wolf Like Me’ tão imersiva hoje como em 2006 - transe, mesmo. Depois de uma ‘Trouble’ em que a guitarra acústica faz uma breve aparição, o adeus é com ‘Staring at the Sun’, braços no ar e a certeza de se ter assistido a um dos melhores ‘comebacks’ do ano. Voltem rápido.