Christine Lagarde considerou esta quinta-feira que o relatório apresentado esta semana por Mario Draghi à Comissão Europeia, sobre o futuro da competitividade da Europa, é um documento “formidável”.

Em conferência de imprensa em Frankfurt após anunciar a decisão de um segundo corte de juros, Lagarde, que sucedeu ao italiano à frente do Banco Central Europeu (BCE) em novembro de 2019, referiu que o documento é um “diagnóstico severo, mas justo”, que apresenta “propostas práticas para as reformas estruturais” da União Europeia.

Ainda que o âmbito do relatório de Draghi esteja fora do mandato do BCE, Lagarde considerou que as reformas estruturais propostas serão “boas” para a política monetária.

A presidente do BCE sublinhou, ainda, que o relatório Draghi não inclui “nenhuma sugestão para a alteração do mandato único do BCE”. Ao contrário da Reserva Federal norte-americana, que tem um mandato duplo (estabilidade de preços e promover um alto nível de emprego), o BCE tem apenas o mandato de estabilidade de preços.

A Confederação Europeia de Sindicatos (CES) criticou o “pequeno” corte de juros (de apenas 25 pontos-base na taxa de remuneração dos depósitos) aprovado esta quinta-feira acusando a “timidez da estratégia do BCE de não estar em consonância com a necessidade de aumentar o investimento proposto esta semana pelo relatório Draghi”. A secretária-geral do CES, Esther Lynch, disse que são precisos juros “muito mais baixos”.

Recorde-se que o relatório foi apresentado por Mario Draghi, ex-presidente do BCE e ex-primeiro-ministro italiano, à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a 9 de setembro. Trata-se de uma análise comparada da competitividade da União Europeia (UE) em relação a outras grandes economias, nomeadamente os Estados Unidos e a China. “Chegámos a um ponto em que, sem ação, teremos de comprometer o nosso bem-estar, o nosso ambiente ou a nossa liberdade”, avisou Draghi.

Em 400 páginas, Draghi propõe um conjunto de recomendações para impulsionar o crescimento sustentável e a inovação no espaço dos 27: aponta que são precisos, pelo menos, mais 750 a 800 mil milhões de euros de investimentos por ano para responder às duas superpotências.

“Para conseguir este aumento, seria necessário que a parte do investimento da UE passasse dos atuais 22% do PIB para cerca de 27%”, refere o relatório, sublinhando que este esforço deve ser financiado através de dívida comum tendo em vista a transformação digital, ecológica e na área da defesa.

“A UE deve continuar - com base no modelo dos fundos NGEU [Next Generation] - a emitir instrumentos de dívida comuns”, aconselha Draghi.

O relatório recomenda ainda que a UE reforme o seu processo de decisão. “A Europa não se coordena onde é importante, [e] as regras de decisão da Europa não evoluíram substancialmente à medida que a UE se alargou e o ambiente global que enfrentamos se tornou mais hostil e complexo”, disse Draghi.

O caso da política industrial é um bom exemplo: “Atualmente, as estratégias industriais - tal como se vê nos EUA e na China - combinam várias políticas”, incluindo a política orçamental, comercial e externa. “Devido ao seu processo de elaboração lento e desagregado, a UE é menos capaz de produzir uma resposta deste tipo”, conclui.

A China foi um dos desafios muito presentes ao longo do relatório. A segunda maior economia do mundo é um dos principais fornecedores de matérias-primas e tecnologia, e, por isso, Draghi colocou como objetivo estratégico diminuir essa dependência.

“Neste contexto, precisaremos de uma verdadeira 'política económica externa' da UE para manter a nossa liberdade - a chamada ‘política de Estado’”, acentuou o ex-presidente do BCE, a quem se atribui a inversão da crise das dívidas nos países periféricos da zona euro de 2010 a 2014.

Ficou célebre a famosa frase de que “o BCE fará tudo o que for preciso para preservar o euro”, que o então presidente do banco central proferiu em Londres em 26 de julho de 2012.