Perguntaram por ele ao treinador e ao guarda-redes, Gyökeres para aqui e acolá, como se a catrefada de analistas, scouts e adjuntos do Lille não soubessem salteado, de cor e de trás para a frente as ressonâncias vindas do nome do sueco e vieram elogios a monte do técnico Bruno Génésio, palavras de preocupação ditas por Lucas Chevalier e um retrato, mais um, a ser pintado para expor no alarido em torno da versão futebolística de um Ivan Drago precedido por uma reputação, que até além-fronteiras já causará calafrios na espinha por antecipação.

Durante uma farta meia hora, esses arrepios gélidos estiveram não enjaulados, antes quase amestrados pela estudada cautela dos franceses que visitaram Alvalade no regresso da Liga dos Campeões ao anfiteatro. No jogo que se fez de sombras, onde cada jogador do Sporting da defesa para a frente tinha um equivalente adversário a vigiá-lo, reflexo dos sistemas espelhados (ambas a partirem do 3x4x3) pelas equipas, os leões demoraram a afugentar os nervos iniciais, a urgência a decidirem o que fazer à bola enquanto Rúben Amorim esbracejava, à beira do campo, pedindo-lhes calma nas ações.

Atravancado o jogo, quase domesticado pelo encaixe de marcações e falta de calma, o Sporting procurou cedo e invariavelmente a corpulência do seu sueco. O primeiro ou o segundo passe eram logo para o matulão, a solução em quem a fé é infalível, mas, vigiado de perto por Bafodé Diakité, o central do lado por onde mais gosta de correr, Gyökeres foi nesse período uma redundância em andamento: sempre que procurava as suas diagonais na esquerda, quando não era a armadura de Diakité a impedi-lo, eram as dobras do igualmente encorpado Aïssa Mendi, o central do meio, a estancá-lo. Se recebia a bola no pé, tinha dois homens em cima; caso o passe fosse pelo ar, um segundo toque após a receção não lhe era permitido.

Mas a locomotiva musculada da Suécia percebeu que a escapatória para ser útil à equipa seria aproveitar o seu corpanzil de outra forma. Com o Sporting a precisar tanto de o procurar, começou a servir de apoio, quase como parede, mostrando-se aos mesmos primeiros passes mas reduzindo-se a um só toque para endereçar a bola a quem também entendeu que tinha de se aproximar do avançado quando ele fosse ser solicitado: então, com o pé, serviu de apoio frontal à corrida embalada de Pote que acabou em remate à baliza e, com o peito, presenteou depois um Trincão que chegava a correr de frente e seria derrubado em falta, com cartão amarelo.

Mais simplificações seguiriam, mais provas de que Gyökeres, entendendo que estagnar é morrer, compreendendo a exigência da Champions na qual se estreava e crescendo no jogo com a equipa, se soube adaptar às circunstâncias.

Completada a meia hora inicial, teve a sua primeira bola a gosto, correu do centro para a esquerda, foi servido no espaço, rodou na receção e correu ao encontro do adversário enquanto Pedro Gonçalves zarpou numa diagonal. Servido pelo sueco, o português rematou contra Chevalier. Não que Hjulmand e Morita se tivesse libertado da vigilância dos médios do Lille, ajudados pelo avançado Jonathan David, mas os leões cresceram a partir daí na partida pelas órbitas bem-sucedidas que Trincão e Pote iam dando em Gyökeres. Era por aí, e não, por exemplo, a explorar o buraco negro de espaço nas costas de Angel Gomes (ninguém se mostrava ao passe nessa zona) quando Morita recuava para a equipa ter uma linha de quatro na saída de bola, que o Sporting se chegou à frente.

Quando definitiva e atabalhoadamente o fez, apareceu o inevitável causador de calafrios cuja presença até pareceu precipitar os nervos em Alexsandro: quando Matheus Reis despejou um balão para a área do Lille, o central brasileiro, vendo Gyökeres nas redondezas, deixou o sueco encostar nele e só depois saltar à bola, falhando o cabeceamento e só acertando à segunda, quase de raspão. Ali bem perto, a bola ficou em Pote, que logo serviu o sueco na área. Apertado de espaço e de costas para a baliza, Gyökeres foi anti-Gyökeres, mas de novo provou a adaptação ao momento: recebeu, rodou rápido e rematou de pronto.

O golo (38’) menos ao seu estilo desatou as agruras para o Sporting e, logo a seguir, ele ajudou ainda mais a esse alívio quando acudiu a uma bola perdida a meio-campo, dividiu-a com Angel Gomes e o pequeno inglês de heranças portuguesas (filho de Gil Gomes, campeão mundial de sub-20) que vira um cartão amarelo pouco antes reviu a mesma cor quando colheu uma perna do sueco ao embater nele. Em apenas num minuto, o encontro escancarava um sorriso aos leões.

A restante história da partida seria contada sempre com um viés forçado. Despido de um jogador, o Lille ainda regressou do balneário atrevido, a querer discutir a bola que gosta de dominar por defeito. O talentoso Edon Zeghrova, canhoto albanês que passa, cruza e remata com pinças, foi espreitar ao lado esquerdo de Osame Sahraoui, norueguês de fintas coladas ao pé, a equipa francesa até teve várias posses de bola no meio-campo do Sporting que durante uns 10 minutos ainda pareceu confortável em permitir tais veleidades. Matreiro, saberia que tudo era uma questão de tempo.

Foi-o mesmo, inevitavelmente.

Cada bola recuperada pelos leões tinha uma inóspita planície de relva para explorar, sem franceses por perto, cheia da potencialidade de Gyökeres que teve uma segunda parte com o que mais o beneficia. Com espaço para correr, o cansaço a apoderar-se das pernas e reações dos defesas, o sueco zarpou numa desmarcação atrás da outra pela esquerda - e quando não o fez, continuou a servir de apoio para outros beneficiarem. Trincão rematou, o adolescente Geovany Quenda imitou, Geny Catamo também testou o necessário Chevalier, guarda-redes invadido por um ímpeto que o Sporting quase não fora capaz de ligar na primeira parte. Na segunda, em alguns períodos pareceu voar nessa cadência, sem piedade.

Zeno Debast tão pouco revelou qualquer pitada de dó quando, noutra aproximação da equipa à baliza germinada de uma correria de Gyökeres, desfrutou do encolhimento do Lille rumo à sua própria área, avançou uns metros, pediu a Daniel Bragança que continuasse a girar a bola e chicoteou de primeira a bola que vinha rasteira, fazendo-a descolar num remate daqueles que vão gradual e suavemente subindo na trajetória enquanto a bola roda para trás. Foi com um golaço (65’), aninhado perto do ângulo superior da baliza, que o elegante defesa central, de 19 anos, se estreou a marcar enquanto sénior.

O foguete lançado pelo belga não esmoreceu o Sporting, faminto por mais redes a baloiçarem, uma sede que empurrou Daniel Bragança a aventurar-se área dentro - servido por outra deambulação galopante de vocês sabem quem - e rematar para Quenda, na recarga à parada de Chevalier, desaproveitar a emenda. E alentou igualmente Rúben Amorim, assistindo a uma equipa na sua zona predileta e vendo um 2-0 no placard, a dar minutos a Maxi Araújo e a arreliar mais ainda as preocupações dos franceses ao dar a companhia do estreante Conrad Harder, um matulão ao lado de outro que é Viktor Gyökeres.

O dinamarquês foi inócuo no pouco tempo de que dispôs. O uruguaio quase levou um prejuízo do jogo: perto da área do Sporting, falhou um passe e entregou um presente a Cabella, que não o desembrulhou devido à perna que Franco Israel esticou para lhe negar o golo. Os leões não saíram da partida sem esse arrepio, um alerta maior a acrescer aos pequenos sinais de que a noite foi festiva, embelezou a estreia de um avançado demolidor na Liga dos Campeões e teve a telepática sincronia de combinações entre os três jogadores do ataque, mas nem tudo foi caviar.

Faltou ao Sporting um laivo mais mandão quando já em vantagem no resultado para domesticar o adversário e dominar o jogo, sem lhe permitir nada. Ao império lá atrás edificado por Diomande e Debast, faltou a correspondência, na primeira parte, de calma e paciência a construir as jogadas quando o Lille, mesmo que fechando espaços a meio-campo, não pressionava as ações dos defesas centrais. Sobrou nesses momentos e em todos os outros a pujança de Viktor Gyökeres, um sempre cada vez mais perto de ser como sempre. Agora, também já na Liga dos Campeões.