O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, refutou esta sexta-feira, em entrevista à RTP, as acusações de falta de independência de que tem sido alvo. “A minha independência não pode ser posta em causa por ninguém. O banco hoje oferece um conjunto de serviços aos portugueses superior aos que oferecia em 2020. Tenho muito orgulho. E ninguém consegue colocar a minha independência e a do Banco de Portugal em causa”, afirmou.

Questionado sobre algumas análises que o banco central difundiu, Mário Centeno sublinhou que há vários anos, ainda antes de ser governador, que o banco central produz análises. “O primeiro texto do Banco de Portugal sobre IRC é anterior à crise financeira… e é igual ao último”, apontou o ainda governador.

Centeno recordou o filme de animação “À Procura de Nemo” e a sua personagem Dory. “A Dory é um peixinho que não tem memória. Os países não podem ser governados sem memória”, comentou Mário Centeno, defendendo que “não podemos querer silenciar a análise económica” que é feita pelos especialistas do Banco de Portugal.

“Ou respeitamos as pessoas que se dedicam ao serviço público, as boas, ou então vamos ter as que levam oito anos a fazer um curso de quatro”, frisou Mário Centeno, em defesa do trabalho das equipas que lidera no banco central.

Na entrevista, Centeno foi também questionado sobre algumas nomeações que fez, já no fim de mandato, como a que renovou o contrato do seu chefe de gabinete, Álvaro Novo, e a que promoveu ao cargo de diretora-adjunta do Departamento de Estatística Rita Poiares (casada com Ricardo Mourinho Félix, que foi secretário de Estado quando Centeno era ministro das Finanças).

O governador mostrou-se incomodado com as insinuações de favorecimento, defendendo o mérito de ambos e atacando os autores das notícias. “As pessoas que fizeram essas notícias não têm currículo para entrar no Banco de Portugal. Para entrar no Banco de Portugal não se pode ter média de 10”, afirmou, declarando que os funcionários em causa “não merecem” as referências que lhes foram feitas na imprensa.

“A Rita foi promovida pelos últimos três governadores do Banco de Portugal”, notou Mário Centeno, recusando, na entrevista da RTP, que fosse tratada como a mulher de Mourinho Félix. E sobre Álvaro Novo, Centeno sublinhou que “o gabinete do governador tem que funcionar sempre, independentemente do governador que lá esteja”.

Dúvidas sobre a futura sede? “Não nos chegou nenhuma pergunta do ministro das Finanças”

Mário Centeno também falou do investimento que o Banco de Portugal está a fazer numa nova sede, que ocupará um edifício que a Fidelidade (seguradora detida pela chinesa Fosun) está a desenvolver em Entrecampos, em Lisboa, nos terrenos da antiga Feira Popular. O Banco de Portugal anunciou no início de maio um contrato de compra do edifício por 192 milhões de euros. Mas no passado domingo o jornal “Observador” revelou que o custo poderá afinal ultrapassar os 235 milhões de euros.

O “Observador” revelou que o preço anunciado pelo Banco de Portugal é apenas uma parte do custo total, já que não inclui o recheio e os acabamentos do edifício. Sobre isso, Mário Centeno admitiu que o encargo total será mais alto do que os 192 milhões de euros, mas não avançou um valor concreto, defendendo que se o fizesse estaria a condicionar a apresentação de ofertas para essa fase da obra.

Centeno desvalorizou, de resto, essa polémica. “Quando faz a escritura de uma casa, não faz com o valor do mobiliário. É a mesma coisa”, defendeu.

O governador referiu também, sobre os potenciais problemas no licenciamento do edifício, que o contrato-promessa tem cláusulas que permitem ao Banco de Portugal “sair do contrato sendo reembolsado das verbas que pagou”. Mas frisou a credibilidade da Fidelidade. “Estamos a falar de um contrato com a maior seguradora do país, não é com uma consultora do interior do país”, comentou.

Confrontado com a posição que o Ministério das Finanças transmitiu ao Expresso de que o Governo apenas recebeu parte da informação relevante sobre a futura sede (o que justificará o pedido de uma auditoria à Inspeção-Geral de Finanças), Mário Centeno afirmou que “o Ministério das Finanças recebeu toda a lista das questões levantadas em fevereiro deste ano [sobre os riscos do projeto]”, bem como os dados sobre os custos da futura sede e os valores das duas avaliações que serviram de base à aquisição, que distavam 15 milhões de euros, tendo o Banco de Portugal seguido “a de menor valor”.

“Nós não avençámos uma empresa para vir trabalhar connosco. Foram os melhores assessores e consultores que existiam no mercado”, referiu.

Mas Centeno foi mais longe. Depois do envio da informação, o governador garante que Joaquim Miranda Sarmento não manifestou nenhuma dúvida. “Não chegou nenhuma pergunta do ministro das Finanças”, assegurou.

Centeno disse ainda que se o Governo tivesse dúvidas sobre a operação de compra do edifício, poderia tê-las manifestado formalmente pelos canais existentes. “Há um conselho de auditoria do banco que é nomeado pelo Ministério das Finanças”, assinalou.