Falar de saúde, hoje, é reconhecer que nenhuma das suas dimensões existe isolada. A saúde humana, a saúde animal e a saúde do planeta estão profundamente interligadas — e isso exige que pensemos, aprendamos e atuemos de forma integrada. O conceito de One Health não é apenas um modelo teórico, é, cada vez mais, uma necessidade real.
A verdade é que muitos dos desafios que enfrentamos — como as zoonoses, a resistência antimicrobiana ou as consequências da degradação ambiental — não podem ser enfrentados por uma só profissão, nem por um só setor. Precisam de olhares complementares. De competências que se cruzam. De equipas verdadeiramente interdisciplinares.
E isso começa na educação. É nas escolas, do ensino primário ao secundário, nas universidades e nos centros de formação que se constroem as bases para o futuro. E é aqui que ainda temos um longo caminho a percorrer. A maioria dos currículos de Medicina Humana, Medicina Veterinária, Ciências Ambientais ou Saúde Pública continua demasiado compartimentada. Ainda se ensina dentro de fronteiras demasiado rígidas, quando o mundo — e os problemas de saúde que nele habitam — já extravasaram essas divisões.
De acordo com um levantamento feito nos Estados Unidos, apenas 16% das escolas de medicina integram de forma estruturada o conceito de One Health no currículo. E em Portugal, apesar de alguns esforços pontuais, o cenário é semelhante: falta transversalidade, falta prática interdisciplinar e, sobretudo, falta tempo dedicado a pensar em conjunto os problemas que exigem soluções em conjunto.
Mas há sinais de mudança. Em universidades da Tailândia, por exemplo, têm vindo a ser desenvolvidos programas que juntam alunos de Medicina, Veterinária e Engenharia numa abordagem conjunta à vigilância de zoonoses. Já nos Estados Unidos, algumas escolas estão a criar disciplinas facultativas conjuntas, em que alunos de diferentes áreas trabalham em projetos comuns relacionados com saúde ambiental, uso racional de antimicrobianos ou surtos zoonóticos.
Estes exemplos mostram que não só é possível, como faz toda a diferença, uma vez que os profissionais formados com esta visão estão melhor preparados para colaborar, comunicar, agir de forma preventiva e, quando surja a necessidade, proteger melhor a saúde das pessoas, dos animais e dos ecossistemas.
Mais do que criar novas disciplinas, o desafio está em mudar a forma como olhamos para a formação. Está em juntar pessoas de diferentes áreas à mesma mesa. Em criar casos práticos que envolvam múltiplas perspetivas. Em promover estágios cruzados, projetos colaborativos, debates conjuntos. Porque é nesses espaços que se constrói a verdadeira literacia para o futuro da saúde.
Incluir a One Health nos currículos não é apenas uma atualização técnica — é uma mudança de paradigma. É reconhecer que formar um bom médico, um bom Médico-Veterinário ou um bom biólogo, hoje, implica também prepará-los para trabalhar com os outros, para entender o contexto mais amplo onde os problemas acontecem e para pensar em soluções sistémicas.
É imprescindível formar profissionais capazes de ligar pontos. De perceber que a resistência antimicrobiana não se combate apenas com melhores prescrições, mas também com divulgação de informação cientificamente fidedigna e mais formação a profissionais e não profissionais. Que a obesidade e a desnutrição são problemas de saúde pública que começam muitas vezes no ambiente onde se vive. Que prevenir uma pandemia pode começar com a vigilância de um vírus num animal selvagem, numa floresta a milhares de quilómetros.
Formar com esta consciência é formar com responsabilidade. É garantir que os profissionais de saúde do século XXI não chegam ao terreno a aprender tudo do zero, mas sim com uma bagagem que lhes permite antecipar, colaborar e agir com eficácia.
Se queremos sistemas de saúde mais resilientes, políticas públicas mais eficazes e populações mais protegidas, temos de começar por aqui: pela forma como educamos. E isso implica colocar a One Health no centro da formação, não como uma nota de rodapé, mas como um pilar estruturante. Porque os desafios do nosso tempo não vêm com legendas a dizer, “isto é da tua área” — e as soluções também não.
Bernardo Soares,
Médico Veterinário / Health Care Director at UPPartner