Christine Lagarde vai ganhar a corrida na descida dos juros a Jerome Powell. Projeções avançadas esta semana até setembro de 2025 apontam para juros de 2% na zona euro e 4% nos Estados Unidos. A divergência entre as taxas de referência dos dois bancos centrais vai ampliar-se de 150 pontos-base (um ponto percentual e meio) atualmente para 200 pontos-base (dois pontos percentuais) daqui a menos de 12 meses.

Se a descida dos juros do Banco Central Europeu (BCE) é encarada com otimismo na zona euro com claros benefícios para a redução dos encargos das famílias com a habitação própria e das empresas com a dívida e para uma emissão mais barata de dívida pública pelos governos, outra das consequências pode ser nefasta.

O alargamento da diferença entre as taxas de referência dos dois bancos centrais acarreta um malefício: poderá acentuar a trajetória de desvalorização do euro face ao dólar. Desde a vitória de Donald Trump nas eleições a 5 de novembro que o euro caiu 3,3%, descendo para 1,05 dólares, e alguns analistas já apontam a queda para a paridade ao longo do próximo ano. Com um euro fraco e taxas da Fed e juros da dívida pública norte-americana mais elevados, os fluxos de capital vão fugir da zona euro para os mercados dos EUA na pocura de ativos mais rentáveis e mais seguros.

BCE vai cortar juros até 2%

As atas da última reunião do BCE realizada em 16 e 17 de outubro revelam que “alguns participantes” no conselho de governadores, alguns ‘falcões’ (defensores de uma política monetária mais restritiva), queriam adiar para dezembro o corte de 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual) na taxa de referência. Mas acabaram por ser convencidos pelo economista-chefe Philip Lane que argumentou que a descida em outubro era uma espécie de medida de precaução, um seguro, sem prejudicar novo corte ou pausa na última reunião do ano, a 12 de dezembro.

As expetativas de evolução para a taxa de remuneração de depósitos dos bancos comerciais - atualmente a taxa de referência da política monetária do BCE - apontam para uma descida dos atuais 3,25% para 2% em junho do próximo ano, segundo as projeções dos economistas do banco alemão Commerzbank. Yannis Stournaras, o governador do Banco da Grécia, avançou numa conferência que organizou em Atenas, já depois da vitória de Trump, que a taxa de 2% podia ser a “terminal” no atual ciclo de corte de juros iniciado em junho.

As expetativas de evolução para a taxa de remuneração de depósitos dos bancos comerciais - atualmente a taxa de referência da política monetária do BCE - apontam para uma descida dos atuais 3,25% para 2% em junho do próximo ano

No entanto, nas projeções do BCE analisadas em outubro ainda não está digerida a vitória de Trump a 5 de novembro, e nas atas não há uma única referência à discussão das consequências dos cenários eleitorais nos EUA. A inflação na zona euro em outubro subiu para 2% e as expetativas a 12 meses apontam, agora, para 2,7%, claramente acima do objetivo da política monetária (2%).

Fed pode ‘congelar’ descida dos juros

O mercado de futuros aponta, agora, para uma taxa no final do ciclo de cortes, em dezembro do próximo ano, de 4% ou 4,25%, no ponto superior do intervalo de juros que a Fed costuma fixar.

Este nível ainda elevado deriva de um abrandamento da dinâmica de descida dos juros e até de um ‘congelamento’ da política monetária de alivio se regressar um surto inflacionista logo durante o primeiro ano de mandato de Trump que ameaça com um disparo nas taxas aduaneiras, uma ‘limpeza’ no mercado laboral com as deportações em massa de imigrantes (e o impacto nos custos do trabalho em muitos sectores de mão de obra barata intensiva), e mais défice orçamental por via de novas ‘borlas’ fiscais e uma política industrial de “América primeiro” com apoios dirigidos.

“Penso que Trump fará muito barulho sobre a necessidade de baixar mais as taxas de juro imediatamente depois de chegar à Casa Branca, tendo em conta o historial do seu comportamento. Ele sabe que juros mais baixos darão incentivo ao mercado de ações e à sua imagem”, diz ao Expresso Sheldon Liber, CEO da Chasing Value Asset Management, na Califórnia, que prevê que “o palco esteja montado para que Trump e Powell andem às cabeçadas frequentemente”.

Mas a postura definida por Jerome Powell é de resistência à pressão política. O presidente da Fed já tinha dito na última reunião a 7 de novembro que não tinha pressa de cortar juros, e repetiu essa posição numa entrevista esta semana numa conferência em Dallas organizada pelo banco da Reserva Federal local e pelo World Affairs Council. “A economia não está a dar sinais de que precisemos de andar depressa na descida de juros. Vamos abordar as decisões cuidadosamente”, respondeu Powell a Catherine Rampell, colunista do The Washington Post. Powell aproveitou para recordar, em Dallas, os benefícios do princípio sagrado da independência do banco central face ao poder presidencial.

O próprio mercado de futuros tem hesitado sobre a decisão próxima a 18 de dezembro. Depois de ter projetado uma probabilidade de 83% para um novo corte de 25 pontos-base (um quarto de ponto percentual), baixou a expetativa para 60% depois das declarações de Powell, de acordo com as projeções do CME Fed Watch. A inflação subiu para 2,6% em outubro e as expetativas a 12 meses apontam para 2,9% na visão dos consumidores e 3,8% na dos empresários. Os economistas do Commerzbank projetam uma inflação média anual de 3,2% em 2026. Recorde-se que um dos mandatos da Fed é estabilizar a inflação no objetivo dos 2%.

Apesar de pressionado em Dallas, Powell não saiu do registo de considerar que ainda é muito cedo para “fazer juízos” sobre as políticas da próxima Administração. “Sabemos que há politicas que vão mudar, mas não sabemos quanto e quando”, disse, para acrescentar: “Temos de ver quais vão ser de facto as novas politicas - nós não especulamos. Temos de ver os detalhes”. A primeira reunião da Fed a seguir à tomada de posse de Trump vai realizar-se a 29 de janeiro e a segunda a 19 de março, quando se discutirão as novas projeções macroeconómicas e de política monetária dos seus membros.

Caso se concretize um corte em dezembro, o mercado de futuros aponta para uma pausa na descida nas reuniões de janeiro e março, adiando novo corte para maio. “É expectável que a descida de juros termine no primeiro semestre de 2025, havendo até a possibilidade de subida dos juros no último trimestre do próximo ano, pois pode começar a ser incorporado pela Fed o cenário de que a inflação possa regressar e ficar até acima de 3% contra os 2% ambicionados”, refere Pedro Lino, CEO da Optimize Investment Partners, em Lisboa.

Powell já declarou que vai cumprir o seu mandato à frente da Fed até maio de 2026 e que não se demitirá. mesmo se pressionado. Entretanto, a equipa de Trump já aventou a hipótese de nomear um “presidente sombra” da Reserva Federal até à substituição de Powell.

FOTO Drew Angerer/Getty

“O palco está montado para que Trump e Powell andem às cabeçadas frequentemente”, diz Sheldon Liber

China corre em pista própria

A taxa do Banco Central da China (PBOC, na sigla em inglês) é, atualmente, de 3,1% e deverá descer para 3% no final do ano. ficando ao mesmo nível da taxa de referência do BCE. A projeção é que desça para 2,5% no final do próximo ano, ficando acima da prevista para a zona euro.

O PBOC avançou com uma politica monetária de alívio desde junho passado, já tendo descido os juros de 3,45% para 3,1% em outubro com o objetivo de contrariar o abrandamento económico que coloca em risco a meta politica de crescimento de cerca de 5% em 2024 e de facilitar a atuação do crédito em relação à grave crise no imobiliário.

O banco central chinês enfrenta uma situação radicalmente diferente em matéria de inflação em relação aos EUA e à zona euro. A inflação chinesa caiu para 0,3% em outubro. As projeções do portal Trading Economics antecipam que descole para 1% no terceiro trimestre do próximo ano, mesmo assim num nível que será metade do da zona euro e um quarto do norte-americano.

“Espera-se que a inflação permaneça contida em torno de 1% em 2025. Por isso, os mercados estão na expetativa e desejam novos cortes de juros para impulsionar a procura de crédito, os negócios e a confiança dos consumidores”, sublinha Dan Steinbock

“Espera-se que a inflação permaneça contida em torno de 1% em 2025. Por isso, os mercados estão na expetativa e desejam novos cortes de juros para impulsionar a procura de crédito, os negócios e a confiança dos consumidores”, sublinha Dan Steinbock, fundador da consultora Difference Group, baseada na Ásia. “Alguns analistas antecipam um corte de 10 pontos-base na taxa de referência na reunião de política monetária em dezembro e de meio ponto percentual ao longo de 2025, desde que a taxa de câmbio da divisa chinesa permaneça estável para evitar fuga de capitais”, diz o consultor radicado em Manila. No entanto, reconhece que a tarefa não é fácil: “Dado que as guerras aduaneiras incentivam as guerras cambiais, não será simples, mas há espaço para gerir os cortes de juros”.