
O euro digital não é apenas um projeto tecnológico, mas um instrumento estratégico para a estabilidade financeira, a segurança económica e a inclusão social na União Europeia, defendeu Piero Cipollone, membro da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE), ao apresentar no Parlamento Europeu, nesta quinta-feira, os desenvolvimentos mais recentes da iniciativa. “Enquanto forma digital de numerário emitida pelo Banco Central Europeu, o euro digital irá complementar o numerário físico, que continua a ser essencial para a resiliência e a inclusão. O euro digital assegurará que todos os europeus possam pagar sempre com um meio de pagamento digital gratuito e universalmente aceite, mesmo em caso de perturbações graves”, afirmou.
Cipollone deixou claro que a resiliência é a primeira prioridade. “Os serviços de pagamento são tão essenciais como a eletricidade ou a água potável. Não são um luxo. É nosso dever garantir que funcionam sempre, independentemente das condições externas”, declarou.
O responsável lembrou que grande parte das infraestruturas digitais utilizadas na Europa depende de prestadores de fora da União, o que limita a autonomia em situações de crise e expõe os sistemas a riscos de ciberataques. “Incidentes como a sabotagem de cabos submarinos no Golfo da Finlândia e no Mar Báltico recordam-nos de forma clara a fragilidade das nossas infraestruturas”, referiu.
E as perturbações não resultam apenas de crises geopolíticas ou de segurança. Como exemplo, apontou os apagões registados na primavera passada em Portugal e Espanha, durante os quais milhares de pessoas ficaram impossibilitadas de pagar por não terem numerário à mão. “Estes acontecimentos mostram porque é vital salvaguardar o nosso sistema. Os europeus esperam do BCE – e de vós, colegisladores – medidas decisivas e práticas para prevenir tais situações no futuro”, sublinhou.
Para dar resposta a esses desafios, o BCE prevê que o euro digital funcione como um verdadeiro mecanismo de continuidade.
Cipollone explicou que a infraestrutura técnica do euro digital será distribuída por pelo menos três regiões diferentes, cada uma equipada com múltiplos servidores, de forma a que, no caso de um desastre regional ou de um ciberataque, os pagamentos possam ser automaticamente redirecionados e as operações continuem ininterruptas. O BCE irá ainda desenvolver uma aplicação dedicada ao euro digital, que estará disponível para todos e permitirá aos utilizadores mudar facilmente entre prestadores de serviços que ofereçam o euro digital; em situações de ciberataque a um ou mais prestadores, esta opção de recurso garante a continuidade. Por fim, a funcionalidade offline adiciona uma camada extra de segurança, permitindo efetuar pagamentos mesmo quando a ligação à internet é interrompida ou quando o acesso ao numerário se torna difícil, como durante um apagão ou uma catástrofe natural.
Euro digital como meio de inclusão financeira
A segunda grande prioridade do projeto é a inclusão, referiu no seu discurso. “Temos de garantir que ninguém fica para trás na transição para uma economia mais digital. Durante décadas, o numerário foi um pilar da inclusão financeira – oferecendo acessibilidade, autonomia e confiança. Não podemos perder estes benefícios por inação”, referiu. E acrescentou: “As barreiras à inclusão são reais: desde não possuir um smartphone, à literacia digital limitada, passando por interfaces de utilizador que não têm em conta a acessibilidade”.
Para isso, o BCE está a desenvolver soluções adaptadas a diferentes necessidades, incluindo interfaces com comandos de voz, letras ampliadas ou fluxos simplificados. “Mais de 30 milhões de europeus têm deficiência visual e pelo menos 34 milhões são surdos ou têm dificuldades auditivas. O euro digital tem de ser desenhado a pensar também neles”, frisou.
Cipollone acrescentou ainda que a inclusão não se fará apenas através da tecnologia, mas também do apoio no terreno. O BCE está a explorar parcerias com autarquias, bibliotecas e estações de correios para disponibilizar assistência gratuita aos utilizadores mais vulneráveis.
O responsável deixou, por fim, uma mensagem clara ao legislador europeu: “O BCE apoia o trabalho em curso da Comissão Europeia e do Conselho da UE sobre resiliência e inclusão. Mas, para que o euro digital reforce efetivamente a resiliência dos pagamentos na área do euro, tem primeiro de se tornar realidade”.
Recorde-se que, em março passado, os líderes da área do euro apelaram a uma aceleração no projeto do euro digital, nomeadamente para “apoiar um sistema de pagamentos europeu competitivo e resiliente e contribuir para a segurança económica da Europa”.
Cipollone frisou que o progresso legislativo “permitirá avançar em paralelo e dar aos europeus um calendário claro e concreto para a concretização do euro digital – assegurando acesso fácil a um meio de pagamento resiliente que protegerá a segurança económica da Europa”.