É nos momentos difíceis que é especialmente preciso não separar lados, mas antes envolver todos na gestão, seja pela comunicação do momento seja até abrindo a porta a contribuições de fora do gabinete dos administradores. E "mostrar as emoções não fica mal, revelar alguma fragilidade" é apenas uma forma de humanizar a gestão... "desde que não se ande aos gritos pelos corredores a pregar a desgraça".
O humor com que o advogado e sócio fundador da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva simplifica a fórmula facilita o entendimento. Um gestor não deve perder a cabeça, mas não vem mal ao mundo se se mostrar tão humano quanto cada um dos elementos da equipa que lidera. Bem pelo contrário. "O amor na gestão não é andar aos abracinhos, é pôr-se nos sapatos dos outros."
Mas a gestão não se pode fazer só com o coração, lembra Catarina Portas. "É preciso um equilíbrio, ser emocional com as pessoas e até trazendo essa via à tomada de decisões, mas encarando os números com extrema racionalidade. É preciso fazer contas; os números são fundamentais para se poder ser emocional na gestão, para ser mais afetivo é preciso haver também racionalidade económica", traduz a criadora d'A Vida Portuguesa.
Numa conversa improvável moderada pelo maestro Martim Sousa Tavares, a Fundação Santander Portugal sentou dois protagonistas conhecidos pelo seu papel como empresários e gestores que não se envergonham de carregar nas mãos o coração. Na estreia das Beyond Profit Talks, que aconteceu nesta quarta-feira, na sede do Santander Portugal, em Lisboa, Catarina Portas e António Pinto Leite trocaram pontos de vista e experiências para chegar a uma conclusão partilhada: gerir com amor é tratar os outros com o respeito que merecem, com o cuidado que gostaríamos nós próprios de receber. É vestir a pele daqueles que se lidera e levá-los também a esse processo, quer relativamente aos colegas quer aos seus líderes.
Emoção a 360 graus... mas a cabana, além de amor, não sobrevive sem que haja dinheiro para gastos. Que é como quem diz: por muita cumplicidade e entrega que exista e se recomende, uma empresa é um corpo vivo e, como o humano, precisa de alimento. "A questão é que o lucro não é tudo. Eu sempre reinvesti e distribuí, melhorando condições de trabalho, o dinheiro que fiz, mas sem rendimento não há negócio", explica Catarina Portas, recordando o esforço feito em pandemia, quando teve de fechar duas lojas mas conseguiu não despedir ninguém... graças ao primeiro empréstimo contraído na carreira de empresária.
Para António Pinto Leite, o amor na gestão é a prova de vida da empresa. E essa descoberta, garante, fê-la no encontro com a sua profunda cristandade. "Tinha 55 anos quando a ética cristã começou a influenciar a minha forma de ver a vida e esse fator de exigência impregnou-se e passou a ser a base de tudo", conta o advogado, que já escreveu até um livro sobre o tema: "O Amor como Critério de Gestão". "O que se sabe da ciência económica, a aplicação correta de recursos é só uma parte da gestão, porque as empresas são verdadeiras comunidades, de destino incerto, humanas e expostas à vida."
"Eu não sei trabalhar sem gostar do que estou a fazer", confirma Catarina Portas, apontando vantagens de levar as emoções que não se esgotam na criação de um bom ambiente de trabalho ou no sucesso de uma empresa. "Quanto mais diferenças há, mais aceitação, mais coração. E é importante as pessoas não sejam todas iguais, que mantenham a sua individualidade e sejam conhecidas e reconhecidas por ela." Exemplifica com a forma como vê o trabalho feito e os produtos que apresenta nas prateleiras das suas lojas: "Eu conheço o senhor que, já na terceira geração da família, faz o sabão azul e branco; tenho uma florista que cria arranjos incríveis, duas pessoas de belas artes que pintam os bonecos... todas essas experiências e diversidade contribuem para o êxito." Mesmo porque, garantem ambos, "quando se põe amor no que se faz, trabalha-se com gosto mas também com uma exigência muito maior". É o que se obtém ao entender as dimensões humanas e sociais do negócio: parceiros que se tornam amigos, equipas que se transformam numa família distendida.
"Na minha vida vim a entender que há takers, matcher e givers (quem espera receber tudo dos outros, quem dá na medida que recebe e quem dá tudo de si aos demais). E os givers são mais felizes." Isso, garante, descobriu-o na religião cristã, que é a sua, mas existe também "em todas as outras religiões; todas têm essa matriz". E até quem não se revê em religiões, como Catarina, o entende.
Depois do amor como critério de gestão, onde nos levará o casamento entre a inovação e a educação? É o que vamos descobrir na próxima sessão das Beyond Profit Talks, da Fundação Santander Portugal, que acontece no próximo mês.
Reveja esta estreia e acompanhe aqui todas as conversas improváveis.