
“Haveremos de ir a Viana”, cantava Amália. E se até então não teve oportunidade de o fazer, saiba que Viana do Castelo está perto de chegar até todos nós.
Rui Lima Miranda, um dos fundadores, CEO e produtor na Watermelon Productions, apaixonou-se por Viana do Castelo e pelo Minho depois de conhecer a sua mulher. Quando estes dois ingredientes se misturaram – a sua profissão e o amor a Viana – nasceu o projeto que será a maior longa-metragem de animação 3D produzida em Portugal.
“Queríamos contar uma história que tivesse uma mensagem de amor bonita, uma mensagem de como juntos podemos trabalhar para um bem comum, e ao mesmo tempo contribuísse um bocadinho para algo em Portugal. Quando veio a ideia de Viana do Castelo e inspirar-nos na lenda de amor de Viana do Castelo, foi uma confluência de coisas boas”, conta Rui à Forbes.
O filme “Viana – A Lenda dos Corações de Ouro” pode ser comparado a uma versão portuguesa do filme “Frozen”. “É o mesmo formato, para o mesmo target”, conta Rui. Ou seja, trata-se na mesma de um musical, também para crianças e famílias e com a lenda de uma região como plano de fundo. Só que em vez de Arendelle, na Noruega, estamos em Viana do Castelo, Portugal.
“A história remete para o Norte de um Portugal medieval, onde a bela Ana se apaixona pelo pobre artesão Thomas. A história de um amor impossível, por causa do pai dela que exige que os pretendentes da sua filha apresentem uma joia como prova de nobreza. Mas o jovem casal recusa-se a desistir. Com a ajuda dos fiéis companheiros, da generosidade das mulheres da cidade e do talento de um misterioso joalheiro, Ana e Thomas enfrentarão muitos desafios por amor, incluindo o poderoso e malvado duque de Aragão”, lê-se na sinopse do filme.
A dar voz a estas personagens estão nomes bastante conhecidos do público português, e não só. Daniela Melchior e Luke Newton são as vozes dos protagonistas. Melânia Gomes, Pêpê Rapazote e Keith David são outros dos atores envolvidos.
“É uma experiência única. Nunca tal se fez no nosso país e ninguém imagina o tempo, o estudo, o cuidado, a dedicação que um projeto desta dimensão acarreta. A preocupação de respeitar a nossa cultura, a vontade de chegar a mais pessoas, com o compromisso do exequível, imagino que não seja fácil, mas estão a fazer um excelente trabalho”, diz Melânia Gomes, que dá voz a Ophelia, à Forbes.
Processo criativo
Fazer tudo isto acontecer não é mesmo tarefa fácil. Para começar, é preciso passar a ideia para um guião. Um processo muito mais longo do que se possa imaginar. “Até ao guião final, foram cerca de 2 anos. Depois de criar o conceito, criar todo o arco da história, há que montar o guião, escrever, reescrever. Neste momento temos um guião que tem 105 páginas e que teve mais de 21 versões”, conta Rui.
Terminado o guião, o passo seguinte é convidar parceiros para que possam fazer o projeto acontecer. Neste caso passou por parceiros de distribuição nos Estados Unidos, uma agente comercial na Alemanha, parceiros para a produção, estúdios, um diretor musical, um diretor artístico, que é o português Gonçalo Jordão, entre outros. No fundo, trata-se de garantir que a equipa está completa de forma a que o projeto possa ganhar vida. Para que, em seguida, entre na fase de pré-produção. “Começar a criar todo o estilo gráfico, a transformar o guião num animatic, que no fundo é a definição do que vai acontecer na animação segundo a segundo”, continua.
No total, o filme conta com 143 personagens – sendo que um filme da Disney tem normalmente entre 100 e 120 –, e mais de 10 mil objetos. O que torna este processo de pré-produção muito longo. “O realizador faz cinco ou seis vídeos por cada cena, e cada uma tem em média seis segundos. Ele explica como está a ver aquela cena, para depois quando passamos para a programação da animação estar tudo definido segundo a segundo”, diz.
Na fase de pós-produção já entram as vozes dos atores e todos os efeitos especiais. Aqui é onde Rui destaca uma certa dose de audácia sua e da equipa que trabalha no filme. “Contratámos atores para darem voz que são bastante conhecidos. Tivemos a sorte e a audácia de os contactar e eles gostaram muito da história e gostaram imenso da parte musical. O Luke Newton antes de ser ator é cantor, portanto ele adorou as músicas, esteve a treiná-las mais de duas semanas antes de chegar ao momento da gravação, quando ele chegou já trazia acrescentos muito bons para o filme. O outro foi o Keith David, nós propusemos-lhe inicialmente um personagem, mas depois de ele ler o guião e de ver a música do mau da fita, disse-nos que gostava muito de participar, mas no personagem do duque de Aragão. E está espetacular”, conta Rui.
Depois entrará a fase de distribuição. No que à estreia diz respeito, o plano já está traçado. Em parceria com a Câmara Municipal de Viana do Castelo, haverá um evento na cidade portuguesa com a presença dos atores internacionais e nacionais do projeto. Com o Turismo do Porto e Norte, já existe, também, um acordo para fazerem a estreia do filme nos Estados Unidos.
No final, falamos de um orçamento de 10 milhões de euros, naquela que será a maior produção feita em Portugal.
“O financiamento faz-se colecionando a participação de diferentes elementos. Juntando montinhos diferentes. Temos desde a participação do ICA, do programa Cash Rebate, que nos apoiou, temos a participação do co-produtor de Espanha que quis investir no filme, temos os investidores privados, os distribuidores, e todos eles vão contribuindo para o financiamento do filme até conseguirmos juntar o montante todo. É outro filme montar o financiamento deste filme”, afirma.
Produção portuguesa
“Todo o filme respira e transpira a cultura portuguesa”, garante o produtor. E isso pode ser comprovado em vários detalhes. No cenário, Viana está efetivamente representada: seja no Templo de Santa Luzia, no Hospital da Misericórdia ou nos Paços do Conselho. Estão os papeis de parede portugueses do século XVIII, os azulejos, a calçada, a guitarra portuguesa, a filigrana, os trajes tradicionais, o Vira do Minho.
E está a língua portuguesa. Porque apesar de existir uma versão em português e uma em inglês do filme, há um detalhe que a produtora fez questão de ter presente: Daniela Melchior, que dá voz à protagonista, faz as duas versões do filme. “Nós queríamos que fosse a Daniela. Tinha de ser uma artista com o talento que a Daniela tem, que conseguisse cantar extremamente bem e que tivesse visibilidade internacional. E queríamos que fosse portuguesa. Por tudo e mais alguma coisa, pela genuinidade de conhecer a cultura, pela genuinidade de conhecer Viana, de conhecer o que estávamos a querer obter com a história do filme. Ela também vai dar a voz à versão inglesa e nós queremos que na versão inglesa se perceba que não é uma americana a fazer a voz de um português. Queremos que seja um português a fazer a versão inglesa”, defende.
Este é um novo passo de Portugal no universo do audiovisual. “Acho que nós vamos marcar um bocadinho a história”, afirma Rui, com base em toda a sua experiência até hoje.
A começar pelo difícil que foi entrar no mercado norte-americano, que até então nunca tinha ouvido falar numa produtora de animação com origem em Portugal. Mostrar a credibilidade do projeto foi o primeiro obstáculo que enfrentaram, mas depois de ultrapassado, ao provarem que conseguem entregar um bom produto, a Watermelon Productions acabou por se tornar um abrir de portas para outros que em Portugal sabem fazer séries de animação para cinema e televisão. E com os produtos, levam também o próprio país.
“É preciso criar elementos diferenciadores, e estes elementos diferenciadores vêm de histórias e conteúdos. E acho que o facto de podermos usar o filme para promover o visit the land of the golden hearts, é um atributo diferenciador, é uma campanha distintiva versus as outras que podem dizer visit Spain ou visit Greece”, diz, confessando que o seu sonho passa por, no dia da estreia do filme, colocar no céu de Manhattan o coração de Viana desenhado por drones.
Os próprios atores que participam no filme têm esta noção muito clara do impacto que um projeto como estes pode ter no país. É Melania que o confirma: “Em primeiro, o legado que fica, o orgulho de ser português, de pertencer a estas tradições, a esta cultura do amor, da união, do cuidado, do altruísmo. Acho que é a grande marca dos portugueses no mundo. Será uma porta mágica que se abre para nos conhecerem melhor, também”.
O caminho passará então pela audácia, em primeiro lugar. A mesma audácia que a Watermelon Productions mostrou com a realização deste projeto. Mas não fica por aqui. “O segundo passo é passarmos a olhar para a nossa indústria como uma indústria do entretenimento”, defende Rui. Ou seja, ter-se muito clara a noção de que esta é uma indústria que “existe para fazer dinheiro, para dar retorno aos investidores, para ter sucesso comercial. Que cria emprego, cria valor e cria riqueza. Uma indústria comercial como qualquer outra”, conclui Rui.
(Artigo publicado na edição fevereiro/março 2025 da Forbes Portugal)