Vamos tentar escrever um manual sobre como não gerir uma vantagem. Coloquemos o relógio aos 86'. Pensemos que a equipa que está na frente do marcador tem um livre a favor, já no meio-campo adversário. O que não fazer? Colocar a bola para uma floresta de jogadores, sem grande intenção, ao mesmo tempo que oito futebolistas da equipa avançam, adiantando-se para lá de meio do meio-campo. Ninguém fica atrás da linha divisória. Há uma disputa de bola que atrai os únicos homens que tentavam proteger um possível contra-ataque e eis a receita perfeita para o caos.

Mais de 70 metros para o adversário, que estava a perder, percorrer. Um latifúndio por explorar sem proteção, sem barreiras, sem tentar conservar a bola. Não se ataca em posse, não se protege a própria baliza, atira-se uma moeda ao ar em forma de dois ou três duelos e espera-se que a bola não vá parar aos pés dos adversários.

Na perspetiva do FC Porto, foi sempre parar aos pés dos adversários. Se há lance que resume a atualidade azul e branca, foi o que decidiu o 1-1 frente ao Vitória SC. Uma equipa em vantagem sem cabeça para segurar o empate, exponde-se ao caos e à confusão.

Umaro Embaló aceitou o presente e, aos 86', empatou o encontro. A época de pesadelo do FC Porto prossegue com números inacreditáveis: a equipa só venceu dois dos últimos 12 encontros. Anselmi, em quatro rondas da I Liga, só ganhou uma, não aproveitando os tropeções do Sporting, estando a 6 pontos dos leões do Benfica e estando, agora, em igualdade com o SC Braga. A última vitória em casa foi a 28 de dezembro, há quase dois meses.

28 de dezembro era, justamente, a data do aniversário de Pinto da Costa. O Dragão engalanou-se para novo tributo à figura mais importante da história do clube, mas esta equipa em construção, indefinida, de intenções pouco concretas, não conseguiu juntar três pontos à ocasião. O estádio começou vibrante, pujante, em tons de festa. Acabou em protesto, algures entre o triste e o revoltado.

ESTELA SILVA

O serão que se pretendia de dedicatória terminou como mais um capítulo de uma campanha de horrores. Com o argentino Tomás Pérez como grande novidade no onze, estreando-se na I Liga, o FC Porto tentava construir com o jovem reforço entre Zé Pedro e Otávio, formando-se um quadrado à frente do trio de defesas, com Varela e Fábio Vieira mais atrás e Pepê e Mora mais à frente. No meio de tanta geometria, faltava acerto e sentido ofensivo.

Nenhum dos guarda-redes foi forçado a realizar uma defesa na etapa inicial, só surgindo o primeiro remate enquadrado aos 50', num livre batido por Zé Pedro. O jogo pareceu mais uma dança, um bailado entre duas equipas a tentar sair a jogar de forma apoiada, do que um verdadeiro duelo. Por instantes, assemelhava-se a um treino em que se praticava o começo a partir do guarda-redes: passe, passe, passe, perda de bola, reinício, sem capacidade de gerar perigo.

Aos 18', um remate ao lado de Gonçalo Borges foi o mais perto de um golo que a chuvosa noite do Dragão viu em muito tempo. Ironicamente, a melhor finalização dos locais, que surgiu por Namaso aos 40', deu-se quando o atacante avesso à baliza contrária — que só marcou 14 vezes em 96 desafios pelos azuis e brancos — estava em posição irregular.

Do outro lado, Nelson Oliveira, que começou o jogo a irritar-se com o árbitro por ter de ir tapar uma risca branca que se via nas suas meias, parecia andar pelo relvado sempre à procura de motivos para se chatear, de face trancada, como um homem que não encontra o lugar onde estacionou o carro. O momento máximo da irritação do atacante que outrora foi a maior promessa do futebol nacional deu-se aos 55', quando o internacional português, após bom desenho de ataque, atirou para o 1-0. Tudo o que se seguiu foi um festival de irritação: Oliveira festejou com ar de revolta e fez a mesma cara de protesto quando o golo foi anulado por fora de jogo prévio.

O público não era indiferente à falta de futebol ofensivo, com algumas manifestações de descontentamento. Mas esse desagrado não fazia esquecer o grande protagonista da noite: os tributos a Pinto da Costa sucediam-se, como aquele que se viu aos 42', com uma ovação de pé e mais uma tarja dedicada ao presidente mais titulado da história. Nas bancadas, figuras como João Pinto ou Domingos Paciência não esconderam a emoção.

Após o descanso, o tímido Vitória do arranque soltou-se. Pressionou melhor, cheirou o sangue da instabilidade do FC Porto, rondou a baliza de Diogo Costa com perigo. Nelson Oliveira fez um golo que seria anulado por fora de jogo de Tomás Händel, Borevkovic cabeceou e Otávio evitou um golo quase certo.

No meio das dificuldades dos locais, emergiu o génio de Fábio Vieira. O canhoto cedido pelo Arsenal tem sido uma das desilusões da temporada, surgindo, nesta noite, muito recuado, longe das zonas de definição onde faz a diferença, como um Ferrari que só é usado para andar no trânsito do bairro na hora de ponta. Pois bem, aos 67' o bólide soltou-se: Vieira, na zona de Vieira, na meia-direita, puxou para o meio e sacou de um remate em arco, bem desenhado, estético e eficaz. 1-0 e a primeira vitória caseira de Anselmi mais perto.

Só que depois veio o caos. O golo não serenou o FC Porto. Na frente, o técnico tirou Mora e Vieira e colcou Franco e Eustáquio e a equipa entregou-se à luta, aos esticões. Samu, no ataque, era como uma roleta-russa, podendo cada bola que ia para o ponta-de-lança acabar numa boa ação como perder-se devido a uma receção imprecisa.

Perante a instabilidade do adversário, o Vitória foi acreditando. João Miguel Mendes e Borevkovic assutaram Diogo Costa, até que chegou o lance da glória do clube de Guimarães. Naquela correria de Embaló para o golo, naquele sprint sem barreiras, estava desenhado o guião de um FC Porto que nem segura a bola nem é consistente a defender, que não protege vantagens nem as aumenta.

As homenagens ficam-se pela bancada. Dentro de campo, o tempo é de sofrimento.