Em tempos cabeludos, há que ser pragmático. O Sporting ganhou. O Sporting de João Pereira venceu pela primeira vez no campeonato e evitou ser dono de embaraçosas estatísticas de derrotas que só têm par lá a atrasado no tempo dos reis. A vitória por 3-2 frente ao Boavista estanca a ferida aberta.
Mas dificilmente a fecha.
Depois de uma primeira parte onde, aqui e ali, os leões deram uns ares de tempos tão recentes, mas que parecem do século passado, os minutos finais voltaram a ser penosos, a sofrer sem bola e a não saber bem o que fazer com ela. O apito final significou o fim de uma aflição que há pouco mais de um mês os sportinguistas arrogavam-se, e com razão, de não conhecer.
E uma aflição que parecia impensável depois de uma entrada frenética do Sporting, acampado no primeiro terço boavisteiro nos primeiros minutos, refrescantemente olhando para trás. Com um jogo ainda demasiado lateralizado, o Sporting procurou mais o corredor central, com Geovany Quenda a dar-se ao jogo no miolo e a combinar bem para quem surgisse vindo das laterais - o lance aos 16’, a lançar Geny, foi dos mais bem desenhados dos últimos jogos do Sporting. Debast ia contribuindo para o jogo ofensivo. Gyökeres, como que personificando uma qualquer situação cósmica em que a estrelinha também embarcou para Manchester, falhou dois golos cantados numa fase em que a pressão leonina nada permitia ao Boavista. Parecia faltar, apenas, o golo.
Que surgiu ainda antes da meia-hora, num erro garrafal de Pedro Gomes, mas que já tinha começado lá atrás, numa má saída desde a baliza do Boavista. O atraso defeituoso do lateral para César acabou nos pés de Gyökeres, agora sim, a marcar.
O golo, no entanto, não fez maravilhas pelo Sporting. Não faltaram situações de jogadores bem colocados à entrada da área deixados à sua sorte de braços no ar, enquanto mais um cruzamento seguia o seu caminho de irrelevância. Gyökeres voltou a falhar com o nariz dentro da baliza, amaldiçoado por um qualquer bruxedo. E, depois, o inevitável baixar de nível.
Foi já numa fase de menos fulgor coletivo que apareceram os erros em cadeia, com todas as bolas mortas nos pés de jogadores do Boavista a reaparecerem para uma nova e inesperada vida. Ainda antes do intervalo, num lance aparentemente inofensivo, Matheus Reis deu espaço a Salvador Agra e, ao segundo poste, Bozenik viu-se sem qualquer marcação para fazer o primeiro golo desta temporada.
Nas bancadas, os lesionados Pote, Inácio, Nuno Santos, Morita e Bragança estavam acompanhados de Sebastian Coates. E todos eles, sem exceção, faziam falta dentro de campo.
Mas começou bem a 2.ª parte para o Sporting. Trincão marcou cedo, após bom lance de Maxi Araújo pela esquerda, a temporizar bem o passe para o coração da área, onde o avançado português, apagado na 1.ª parte, como tão apagado tem estado nesta nova fase do Sporting, encostou de primeira.
Mais uma vez, o leão não soube reagir ao golo marcado e novo empate do Boavista surge de novo lance que o Sporting tinha obrigação de controlar. Geny perdeu nas alturas na lateral direita, com a bola a seguir para Bruno Onyemaechi. O remate do nigeriano nem saiu forte, mas Israel deu a casa da noite. Mais uma vez, um pouco mais de agressividade de Debast e Quaresma não teriam feito mal ao Sporting.
Numa noite de picos, nem sempre felizes para a equipa da casa, o terceiro golo do Sporting, aos 66’, trouxe novamente um vislumbre do Sporting do início da época, com um grande passe progressivo de Quenda a lançar Gyökeres na lateral esquerda. E como tantas vezes resultou nos últimos meses, o sueco trabalhou bem para deixar um passe atrasado que Trincão transformou numa grande receção e melhor remate. Gyökeres não pode ser só um homem de área.
É quase tão incompreensível estes momentos ofensivos aparecerem agora tão fugazmente quanto a incapacidade do Sporting para controlar jogos, algo em que Ruben Amorim tinha atingido um qualquer estado de graça. Um Sporting que no início da época pouco permitia aos adversários tornou-se agora uma equipa em pânico, pouco competente sem bola, aparentemente sempre à beira de um ataque de nervos.
Os últimos minutos em Alvalade foram de gelo fino, como se aquela neve artificial lançada antes do início do jogo se tivesse transformado, de repente, em algo real. Menos nas veias dos jogadores leoninos, tantas vezes perdidos nos posicionamentos, deixando longas clareiras de verde para o Boavista avançar. A assobiadela com que os jogadores foram brindados no final diz muito sobre a intranquilidade do Sporting.
As vitórias ou as derrotas avaliarão o futuro de João Pereira, que ganha aqui um balão de oxigénio. Mas um diminuto balão de oxigênio. Porque é difícil reconhecer esta equipa e os adeptos, que já viveram o tempo da abundância, não estão dispostos a baixar o nível de vida.