
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O mundo do ténis enfrenta mais um escândalo, que começa a manchar gradualmente a sua imagem. Soube-se esta semana que Jannik Sinner chegou a acordo com a Agência Mundial Antidoping (WADA) para uma suspensão de três meses por doping.
Nos últimos tempos, dois dos nomes mais importantes do circuito mundial masculino e feminino (Jannik Sinner e Iga Swiatek), foram suspensos preventivamente por doping.
A tenista polaca cumpriu a sua suspensão de 10 (!) dias cumpriu estando de férias, ou seja, nem impacto na sua época desportiva teve, e este tipo de decisões não abonam nada a favor da verdade desportiva nem do ténis.
Sim, as quantidades encontradas nesses dois controlos positivos de ambos os tenistas, foram ínfimas e não tiveram grande influência no seu rendimento desportivo. Contudo, há códigos de conduta e ética que deveriam ser transversais a qualquer jogador, independentemente do seu estatuto.
Não pode haver umas leis para uns e outras leis para outros. A revolta é cada vez mais patente e a tensão cada vez mais latente nos bastidores do circuito feminino e masculino do ténis, e é entendível que assim seja.
Por exemplo, a talentosíssima tenista romena Simona Halep, viu a sua carreira comprometida por ter sido envolvida num processo de doping, que a impediu de competir por quase dois anos e que comprometeu seriamente a sua carreira, cujo fim acaba de anunciar recentemente.
Halep nunca mais conseguiu ser a mesma jogadora nem recuperar as sensações e o jogo que fizeram dela vencedora de Roland Garros e de Wimbledon e uma das melhores tenistas do mundo.
Tal como Swiatek e Sinner, a romena não teve qualquer responsabilidade no caso,o resultado positivo foi fruto de uma medicação que lhe foi recomendada pela sua equipa técnica, encabeçada por um dos treinadores que goza de maior reputação no circuito: o francês Patrick Mouratoglou, antigo treinador de grandes jogadoras, nomeadamente da campeoníssima Serena Williams.
Sim, cada caso é um caso, mas é muito estranho e nada benéfico para o ténis, que haja esta disparidade de tratamento em situações muito semelhantes.
Começo por enaltecer a enorme qualidade tenística do atleta transalpino, assim como destaco o domínio avassalador que tem tido sobre os seus rivais nos últimos meses, nomeadamente em torneios jogados em piso rápido (quer indoor, quer outdoor).
Contudo, esta decisão da WADA tem tanto de surpreendente, quanto de absurda. Primeiro de tudo, não é aceitável que o infrator (Jannik Sinner) profira as seguintes declarações: “Sempre aceitei que sou o responsável da minha equipa e dei conta de que as regras restritas da WADA são uma proteção importante para o desporto que amo. Sobre esta base, aceitei a oferta de resolver estes procedimentos com um castigo de três meses”.
Ross Wenzel, advogado principal da WADA, deixou algumas considerações contundentes mas igualmente polémicas nos últimos dias, afirmando o seguinte: “Este caso está a um milhão de quilómetros de um caso de doping. O feedback científico que recebemos foi que isto não podia ser um caso de doping internacional, incluindo a micro-dosagem. Quando olhamos para estes casos, analisamos tecnicamente e operacionalmente e não o fazemos com medo do que o público, os políticos ou ninguém vai dizer”, afirmou.
O advogado sustentou a decisão tomada, referindo que “A WADA recebeu mensagens de quem considera que a sanção foi muito alta e que foi injusta para o atleta, e outros a dizer que não foi suficiente. Talvez queira dizer que, embora não seja popular com toda a gente, talvez seja uma indicação de que foi na dose certa”.
Por mais que acredite na inocência de Sinner, a forma como este processo foi gerida é um ultraje. As declarações do Sinner um ultraje são, e as da WADA ainda são mais inqualificáveis.
O Sinner decide afirmar que aceitou ficar suspenso? Quem transgride as regras (mesmo que não seja de forma voluntária), tem direito a negociar uma suspensão? Um processo que ia ser julgado em tribunal em Abril termina com uma suspensão acordada com o jogador dois meses antes? É no mínimo estranho, para não dizer bastante suspeito.
Há um dito popular que poderia ser aplicado em toda esta situação inusual. “Estão todos a tentar sacudir a água do capote”. Sinner deveria ter sido mais bem assessorado a nível comunicacional. Não pode afirmar de ânimo leve que aceitou negociar uma suspensão, quando foi o mesmo (que apesar de não ter sido voluntariamente), infringiu as regras e acusou positivo num controlo anti-doping.
A WADA devia ter sido mais prudente, porque a forma como todo o processo foi gerida, descredibiliza grandemente a idoneidade da instituição, e estas declarações só servem para aumentar a tensão e a desconfiança dentro do circuito, não sendo nada pacíficas e usando este tom desafiante, totalmente inadequado para o contexto atual.
Não há consistência nas decisões tomadas, e neste momento a generalidade dos tenistas já não acredita na WADA e em todo o sistema.
E não nos enganemos, pode parecer paradoxal o que vou dizer em seguida, mas o grande beneficiado desta suspensão é o próprio Jannik Sinner.
Senão vejamos. A sua suspensão começou oficialmente dia 4 de Fevereiro (embora tenha sido anunciada incompreensivelmente uma semana depois), Sinner soma atualmente 11.830 pontos, já tendo perdido os pontos (500) referentes ao título ganho no torneio de Roterdão na época transacta.
A sua suspensão termina em meados de Maio (poucos dias antes do início do Masters 1000 de Roma). É verdade que o italiano irá perder os 1.000 pontos de Miami, 400 de Monte-Carlo e 200 de Madrid, num total de 1.600 pontos que vão ser deduzidos. Sinner chegou às meias-finais de Indian Wells, mas estes foram-lhe retirados por ter-se sabido mais tarde que tinha acusado positivo num controlo anti-doping e falhado os outros dois anteriormente.
O tenista italiano regressa assim à competição para o Masters de Roma (bastante curioso que assim seja, pois disputa-se no seu país) com uma diferença de quase 1700 pontos para o segundo do ranking Alexander Zverev e mais de 2000 pontos sobre Carlos Alcaraz, o terceiro do ranking mundial de ténis.
Além disso, parte dos torneios que não irá disputar, teve resultados bastante modestos na época passada, como são o caso de Montecarlo e Madrid, que são jogados num piso no qual o tenista italiano não é nem de perto nem de longe um especialista: terra batida.
Prova disso é que dos 19 títulos conquistados, apenas um foi em terra batida e num torneio de menor dimensão, como o ATP 250 de Umag, na Croácia.
Não irá deixar de disputar nenhum torneio do Grand Slam, pois voltará a competir antes de Roland Garros.
Não será em três meses que irá perder consideravelmente a sua forma, e inclusive chegará mais fresco fisicamente do que os seus adversários, pois estes continuarão a ter que submeter o seu corpo a um calendário competitivo cada vez mais exigente, e tudo aquilo que isso comporta.
Convém ainda dizer que inicialmente falava-se numa suspensão de um a dois anos, o próprio tenista italiano (apesar de ter sempre reiterado a sua inocência), estava consciente de que o seu castigo poderia ser exemplar e ficar um ano fora das pistas. Chegou a afirmar isso numa conferência de imprensa durante o Open da Austrália, que acabou por conquistar com todo o mérito.
De uma suspensão de um a dois anos para uma suspensão acordada de um período de três meses, vai uma distância considerável e é normal que isto venha abalar o mundo do ténis. Muitas têm sido as vozes discordantes desta decisão inexplicável e pouco fundamentada da WADA.
Uma das vozes mais críticas desde que se soube pela primeira vez que Sinner tinha tido um controlo positivo num teste anti-doping, tem sido a do tenista australiano Nick Kyrgios.
Falamos de um dos tenistas mais polémicos e controversos do circuito, contudo terá legitimidade para dar a sua opinião, pois nunca viu o seu nome envolvido num escândalo desta magnitude.
“Obviamente, a equipa de Sinner fez tudo o que estava ao seu alcance para avançar e aceitar uma suspensão de três meses. (…) Culpado ou não? Dia triste para o ténis. Não existe justiça no ténis.” E Kyrgios ainda ainda reforçou a sua opinião dizendo o seguinte: “Conheço muitos jogadores que estão a sentir o mesmo neste momento, por isso estamos a planear realizar eventos ao vivo na próxima semana para podermos falar sobre isso.”
Pouco tempo depois, surgiram várias opiniões semelhantes às do tenista australiano. Wawrinka, Medvedev, Zverez, Alcaraz. E mais recentemente e a mais relevante de todas, essas opiniões vieram do atual representante dos tenistas e por muitos considerados o melhor tenista de todos os tempos: o sérvio Novak Djokovic.
Obviamente que nestes casos tão polémicos, existirão sempre opiniões discordantes e contrastantes da maioria, como são o caso do norueguês Casper Ruud, do seu compatriota Matteo Berretini ou do ex-tenista espanhol Feliciano López, que inclusive disse que a duração da suspensão não faria do ténis um desporto mais limpo.
São todas elas opiniões plausíveis e válidas, mas eu sou mais partidário daqueles que consideram ter havido falta de transparência em todo este processo, e que é urgente que se tomem medidas.
As últimas declarações de Djokovic foram bem fortes e impiedosas. Djokovic sabe que a sua voz tem um peso gigante no balneário e que por alguma razão foi escolhido para ser o porta-voz dos tenistas, e fez jus a esse estatuto.
Na antevisão da sua estreia no torneio de Doha, Djokovic afirmou o seguinte: “Falei com vários tenistas no balneário, não só nestes dias mas também nos últimos meses. A maioria deles estão descontentes com a forma como se desenrolou todo o processo, não acreditam que seja justo. Muitos acham que houve favoritismo.”
E não se ficou por aqui. Djokovic continuou uma conferência de imprensa, cheia de declarações bombásticas, como estas: “Quase que parece que podes influenciar o resultado se és um jogador de topo e se tens acesso aos melhores advogados. Sinner e Swiatek são inocentes, demonstrou-se. Sinner terá uma suspensão de três meses por alguns erros e negligências de alguns membros da sua equipa, que estão a trabalhar no circuito. Isto também é algo que a mim, pessoalmente, e a muitos outros jogadores nos parece estranho.”
“Vimos os casos da Simona Halep e Tara Moore e de outras jogadoras menos conhecidas que lutaram durante anos para resolver os seus casos ou que foram suspensas durante muito tempo. É incoerente e parece muito injusto e tudo o que tenho a dizer a respeito. Veremos o que acontece num futuro próximo, se o caso vai trazer mais atenção e pode dar luz a outros casos de jogadores menos cotados. Há que ter em conta que Sinner e Swiatek eram número um do mundo naquele momento.”
Neste artigo, decidi incidir sobre as declarações do tenista sérvio, precisamente por sentir que espelha a generalidade do sentimento dos tenistas do circuito mundial. Que houve um claro favorecimento ao Sinner, é totalmente evidente.
Que não está em causa a sua inocência e inegável talento, também. Mas esperam-se mudanças drásticas na maneira como estes processos são tratados. Que todos eles sejam tratados de forma equitativa e que sejam geridos e comunicados de uma forma mais transparente.
Se assim não for, continuarão a pagar o justo pelos pecadores (curiosamente a palavra inglesa sinner traduzida para português significa pecador), independentemente do grau de responsabilidade dos mesmos, como foi provado que foi o caso em todo este processo de doping do tenista italiano.
“Não acredito mais num desporto limpo”, foi esta a reação cortante do tenista suíço Stanislas Wawrinka à suspensão de Jannik Sinner. E a verdade é que se sucedem os casos de doping no ténis (já não bastava o escândalo das apostas desportivas), e a credibilidade do desporto fica seriamente em causa.
Termino com mais uma reflexão (com a qual estou totalmente de acordo) da tal conferência de imprensa anteriormente mencionada de Djokovic: “Creio que já é hora de fazer algo e abordar o sistema porque está claro que assim a estrutura não funciona.“
O ténis necessita de voltar a ser um desporto limpo e transparente.