É cliché batido e repisado no futebol, um dos seus lugares-comuns prediletos: o que é verdade hoje, amanhã pode ser mentira. Ou alguma variante que desague no mesmo significado. Nem há duas semanas, Renato Paiva recebia, do efusivo John Textor, um beijo em cada bochecha em pleno relvado, visado pela euforia do dono do Botafogo que exultava com a vitória da equipa, no Mundial de Clubes, contra o Paris Saint-Germain. Embalado por um subtexto nada inocente - o americano ainda era, por esses dias, acionista maioritário do Lyon, de França, onde já muitas turras públicas trocou com Nasser Al-Khelaïfi, presidente dos parisienses -, parecia perdido de amores pela façanha do treinador português.

Os resultados, como habitual, mudam tudo. Este domingo, dia seguinte à derrota do ‘Fogão’ nos quartos de final da prova, contra o seu bem-conhecido Palmeiras treinado por Abel Ferreira, o dono do clube tomou uma posição. Já mais livre de outras arrelias após ter abdicado da sua posição acionista no Lyon (despromovido à segunda divisão gaulesa devido a dívidas), John Textor apareceu no ultimo almoço da equipa nos EUA, escreve a “Globo Esporte”, para discursar perante todos e vincar o seu desgosto face ao estilo de jogo, supostamente, pouco ofensivo do Botafogo.

Hora mais tarde, o clube anunciava o despedimento do treinador português, sem esquecer o motivo de alegria recente do proprietário do Botafogo: “O Clube agradece a Paiva e aos seus auxiliares pelos serviços prestados ao Glorioso nos últimos meses - com destaque para a vitória histórica contra o Paris Saint-Germain, na Copa do Mundo de Clubes, e a classificação para as oitavas de final da Libertadores e Copa do Brasil.” Foram 23 jogos de Renato Paiva com a equipa do Rio de Janeiro, atual campeã brasileira e sul-americana, nos quais registou 12 vitórias, três empates e oito derrotas. A equipa está no 8.º lugar do Brasileirão.

Contratado em fevereiro, o ponto alto da vigência do português na equipa terá mesmo sido o 1-0 com o qual ganhou ao PSG, neste Mundial de Clubes, culpado provável de ter fervilhado as expectativas do dirigente e dos adeptos do Botafogo. Após a partida seguinte, uma derrota, por 1-0, contra o Atlético de Madrid, o treinador sentiu a exigência do contexto brasileiro e reagiu de forma professoral ao que sugeriu ser uma cobrança desajustada da realidade.

Na conferência de imprensa após o encontro, Renato Paiva recorreu às metáforas. “É normal o mundo do futebol ter desconfiança porque não olham para a liga brasileira. Hoje em dia, com internet e tudo, há dois tipos de futebol: o da vida real e o Walt Disney. Na vida real, nem sempre podemos jogar da mesma forma porque não é permitido, seja porque o adversário é bom ou cria dificuldades. No Walt Disney, temos que jogar com todos no ataque e amassar o PSG e o Atlético de Madrid”, defendeu o técnico, ao complementar a alegoria com um encontro de que teve com um adepto do Botafogo: “Disse-me que poderíamos ter vencido o Atlético caso fossemos mais ofensivos. Perguntei quantas vezes ele viu o Atlético este ano e ele disse: ‘Nenhuma.’ Está respondido.”

Perder, mais tarde, contra um adversário caseiro e com o qual compete pelo título brasileiro, ou seja, bem presente na consciência de qualquer adepto do Botafogo, além da do seu presidente, deu o golpe final no trabalho de Renato Paiva.