A melena encaracolada enrarecia-lhe a figura, o ligeiro abanico das pernas quando todos os jogadores estão alinhados ao som do hino da Champions também. Tinha aberto o casaco que os futebolistas do AS Monaco vestiram na formatura, era o único com o fecho corrido. Com cara despreocupada, com ar indiferente face à ocasião, mesmo longe da bola Maghnes Akliouche destoava logo.

O calafrio primeiro, ligeira arrelia, é verdade que foi do Benfica. Num livre cruzado por Kökçü para a área de uns monegascos sonolentos, Pavlidis surgiu sozinho a desviar a bola que a cabeça de Leandro Barreiro rematou às mãos do guarda-redes. Outro facto dos encarnados foi terem sido os primeiros a marcar: aproveitaram a confiança de que goza o avançado que aguentou seis meses na estima, fronteiriça de escárnio, do ‘joga bem, mas não marca’, após Barreiro ir pressionar Wilfried Singo, o central com número 17 que se atrapalhou, perdeu a bola para Pavlidis e congelou perante a soltura de gestos do grego dentro da área, que trabalhou o adversário até tirar o cruzamento que deu a Kerem Aktürkoglu, o 17 do Benfica, um golo 17 jogos depois. Aos 22 minutos, engordava a vantagem na eliminatória.

Mas este jogo partido e sem um fio constante, durante largo período subjugado pelos repelões de duas equipas a contra-atacarem-se com pressa, nunca teve um Benfica tranquilo, muito menos controlador. A equipa sentiu o assomo do AS Monaco por motivos vários, a base da culpa a vir do ponto de partida do adversário, em 3-5-2, que sem bola a prendia os centrais de fora em Aktürkoglu e Schjelderup, engolindo-lhes o espaço, aniquilando as fontes de desequilíbrio individual, e com ela a carregava as costas de Barreiro no meio-campo desguarnecido.

Nenhuma das razões tão incisiva ou honrada de semelhante preponderância como a que Maghnes Akliouche exerceu, durante muito tempo, na Luz.

Foram os caracóis à solta do jogador delgado de musculatura que encheram o relvado da Luz. À boleia de um corpo magro e consonante com a fina técnica do seu pé esquerdo, quase todas as bolas de perigo dos monegascos tiveram o perfume do francês com fragrâncias argelinas. Ele recolhia a posse e embalava em corrida, indo e correndo e aguardando pelo momento certo para soltar em Embolo, o avançado seu contraste - fartos músculos para farto desajeito - desperdiçar duas chances na cara de Trubin. Ele fingia e rodopiava para simular e fintar de seguida, esquivando-se de pernas, no descaramento de quem mostra a bola a quem a quer roubar, por um nanosegundo dócil, aparentemente à mercê, para no ápice em que o ladrão faz a sua investida surgir o seu ato final de escaparate, suave e preciso.

Fosse um espetáculo de magia, o aliciante em Akliouche era o esconderijo a que submetia a bola até aos seus últimos gestos. O prestige, assim se chama o ato derradeiros de um truque. Outro talento selvagem com genes nas ruas do Magrebe, ele massacrava o centro do campo com receções orientadas que desnorteavam a organização do Benfica, deixada aos papéis.

E no banco, aproveitando cada paragem, Bruno Lage agarrado ao seu quadro tático, chamando este e aquele e aqueloutro para indicar coisas no tabuleiro. Logo na jogada seguinte a Diatta, o ala direito monegasco, ter à vontade para cruzar e a cabeça de Embolo trazer o poste da baliza à ação, um dominó de erros, alguns deles infantis, precipitou o encontro em definitivo para o lado dos visitantes: Carreras deu um lançamento lateral para o meio, onde Kökçü, rodeado por adversários, livrou-se da bola de primeira, o AS Monaco recuperou-a e lançou logo para a área, onde Otamendi se deixou usar como encosto por Embolo e o sorrateiro Minamino, aparecido de rompante, rematar a sobra. A bola entrou (33’) entre o poste e a perna encolhida de Trubin, lento a reagir.

Com outra parafrenália no balneário, um quadro tático mais generoso em tamanho e as atenções dos jogadores focadas nele, Bruno Lage não logrou acertos. Ou, pelo menos, não deram frutos.

RODRIGO ANTUNES

Regressou a equipa ao campo para Lamine Camara, o mais recuado dos médios adversários, continuar a jogar à vontade na bola. O Benfica perdia rápido a posse, não vendia caros os seus passes, parecia incapaz de não decidir com pressa. Sem volume de jogo, Aktürkoglu era irrelevante. Schjelderup incapaz era de rebentar a bolha da inferioridade e dar um golpe de asa norueguês no marasmo. Aursnes ou Kökçü perseguiram sombras, preocupados em ajudar Barreiro a lidar com os criativos em barda - não bastava andar Akliouche a fazer-se de dono da bola, havia ainda Ben Seghir.

Marroquino de carinho parecido com a bola, mais de pequeno toque em pequeno toque juntou-se ao francês no centro do campo para combinarem, dois pólos de talento que sozinhos tinham voltagem para eletrificar uma equipa. Já tinha ameaçado com um remate em arco, ousado e confiante, quando outra jogada malandrina de Akliouche pela direita, atraente de todas as atenções para ele, acabou com ele a cruzar rasteiro, um simulação abrir as pernas e Seghir marcar (51’). O AS Monaco punha-se a ganhar na partida, a eliminatória ficava empatada.

No campo o Benfica mirrava, órfão de salvação, encolhido na incapacidade do plano que trouxera ao jogo. Era precisa uma reação, tentar o diferente. Do banco, Lage quis remediar o extremo desconforto sentido pela equipa tirando os extremos titulares por Sven Dahl, lateral esquerdino para ajudar Carreras, e Zeki Amdouni, destinado a ir orbitar em torno de Pavlidis numa reformulação da equipa em 4-4-2. Aursnes foi puxado à direita, à vigilância de Ben Seghir. Sem acalmia, essa permaneceria em parte incerta, ao menos os encarnados adquiriram algum encaixe de peças.

Com o sueco a auxiliar, Carreras pôde atentar a Akliouche, se complicado era pará-lo o espanhol pôde tentar condicioná-lo, chateá-lo no mínimo. Os caracóis do irrequieto de 22 anos amainaram, o seu olho azul fitou mais o jogo dali em diante em vez de centrar-se tanto na bola em seus pés. Amdouni armou uma bujarda de longe que Makecki socou, o exemplo foi seguido por Kökçü, que já conseguia ir morder as receções de Camara. Os encarnados não estabilizaram, mas melhoraram, prolongando as jogadas na metade do AS Monaco. Despidos os talentosos da bola, jogando mais perto da área adversária, os defesas contrários eram trazidos à baila.

Numa atabalhoada série de ressaltos e trambolhos na área, Thilo Kehrer, capitão de uma equipa suscetível a despistes atrás, ceifou uma perna de Aursnes na relva. Foi penálti, Vangelis cantou a sua lua de mel de confiança à bola e a Luz virou efusiva. O golo de Pavlidis (76’) atafulhou o estádio de berros de alívio, não era em festa, mas um suspiro festivo, naquele empate havia o que bastasse para o Benfica sobreviver à eliminatória.

Esta equipa, contudo, não é estavel, porventura o será mais lá ao fundo, por enquanto ainda não sabe cerrar punhos com colarinho no meio e agarrar-se ao controlo dos jogos. Foi assim em Ponta Delgada, dias antes, incapaz de dominar um Santa Clara com menos um jogador; seria a mesma lição sob estas luzes mais fortes, de Liga dos Campeões, onde nervos são cogitados por outros desafios. Num lance em que pressionou o AS Monaco e o obrigou a jogar longo, outra sucessão de debilidades apareceu: António Silva perdeu a disputa aérea e, na sobra, Otamendi não teve corpo para George Ilenikhena, avançado que o deitou à relva e correu direto à baliza, uma locomotiva cheia de energia para o seu galope e pouca para o seu remate não ir à figura de Trubin. Mas, quando a bola lhe chegou, o guarda-redes deixou a bola ir-lhe debaixo do corpo que tombava (81’), comprometendo novamente.

Duas equipas combalidas, com as suas melhores unidades desavindas com a frescura, tinham, outra vez, o prolongamento no horizonte. Akliouche já era só ocasionais fogachos, Ben Seghir andava escondido. Amdouni levantara-se da cama trapalhão e Kökçü, muito procurado pela equipa, reservava-se a orquestar passes mais atrás. Arreliada por tantos erros na sua área, perto da outra o foco de criatividade vinha de Pavlidis, conhecido por ninguém por ter esse dote nas suas ações, mas do grego surtiam as ideias com maior proveito.

E de uma insistência dele, aos repelões, surgiu a bola na área que Amdouni repescou, atrasou para Carreras e espanhol, um foco de tranquilidade no furação do jogo, esperou pelo raro movimento de Kökçü a atacar a baliza, malandro a cortar nas costas dos centrais. A bola cruzada exigiu-lhe apenas um singelo toque, mero desvio em suspensão com o exterior da chuteira direita que fixou o 3-3, aos 84 minutos. Divertido de assistir, sofrível por certo de viver lá dentro, o jogo eletrocutava os ânimos nas bancadas, ora enervadas e cheias de assobios, depois com braços descontrolados no ar a rejubilarem. Os nervos dão para os dois lados.

O Benfica aguentaria o seu, no seu reduto, sofrendo com um lance de Ben Seghir enquanto o treinador Adi Hütter, ávido de orientar equipas assim, algo kamikaze, meio que a rir, mandava o guarda-redes subir à área.

Ouvido o apito último, confirmada a ida do Benfica aos oitavos de final da Champions (o sorteio será entre o Liverpool e o Barcelona), Maghnes Akliouche murchara, cedente ao cansaço. Haverá tempo para o francês ganhar energia e costumes nesta Liga dos Campeões, onde ele - acabou sentado na relva, cotovelos nos joelhos, cabeça caída entre os ombros - e o AS Monaco pereceram em outra noite tresloucada dos encarnados. Parecia que fora ainda há bocado que a Luz vivera o 4-5 com o Barcelona, pouco distante no tempo do 4-0 ao Atlético de Madrid, mas longe geograficamente do Principado no Mónaco onde em novembro virou uma partida, nas últimas, para 2-3.

De todos estes jogos, todos eles loucos, só a vitória limpa de golos sofridos se compaginou com uma exibição de alto quilate. O Benfica é pródigo sobe-e-desce, se sofre arranja forma de ir buscar uma reação, mas parece incapaz de ter continuidade num jogo de futebol. Ser superior. Ou se tal for inalcançável, ser estável. Este Benfica com Bruno Lage joga a tentar a loucura, por isso, ela vai prestando as suas ocasionais visitas.