*O zerozero em Frankfurt, na Alemanha

É o «virar de página» no Campeonato da Europa, com os jogos dos oitavos de final a marcarem o arranque do famoso «mata-mata». Para trás fica a fase de grupos e, no caso de Portugal, o adeus às cidades de Leipzig, Dortmund e Gelsenkirchen.

O novo destino chama-se Frankfurt, onde a seleção das «Quinas» vai defrontar a Eslovénia, e o zerozero - que continua presente na Alemanha – socorre-se de um guia muito especial para descobrir os encantos da cidade do rio Meno: Gonçalo Paciência.

Com três temporadas no currículo ao serviço do Eintracht Frankfurt, clube pelo qual ganhou uma Liga Europa, o avançado português é um confesso admirador da capital financeira da Alemanha.

Por isso, na conversa com o zerozero, Gonçalo Paciência puxa do mapa e traça o roteiro para os adeptos portugueses que vão acompanhar a seleção nacional em Frankfurt.

Por entre declarações de «amor» e memórias felizes, aquele que ainda hoje é idolatrado pelos adeptos do Eintracht sugere locais e dá dicas gastronómicas para quem estiver na cidade.

zerozero – O que é que um adepto vai sentir e encontrar em Frankfurt?

Gonçalo Paciência - É uma cidade muito diferente daquilo que o resto da Alemanha tem em termos arquitetónicos. De um lado há a cidade antiga, muito massacrada pela guerra; do outro a cidade nova, com edifícios mais altos. Quando se chega ao aeroporto vê-se logo o imponente Waldstadion, à direita, durante a aterragem e toda a paisagem da cidade, com os arranha-céus misturados com os edifícios mais antigos e muito típicos na Alemanha – casas baixinhas, cheias de cor. E é assim que começa a cidade. A entrada na cidade dá-se pela zona do estádio, depois passa-se para a zona perto do rio Meno, que é onde acontece a maior parte da vida social. É uma cidade que tem o melhor de dois mundos. Vive-se muito o trabalho, o quotidiano, mas também oferece a quem gosta de desfrutar um bocadinho, para quem gosta de sair do trabalho e ter alguma vida. Eu sou um apaixonado pela cidade e, por isso, suspeito para falar. Vivi três, quatro anos fantásticos e recordo Frankfurt com muita saudade. É uma cidade que vive o futebol e que está preparada para receber pessoas de fora, muito aberta, internacional.

zz - Há uma questão curiosa em relação a Frankfurt. Apesar de ser uma das cidades com o nível de vida mais alto na Alemanha, foi onde encontrámos os hotéis mais baratos. Acaba por ser uma contradição.

GP - Dortmund, Leipzig e Gelsenkirchen não são bem viradas para o turismo. Não é que Frankfurt seja turisticamente incrível - eu costumo dizer que é bonita de se viver e de se sentir -, mas num dia conhece-se a cidade. Agora, o dia-a-dia é diferenciado. É uma cidade preparada para receber, até pelo aeroporto, que é dos maiores da Europa.

zz – Acaba por ser um bom sítio de passagem, portanto.

qSou um apaixonado pela cidade (...) Vivi três, quatro anos fantásticos e recordo Frankfurt com muita saudade
Gonçalo Paciência

GP – Sim, costuma-se dizer isso de Frankfurt. Nos anos em que eu estive lá cheguei a apanhar muita gente conhecida que ia passando por lá em escala e que eu acabava por receber um ou dois dias para jantar ou passar o dia. Isso explica a questão do aeroporto como ponto de passagem para outras cidades.

zz - O português «comum» pode ter uma ideia enviesada dos alemães, porque foram sempre retratados como sendo um povo mais frio, mais distante e até antipático. Mas é uma ideia errada?

GP - Historicamente temos essa ideia dos alemães. Por tudo aquilo que nos chega, mesmo a questão do passado, com o típico alemão, mais frio. Penso que todos temos um pouco essa ideia. Mas na história recente, a Alemanha foi um dos países que mais abriu portas a novos países e isso faz com que exista muita diversidade. Creio que essa ideia agora está desconstruída. E eu, mais uma vez sou suspeito, adoro os alemães; adoro toda a mística que eles têm, muito focados no trabalho, mas também divertidos e que gostam de uma boa vida. São pessoas que gostam de sentir que o país deles é adorado pelos outros e gostam de sentir que as pessoas que chegam queiram ficar. É um país muito organizado, que tem muita segurança e que permite uma certa qualidade de vida. Eu já passei por vários países e a Alemanha é aquele que eu mais gosto, precisamente por essa ideia. Fui muito bem recebido. Noutros lados não tive essa sorte, mas a Alemanha tem essa personalidade e isso mudou a minha ideia. São pessoas abertas, alegres... adoram festa. Eles adoram uma boa cerveja, é muito normal a vibe de beber um copo depois do trabalho.

zz – Essa sensação que o Gonçalo tem, de ser o povo que mais gostou, tem mais a ver com Frankfurt ou com Bochum?

qSão pessoas abertas, alegres... adoram festa. Eles adoram uma boa cerveja!
Gonçalo Paciência

GP - Eu vivia em Düsseldorf, não cheguei a viver em Bochum. São cidades diferentes, Frankfurt tem mais gente internacional; quando estava lá tinha amigos de diferentes nacionalidades. Mas Bochum tem mais alemães. Mas Düsseldorf era o mesmo sentimento de Frankfurt, também muito internacional.

Da cidade velha ao Waldstadion

zz – Para um português que vai a Frankfurt pela primeira vez, qual é o conselho que o Gonçalo dá?

GP - É tentar ir para o centro da cidade, para a cidade velha. É uma zona bonita. Tudo é muito perto do rio em Frankfurt e há aqueles bairrinhos típicos como Sachsenhausen, Westend, vários bairrinhos muito perto uns dos outros e em que se pode passear entre a cidade velha e a cidade nova; é um passeio bonito. Não digo que é como passear na praia nas Maldivas, mas é bonito e é bom para comer um gelado, há ali vários restaurantes – a zona de Sachsenhausen tem muitos pubs, muitos cafezinhos e restaurantes mais alemães para comer a típica salsicha, o Schnitzel. É tudo muito perto, pode fazer-se a pé. Se estiver bom tempo, aconselho uma caminhada pelo rio; tem uma grande zona pedonal. Acho que vão ficar agradados, até porque ninguém vai ficar mais do que três ou quatro dias. E depois chegar ao Waldstadion, com a floresta ao rodeá-lo. É uma caminhada bonita, logo pela manhã, para respirar aquele ar puro. Sabe bem. Nós fazíamos muito. O estádio chama-se Waldstadion precisamente pela floresta.

@Getty /

zz – Falemos agora da seleção. A derrota com a Geórgia é motivo para preocupação?

GP - Portugal mudou muitos jogadores e, como costumamos dizer no futebol, isso nunca dá bom resultado. Apesar de todos os jogadores terem uma qualidade tremenda, mas de um lado estava uma seleção já apurada, que felizmente fez o seu trabalho antes, e do outro uma equipa da Geórgia super motivada que tinha a oportunidade de fazer história. Já estavam no Euro e depois passar aos oitavos de final. Era o jogo da vida deles; para Portugal foi – como uma capa de jornal que vi hoje – «o importante foi que ninguém se aleijou» e estarem todos fresquinhos para o próximo jogo. Mas não é para preocupar, porque estes jogadores sabem perfeitamente lidar com estes altos e baixos, e mais ainda num Europeu que é um torneio de gestão e de emoções muito fortes. É importante ter este descanso de ontem e encarar o próximo jogo com outro tipo de alerta.

zz – O Gonçalo é internacional, sabe como é estar no seio do grupo. Uma derrota destas, acredito, que não abale. Será mesmo assim?

qÉ tentar ir para o centro da cidade, para a cidade velha. É uma zona bonita
Gonçalo Paciência

GP - Não abala, porque são jogadores habituados a jogar em grandes Ligas e a ter esta pressão de ganhar um jogo, perder outro e no jogo a seguir ter de dar uma grande resposta e acho que isso está entranhado neles. Jogam Champions à quarta e ao domingo Premier League ou a Liga espanhola. Claro que ao representar a seleção a responsabilidade é maior porque se está a representar o país, mas são jogadores mais do que preparados. Talvez tenha sido até bom para alertar um pouco mais as tropas. Mas temos visto no dia a dia que o ambiente é bom. Conhecem-se há muitos anos, nas seleções jovens, e cada um sabe lidar com o feitio de cada um.

zz – Sabendo o que sabemos agora, valia mais ter poupado Cristiano Ronaldo?

GP - O Cristiano, toda a gente conhece a mentalidade dele. Não quer sair da equipa, quer estar lá dentro para estar mais perto de fazer golo. O Cristiano tem os seus objetivos, as suas metas e é óbvio que quer sempre estar lá dentro. Falarmos do Cristiano sendo poupados, são poucas as vezes em que aconteceu na carreira dele. Não ia ser agora.

zz – Por fim, a Eslovénia. Não sei que conhecimento tem da seleção eslovena, mas há Sesko e Oblak. No plano teórico, é uma seleção ao alcance de Portugal?

GP - Se não estou em erro, Portugal até perdeu com eles num amigável. Acho que isso é importante, ter uma seleção que já se conhece para saber como entrar no jogo. Estamos a ver as seleções que não seriam favoritas são muito fortes. Todos estes países têm uma base já feita na formação que permite chegar a um Euro e competir. Falamos da Eslovénia, da ALbânia e da Geórgia e já são vistos de forma diferente. A Eslovénia é perigosa, tem vários jogadores em grandes equipas, e há que ter atenção. Mais do que ninguém, Portugal, que já foi uma seleção menos favorita noutras alturas, sabe bem o que é vir de baixo. Esse sentimento tem de estar bem presente na seleção.