
O terceiro dos quatro filhos da família Pogacar, Tadej Pogacar nasceu em 1998, já a Eslovénia tinha sete anos depois da separação da Jugoslávia, numa pequena localidade dos arredores da capital Ljubliana.
Komenda ganhava um novo habitante para juntar aos seis mil da pequena vila, com a típica igreja e um rio, o Sava, por perto. «Era uma cidade pequena», contou divertido numa entrevista, Agora, o fenómeno do ciclismo mundial, vive no Mónaco, com a namorada, a eslovena Urska Zigart , também ela ciclista profissional. «Quero dizer, uma vila, ou um município com uns 5.000, 6.000 habitantes. Era bem tranquilo. Saíamos com os amigos, praticávamos várias modalidades, não foi uma má infância», recordou o vencedor do Tour.
Um dia houve um espetáculo de rua em Komenda, com um artista a mostrar habilidades num monociclo. Nunca mais os dias foram iguais conta a mãe, Marjeta. «Os nossos filhos estavam tão interessados naquela habilidade que tivemos de comprar um», contou a professora de francês. A rivalidade entre irmãos rapidamente exigiu outro veículo com apenas uma roda e, pouco depois, Tadej, de 10 anos, e seu irmão mais velho, Tilen, dominavam a arte de andar numa só roda e podiam entrar para o circo.
Os pais de Pogacar pertencem à classe trabalhadora. A mãe professora e o pai, Mirko, trabalhava numa fábrica de cadeiras de escritório, mas o seu sonho era ser poeta e escrever. «Esse era o sonho dele», contou um dia Pogacar.
Os amigos descrevem Pogacar como alguém com os pés assentes na terra e humilde, que não deixou o sucesso subir-lhe à cabeça. «Não sentimos que estamos ao lado do melhor ciclista do mundo, que tem milhões no bolso», diz Matic Bozic, um dos antigos amigos ciclistas de Pogi, que trabalha na Federação Eslovena de Ciclismo. «Enquanto ele se divertir e pedalar, ele será o melhor», garante.
A tranquilidade que revela em alguns momentos chega ser desconcertante. Na véspera daquele incrível contrarrelógio em La Planche des Belles Filles, em 2020, Pogacar estava sereno e ansioso apenas pelo fim da corrida. Dizem que passou a noite a brincar com os amigos a falar de comida… « Passei o dia inteiro comendo arroz!», disse a um ex-colega da Seleção Eslovena, adicionando uma foto de um chouriço. «Só quero um bocado de carne!»
Em 2021, a a mulher do diretor desportivo da UAE Emirates, Teja Hauptman, deu uma boleia a Pogacar para o aeroporto. antes do Tour de 2021. Ela contou que ele passou a viagem toda a jogar no telemóvel e que, a dada altura, ela lhe perguntou: «Não estás nervoso?». A resposta desconcertou-a: «É só mais um passeio de bicicleta.»
De facto, às vezes o esloveno faz parecer qualquer etapa um passeio, mas Iñigo San Millán, responsável pela sua preparação física diz que a pressão tem sobre Pogacar o efeito contrário. «Ele tem um desempenho muito bom sob pressão. Quando alguém está sob pressão, sente medo, certo? Tadej é o oposto. Ele transforma-se, torna-se um animal. E quando a corrida termina, ele desliga completamente. Se tudo correr bem, ótimo. Se não correr bem, é o que é», contou.
Bom, talvez exceto naquela etapa no Mont Ventoux em 2021, em que Vingegaard brilhou e que lhe colou aquela frase. «Já fui, estou morto».
«Eu desisti, mas depois pensei: 'Não há nada que eu possa fazer. Preciso encontrar o meu ritmo novamente, tentar voltar e chegar ao topo, e comecei a contar os minutos. Se a subida tem 10 quilómetros, quando passo dos 5 km, penso sempre ‘alta menos de metade, e faltam cada vez menos quilómetros para o topo.’»
Da paixão pelo futebol ao ciclismo
«Quando comecei, o mundo do ciclismo era totalmente diferente», contou Pogacar. «Era mais fácil. Nunca comprei uma bicicleta, nem sapatilhas de ciclismo, nem um capacete. Fui uma das últimas gerações que pôde ter esse privilégio».
A casa Pogacar sempre foi animada, cheia de jogos e atividades. «Cartas, jogos de tabuleiro, jogos de dados, iamos à fazenda dos pais de Mirko apanhar batatas…», enumerou a mãe Marjeta. Os hobbies de infância de Tadej e Tilen incluíam Pokémon, Lego e Beyblades, e só não queriam aprender francês.
«Eu sei a razão. Quando eles se portavam mal eu ralhava em francês e eles percebiam logo que tinham feito alguma asneira.»
Tilen começou a jogar futebol, Tadej também quis. «Mas quando Tilen viu que Tadej estava a jogar bem, foi para o basquetebol. O Tadej ainda ficou mas ainda bem que saiu porque o ambiente era horrível, com os outros pais, muito agressivo», contou a mãe.
A mudança para o ciclismo foi um momento decisivo para a família Pogacar, embora tenha trazido desafios financeiros. «Ficamos muito felizes que ambos começaram a pedalar, mas não foi barato», diz Marjeta. «Tivemos muita sorte porque o clube ofereceu as bicicletas, sapatos e capacetes, caso contrário, era muito caro, e não teríamos condições de pagar.»
Hoje nenhum destes problemas se coloca, já que Pogacar é pago a peso de ouro – cerca de 8 milhões – pela Emirates.
Foi o irmão Tilen, que se inscreveu no clube velocipédico de Ljubljana, o grande responsável por hoje o esloveno ser tetracampeão do Tour.«Quis imediatamente imitar o meu irmão, mas não tinham uma bicicleta tão pequena no clube», revela no seu site pessoal. Fazendo jus à perseverança imitou Tilen e, em pleno inverno, com apenas nove anos, começou a acompanhá-lo nos treinos, participando na sua primeira corrida logo em 2008, com bons resultados, para nunca mais parar.
Para o jovem Tadej, andar de bicicleta rapidamente se tornou uma paixão. «O ciclismo era a coisa mais importante do mundo para Tadej», lembra Marjeta. «Ele gastava todo o dinheiro que tinha em óculos escuros, meias ou rodas. Recebia 5 ou 10 euros por ganhar uma corrida quando tinha 12 anos e era só para o ciclismo», lembra.
A primeira experiência da família Pogacar com o Tour aconteceu por acaso durante umas férias em família em 2011, tão longe de imaginar que no carro levavam o futuro campeão da Volta a França. «Não tínhamos a intenção de ver a corrida, estávamos a tentar chegar a Lyon!», conta a mãe. Porém, quando atravessavam um túnel de Itália para França, foram obrigados a desviar-se e a parar para deixar passar o pelotão. «Assim que chegamos, a estrada foi bloqueada para a corrida, e tivemos a oportunidade de ver a etapa», explica Marjeta. «Foi o melhor dia das nossas férias.»