Não será uma glutona Irlanda, a Irlanda que se impôs em dois dos últimos três torneios das Seis Nações, aquela Irlanda com as melhores peças da sua engrenagem mastigadora de adversários que atazanou o juízo à Nova Zelândia nos ‘quartos’ do mais recente Mundial, perdendo por meros pontos. Culpa do alinhamento das circunstâncias, também do jogo calhar no meio de uma digressão que somente espreita a cada quatro anos e não diz respeito ao humilde Portugal em matérias ovais, em pleno desaproveitamento, mais um, de outro efeito eufórico extraído da participação no Campeonato do Mundo.

A Irlanda que este sábado (19h, RTP2) visita o Jamor virá despida de várias camadas: nenhum dos convocados para o jogo possui mais de 30 internacionalizações, nem algum deles é uma das principais caras habituais de uma das mais fortes seleções do planeta. Mas não deixa de ser a Irlanda, a poderosa Irlanda jogue com que nomes jogar por vir de onde o râguebi é tecido que une as pessoas, uma Irlanda que para fechar a aliteração é, de facto, a terceira classificada do ranking da World Rugby.

O test match, como no râguebi se denominam os jogos particulares de seleções, fechará um ciclo de mais ou menos um ano em que os ‘Lobos’ tiveram o raro privilégio de defrontarem equipas de topo. No verão de 2024 foram à África do Sul jogar no quintal dos bicampeões mundiais e, no outono, foram à Escócia: em ambos a seleção nacional marcou 21 pontos, foram um par de provas das valias atacantes portuguesas, impelidas pelo seu crónico jogo à mão, dinâmico e veloz. Porém, dos springboks sofreram 64 pontos e dos homens que cantam o seu hino nacional no embalo da gaita de foles encaixaram 59.

Contra os irlandeses, a equipa orquestrada por Simon Mannix terá mais uma oportunidade para aferir o seu nível, uma apalpação de um terreno desnivelado por natureza a meio caminho do próximo Mundial, em 2027. Sem quaisquer amostras de pulos dados no marasmo do amadorismo do râguebi português desde a edição de 2023, a seleção terá a benesse de contar com um dos seus expoentes criativos quando na posse da oval. Recuperado de uma arreliante lesão, Nuno Sousa Guedes será titular na posição 15 quase um ano e meio depois da última internacionalização. Esta será ainda mais especial por ser a 50.ª.

Nuno Sousa Guedes a chutar aos postes contra a Geórgia, no Mundial de 2023.
Nuno Sousa Guedes a chutar aos postes contra a Geórgia, no Mundial de 2023. Phil Walter

Com o portuense, um dos líderes da seleção, estará o capitão Tomás Appleton, a seta que é Manuel Cardoso Pinto pronta a ser fisgada numa ponta e Vincent Pinto na incomum função de segundo centro. Mas, para mal do poderio atacante de Portugal, devido a mazelas não estão disponíveis Raffaele Storti, nem Rodrigo Marta, ambos marcadores de ensaios no mais recente Mundial, em França. Outra ausência é a de Samuel Marques, regressado esta época à seleção, substituído por Hugo Camacho, o pequeno médio de formação que já provou ser um resguardo capaz de fazer fluir o jogo português.

O vale do Jamor e o Estádio Nacional vão acolher a primeira partida dos ‘Lobos’ feita a saída de dois franceses, Olivier Reig e Olivier Azam, da equipa técnica nacional, no mês passado. O preparador físico e o treinador de avançados foram trocados por homens da confiança do selecionador, o neozelandês Simon Mannix. Coincidentemente, aquando da mexida surgiu uma notícia, publicada em site francês, de que haveria um mal-estar na equipa, além de uma suposta intenção dos jogadores fazerem greve em protesto contra alegados prémios de jogo por pagar. “Não ameaçámos fazer greve nenhum”, esclareceu, em público, Tomás Appleton, secundado por Carlos Amado da Silva, presidente da Federação Portuguesa de Râguebi.

O ligeiro chinfrim, verdadeiro ou falso, agitou os ‘Lobos’ que vão fechar a época contra esta Irlanda montada sem os seus esteios mestres, levados com garantia de volta pelos British & Irish Lions. Ao todo, são 10 avançados e meia dúzia de jogadores das linhas atrasadas que estão do outro lado do mundo a representarem a seleção reunida, a cada quatro anos, para uma digressão que mostre o que de melhor têm as ilhas britânicas - até esteve em estágio de preparação no Algarve. Esquartejada a seleção, ficou sem James Low ou Hugo Keenan, igualmente sem a marreta humana que é Bundee Aki e seu habitual formação titular, Gibson-Park.

David Fitzgerald

A seleção do trevo verde até desprovida do seu selecionador está. Andy Farrell foi também requerido pelos Lions e, durante a sua ausência, é a lenda Paul O’Connell quem tem servido de treinador interino. “Será outra oportunidade para tentarmos jogar o nosso jogo. Portugal é outra impressionante equipa emergente que tenta jogar um estilo de râguebi entusiasmante e sabemos que vamos para outra batalha”, salientou o técnico, fresco de perder outro jogador, Jamie Osbourne, chamado de emergência para os Lions. Do lado português, não houve conferência de imprensa de Simon Mannix.

Os irlandeses vêm de uma vitória por 34-5 em Tbilisi, sobre a Geórgia, onde imperaram com este mesmo lado B da sua cassete. É uma Irlanda diferente, mas que não deixa de ser a Irlanda, contra a qual Portugal - que fará o derradeiro jogo da época, não do ano, pois terá mais três no outono embora não se saiba contra quem - regressará à fita métrica para perceber em que fasquia está o seu râguebi.