
Por cada vez que algum interveniente neste meio diz que o 2-0 é um resultado perigoso devia, de imediato, ser-lhe sonegado um golo. Quem o afirma só pode estar certo de que dormir sem almofada é uma garantia contra os pesadelos, caso contrário está a entrar em contradição com o modo como leva a vida noutras áreas. Rui Borges caiu nessa ratoeira de desvalorizar o resultado trazido de Alvalade. Até parece que não lhe custou a vantagem a conquistar e se esquece que, numa meia-final a duas mãos, os golos não são descartáveis.
Mas sosseguem-se os inquietos que as agências de viagem estão aí para proporcionar grandes experiências e, mesmo que o Sporting já estivesse nas nuvens, há sempre forma de ir para lá do céu. Gonçalo Inácio fez o percurso num avião de papel: podendo-se chamar jogo aéreo ao cabeceamento do central que, sem interromper o namoro dos pés com o chão, marcou aos 11 minutos, não é o meio mais adequado para percorrer grandes distâncias. Diga-se que não era preciso, porque os leões já estavam mesmo à beirinha do paraíso.
Melhor paisagem era difícil Pedro Gonçalves pedir para usufruir da primeira titularidade desde o jogo de despedida de Ruben Amorim, em novembro, contra o SC Braga. No dúctil futebol moderno não há posicionamentos que possam ser marcados com pioneses, mas colocar um ali no centro-esquerda do relvado do Estádio Capital do Móvel, casa emprestada do Rio Ave, representaria adequadamente o paradeiro do jogador que esteve toda a primeira parte a ser complemento à dupla Debast- Hjulmand. Se muito se tem falado da janela de transferências excecional para o Mundial de clubes, o Sporting parece ter encontrado um quarto momento no ano para obter reforços.
Gyökeres, o terrível, ia massajando as costas de João Tomé. Eram massagens daquelas para corrigir contraturas, dolorosas, com movimentos em ziguezague, laminosos, pungentes. Sabendo dos riscos, o Rio Ave selecionou alguns momentos para pressionar alto. De imediato, os jogadores de Petit foram avisados com ataques à profundidade que a situação assim só iria ficar mais pantanosa. A atenção de Cezary Miszta, a abreviar o ângulo morto da linha defensiva, ia resolvendo.
Os vilacondenses não chegavam às meias-finais da Taça de Portugal desde 2016 e estava visto que não iam repetir 2014 e 1984, quando atingiram a final. Pouco o Rio Ave conseguiu produzir. Uma receção habilidosa de Clayton entre a linha defensiva do Sporting levou à finalização de André Luiz, a mais atentatória para com Rui Silva. O lance foi anulado por fora de jogo, tal como um alegado golo de Tiago Morais, na segunda parte.
Muito moeu Gyökeres, mas teve que esperar que Geny Catamo ganhasse a linha de fundo pela esquerda – algo que não está na essência de Pedro Gonçalves – para que lhe caísse no colo, como sempre parece cair, mais uma oportunidade. Vingando-se de Miszta, guarda-redes que travou o avançado do Sporting logo a abrir o encontro, Gyökeres recolheu as sobras de mais uma boa intervenção do polaco e concretizou.
O Sporting parece ser uma equipa espanhola. Não por jogar de pé para pé com uma qualidade técnica soberba, mas por reservar sempre um tempo para uma sesta. A eliminatória estava definida e Rui Borges sabia-o. Assim não fosse e talvez Ricardo Esgaio não tivesse entrado para o meio-campo, onde deixou de estar Debast (cada vez mais protagonista na cobrança de bolas paradas), e Biel também continuaria arredado das oportunidades. No gap entre a premunição de um resultado favorável e a falta de competitividade, o Sporting manchou o desempenho.
Não é que os erros do Sporting tenham sido algo superior ao desleixo, ou seja, seriam facilmente resolvíveis com mais perspicácia. Porém, não bastou Ole Pohlmann rematar à barra. Tiago Morais teve como invadir igualmente o lado direito e em conjunto com Clayton arranjarem forma de André Luiz aparecer isolado. O Sporting só ressuscitou após o golo sofrido.
O Sporting regressa à final da Taça da Portugal e, indica a vantagem de cinco golos dos encarnados na eliminatória contra o Tirsense, prepara-se para defrontar o Benfica na decisão do título. Os rivais não se enfrentam no jogo decisivo desde 1996, resta saber o local do reencontro. Rui Borges diz não imaginar que o dérbi se realize noutro sítio que não o Jamor, mas a indecisão permanece. Seja como for, a trouxa pode começar a ser preparada, embora piqueniques tenham locais de realização prediletos.