"Tanque" é a primeira canção do álbum "O Monstro Precisa de Amigos", dos portuenses Ornatos Violeta. Na cidade do grupo de Manuel Cruz, um tanque humano, um carro de assalto disfarçado de futebolista, foi ao Bessa arrasar, destruir, brilhar.

Para responder à goleada do Benfica, o Sporting goleou, batendo o Boavista por 5-0. No duelo a dois pelo título, os rivais de Lisboa vão para as três últimas jornadas com os mesmos 75 pontos, com os leões, para já, em vantagem no confronto direto e no número de golos marcados, com mais três.

A noite foi, como de costume, o show de Viktor, a exibição da potência do tanque, autor de quatro golos. Mas, além disso, foi um certo exercício de nostalgia, cheio de semelhanças com aquele Sporting de Ruben Amorim que dominou o primeiro terço da I Liga. A goleada. Jogar com três centrais. Dois alas ofensivos. E o trio Gyökeres-Pote-Trincão, tão complementares, tão perigosos, a demorarem dois minutos a deixarem o canhoto isolado perante Vaclík, a primeira de muitas oportunidades de golo dos visitantes numa partida de sentido único.

Stuar Baxter, o viajante técnico que chegou da sua volta ao globo para tentar o milagre com o Boavista, prometera "autocarros" para tentar parar Gyökeres. O escocês já andou por África do Sul, Índia, Japão ou Finlândia, mas até alguém com tanto mundo, alguém que já viu tantos jogadores de tantos países, ficará espantado ao ver este sueco que, semanalmente, se dedica a destruir defesas.

Não parecem fintas, são mais derrubes. Não parecem remates, são mais pedradas. Não são acelerações com bola, são cavalgadas. A vida em loop, desmarcação, remate, golo. Muitos golos. Hat-trick contra o Moreirense, póquer face ao Boavista.

Mas, num Bessa que começou com um ambiente a fazer lembrar noites de Boavistão, o predador teve companhia. Cedo se viu que Pote seria a melhor companhia para Viktor, que tardou seis minutos para dar sequência a um lance que principiou no jogo interior do transmontano e prosseguiu na assistência de Maxi Araujo para o 1-0 do nórdico.

Até de bicicleta Gyökeres tentou marcar
Até de bicicleta Gyökeres tentou marcar MANUEL FERNANDO ARAUJO

O Bessa, com muita gente, podia ter toques de noites de Boavistão. Mas, no campo, os axadrezados estão longe dessas épocas, representantes de um clube cheio de problemas, que tenta o milagre da salvação depois de uma temporada cheia de trocas de técnico, com entradas e saídas de jogadores, com instabilidade como rotina.

O Boavista só somou seis pontos em casa esta temporada e vai para as três rondas finais a três pontos do AFS, que está em posição de play-off. No próximo encontro há um AFS-Boavista que é, mesmo, um dos desafios mais importantes da história recente das panteras, até porque ninguém sabe que consequências teria a descida para um clube com esta caótica situação financeira e institucional. A melhor chance dos locais em toda a noite foi aos 11', quando Reisinho fez a bola beijar a barra.

Por muito que Baxter se esforçasse para passar a mensagem na linha lateral, como se fosse um diplomata britânico veterano de muitas crises humanitárias, um embaixador da Commonwealth, era o Sporting que se superiorizava. Pote combinava com Trincão, que ia mantendo um apego ao bom futebol, mas alergia ao golo. O próprio Pedro Gonçalves, que multiplica a qualidade do jogo ofensivo dos campeões nacionais, que dá jogo interior, pausa e ligação ao futebol leonino, desperdiçou uma boa oportunidade para o 2-0.

Enquanto os parceiros de ataque, os amigos da dianteira principiada por Ruben Amorim e aproveitada por Rui Borges, se iam entretendo a criar, Gyökeres empenhava-se em marcar. O 2-0, em cima do intervalo, foi já um clássico Gyökeres.

É anormal que um golo tão difícil — a arrancada de meio-campo, o drible, a finalização — seja imagem de marca de alguém. O esperado era que fosse obra incomum, pintura de consagração, quadro excecional. Mas, com Viktor, é mesmo a rotina. Sprintou dezenas de metros, contornou Abascal e bateu Vaclík.

Gyökeres atira para o 2-0
Gyökeres atira para o 2-0 MANUEL FERNANDO ARAUJO

Pote, que não era titular no campeonato desde Braga (por falar em nostalgia do outro Sporting), ficou no balneário ao intervalo, ainda a tentar regressar à melhor forma. Mas isso não privou Viktor de outros amigos.

Aos 50', Trincão deu para o sueco, que fugiu e rematou para o hat-trick. São já 95 golos em 98 encontros pelo Sporting. É o segundo melhor marcador estrangeiro da história do clube, apenas atrás de Yazalde. Um tanque.

O mais impressionante da noite de Gyökeres é que, apesar dos quatro golos, o nórdico poderia ter feito ainda mais. Falhou várias vezes na cara do guardião, como quando, aos 57', Vaclík defendeu e, na recarga, Maxi fez o 4-0.

O encontro entrou, depois, na fase de procurar razões alternativas para ter emoção. Razão n.º1: o regresso de Morita mês e meio depois.

Razão n.º2: conseguiria Diomande ver um cartão amarelo? O costa-marfinense queria ver o quinto cartão, para falhar a receção ao Gil Vicente e estar apto para o clássico na Luz. O central tentou várias vezes, procurou realizar diversas faltas, mas tem de trabalhar na eficácia. Aos 88' lá conseguiu, para aplauso geral dos milhares de adeptos do Sporting.

Razão n.º3: marcaria Gyökeres outro golo? O tanque foi tentando, até que conseguiu. Novamente com ajuda de um amigo. O parceiro foi Harder, que, ao contrário do habitual, olhou para o jogo antes de olhar para a baliza. O jovem assistiu Viktor, que encostou para o 5-0, chegando aos 38 golos na I Liga. São mais golos do que o total de 11 equipas do campeonato. O sprint a dois na Segunda Circular, a invulgar disputa mano a mano entre Sporting e Benfica, prossegue.