
Em 2017, Amanda Anisimova tinha um plano B. Em vésperas de, com 15 anos, se estrear num quadro principal de um torneio do Grand Slam, em Roland-Garros, a norte-americana confessava ao “The New York Times” que se o ténis não corresse bem queria ser cirurgiã - o seu fascínio pela série “Anatomia de Grey” ajudava.
“O que quero fazer, na verdade, é ter aulas online e depois, quando acabar a minha carreira, entrar numa faculdade de medicina”, sublinhava, com a audácia de adolescente que se sente capaz de tudo, apontando que, antes disso, o objetivo era ser “número 1 do mundo e ganhar todos os torneios do Grand Slam”.
A medicina terá de esperar. Bem, talvez a medicina nunca venha a entrar na vida de Anisimova. Passaram-se oito anos e pela primeira vez a norte-americana está numa final de um torneio do Grand Slam, após bater a favoritíssima Aryna Sabalenka nas meias-finais de Wimbledon, em três aguerridos sets, numa luta de poderosas pancadas de fundo do court. O talento de Anisimova, que aos 15 anos já lhe valiam parangonas num dos maiores jornais do país onde nasceu há 23 anos, explode finalmente nos grandes palcos, num ano em que também ganhou o seu primeiro Masters, no Catar.
“Finalmente”, porque o quotidiano e o ténis não são uma estrada a direito com azul ao fundo, como numa planície alentejana, mas tantas vezes uma montanha cheia de curvas e contracurvas como na Volta a França.
Talvez se esperasse este feito antes, mas até chegar à final de sábado, onde enfrentará a polaca Iga Świątek, aconteceu a vida a Anisimova. Em 2019, com apenas 17 anos e em plena temporada de afirmação, com uma primeira vitória num torneio WTA e meias-finais em Roland-Garros, teve de lidar com o choque da morte do pai, Konstantin, vítima de ataque cardíaco fulminante. Desistiu do US Open para estar com a família, que em 1998 deixou Moscovo para se fixar nos Estados Unidos, com o objetivo de dar uma vida melhor a Maria, irmã mais velha de Amanda, que ainda chegou a namorar uma carreira no ténis antes de se dedicar à área financeira, com direito a destaques na revista “Forbes”.
Amanda já viria ao mundo nos Estados Unidos, em Nova Jérsia, antes dos Anisimov se mudarem para a Flórida, para Maria treinar. A mais nova, munida de uma mini-raquete, imitava a irmã, até se tornar melhor do que ela. A mãe Olga foi a sua primeira treinadora, o pai Konstantin tomou depois para si essa missão, enquanto a filha estudava em casa, sem distrações. Não havia pressões, mas a família assumiu em 2017 que a aposta no ténis era “incentivada”.
A morte de Konstantin, então com apenas 52 anos, foi “a coisa mais difícil” que Amanda teve de passar, confessaria meses depois, no regresso à competição. “É a coisa mais dura que já me aconteceu e eu não falo disto com ninguém”, sublinharia em lágrimas ao “The New York Times” no início de 2020, assumindo aí que não tinha procurado ajuda para lidar com o luto.
Redescobrir a vida além do ténis
Seguiram-se dois anos de resultados desinteressantes para Anisimova. Em 2021 esteve perto de sair do top 100. Em 2022 voltou aos títulos e estava de regresso, aparentemente, a miúda que aos 15 anos afirmava querer ganhar todos os Grand Slams. Mas como as ligações cerebrais têm em si mistérios insondáveis, foi depois de um excelente Wimbledon, em que chegou aos quartos de final, que Anisimova sentiu que não, não estava tudo bem. Ainda assim, continuou a jogar. Só em maio de 2023 chegou a decisão de parar.
“Tenho estado a debater-me com a minha saúde mental e burnout desde o verão de 2022. Está a tornar-se impossível estar num torneio de ténis. Neste ponto, a minha prioridade é o meu bem-estar mental e vou parar durante algum tempo”, escreveu numa mensagem no Instagram.
Durante a pausa, Anisimova viveu o que durante anos desconheceu. O que há para lá do ténis. A vida normal que acontece aos outros enquanto os tenistas andam de torneio em torneio, a fazer e a desfazer malas, sem respirar, olhando apenas para os pontos e prize-money necessários para se manterem à tona. Fez voluntariado, viajou com amigos, inscreveu-se na faculdade, abraçou outras paixões. E não, não foi a medicina, mas sim a pintura.
“Foi bom ter uma pausa desta vida caótica de tenista e fazer um reset como ser humano”, revelou numa entrevista à WTA, assumindo que ter mais de “duas semanas de folga pela primeira vez na vida” foi “muito refrescante”.
Sobre a pintura, foi um reconectar com algo que já apreciava desde miúda. “Sempre gostei de arte e por isso, numa altura em que não estava bem mentalmente, comprei algumas telas, tinta e pensei fazer algo só para me divertir. Mas depois começou a tornar-se mais regular”, apontou. A tenista explicou ainda que a pintura a ajudou a encontrar algo para fazer consigo própria e a afastar-se de “ecrãs durante algumas horas”. Algumas das pinturas que produziu acabaram por ser leiloadas para ações de solidariedade.
Em setembro de 2023, Anisimova voltou a pegar na raqueta, agora com uma confiança reforçada e uma noção importante de auto-preservação. Para evitar cair no vazio de outrora, encontrou algumas técnicas para se equilibrar mentalmente. “Às vezes pode começar só com deixar o meu quarto de hotel mais organizado, tentar que tenha um ar mais de casa. Tentar não viver dentro de uma mala de viagem. Agora tiro tudo da mala e arrumo, com a mentalidade de ‘vamos assentar aqui e esperar ficar aqui muito tempo’”, revelou à WTA no início de 2024.
“Perdes um torneio e tens de comprar bilhetes e fazer a mala com todas as tuas coisas. Voas no dia seguinte e estás tão exausta da derrota. É sempre este constante ciclo, que pode ser muito solitário e sugar-te. Agora tenho isso em consideração e faço questão de ter as minhas pausas, ter um dia de descanso e fazer um reset antes do torneio seguinte”, descreveu.
Além disso, Anisimova viaja agora sempre com fotos e recordações dos seus mais próximos e tenta telefonar todos os dias a família e amigos. Passou a ler mais, em detrimento do infinito dead scrolling no telemóvel.
Às vezes é preciso parar de caminhar para depois poder correr, ainda que chegar à maratona possa demorar. O regresso de Amanda Anisimova não se fez sem lombas na estrada, com várias lesões nas costas e anca a travarem os bons resultados. No início de 2025, venceu o torneio de Doha, mas a este seguiram-se algumas saídas precoces em outras provas.
A norte-americana tem, nos últimos meses, trabalhado com a fisioterapeuta Shadi Soleymani, com quem tem feito um processo mais holístico. De acordo com o "The Athletic", Soleymani também a ajuda em questões como nutrição e sono, tendo Anisimova cortado nas comidas mais calóricas e no café, que a andava a impedir de dormir bem. Os resultados estão aí: na antecâmara de Wimbledon, chegou à final do importante torneio de Queen’s. Vai subir ao top 10 do ranking mundial. E, agora, prestes a fazer 24 anos, aí está a primeira final num torneio do Grand Slam.