“Acho que matámos o PSG com o mesmo veneno: sermos uma grande equipa. Jogámos juntos, todos os jogadores a defenderem, todos a atacarem e esse é o grande segredo deste PSG, de competirem e ganharem. Disse que este PSG é uma lição para todos no futebol atual. Foi o que disse aos meus rapazes: simplesmente, sejam uma equipa, ataquem juntos, defendam juntos e desfrutem. Foi o que fizeram, foram fantásticos.”

Tinha Renato Paiva acabado de tatear estas palavras, calmo a encontrá-las, falando pausadamente enquanto coçava a cabeça na flash-interview, quando um tipo surgiu de rompante no plano, de costas para a câmara. Com óculos de ver postos e um boné azul na cabeça, abraçou o treinador e pregou-lhe um beijou na bochecha, depois outro, brusco nos gestos. Na ligeira interrupção, a entrevistadora realçou o “quão isto significa para eles”, quiçá desconhecedora de quem era o tal homem. “Eu só queria um beijo da minha mulher, mas pronto”, brincou o português, já com essa efusiva pessoa saída de cena.

A alegria era de John Textor, o dono do Botafogo, patrão da equipa protagonista da primeira surpresa do Mundial de Clubes face às expectativas: o Botafogo venceu, por 1-0, o todo-poderoso Paris Saint-Germain. O de facto melhor conjunto da Europa, fresco de conquistar a Liga dos Campeões, foi batido pelo campeão brasileiro e da América do Sul, causando várias reverberações justificadas.

A mais óbvia para os adeptos da Estrela Solitária, do clube de Garrincha e Nilton Santos, que terá feito muita festa rebentar no Rio de Janeiro. A seguinte para o orgulho de um país, pois os clubes do Brasil estão, para já, invictos na prova, contrariando a perceção instalada no futebol eurocêntrico de que na margem de lá do Atlântico o futebol praticado fica a dever na competitividade ao lado de cá: além do Botafogo, o Palmeiras, o Fluminense e o Flamengo não perderam e apenas o último ainda não defrontou um adversário europeu.

Foi o ‘Fogão’ de Renato Paiva a conseguir a primeira vitória sul-americana, feito inédito em jogos oficiais desde 2012, quando o Corinthians derrotou o Chelsea no Mundial de Clubes antigo, pré lavagem de cara feita por Gianni Infantino e a FIFA. “O Brasil será sempre o Brasil no futebol”, resumiu o técnico. “É a qualidade dos grandes jogadores brasileiros, do que as pessoas fazem no Brasil, especialmente os treinadores, tanto os brasileiros como os estrangeiros”, acrescentou quem vivia, há muito, no Rio de Janeiro, paciente à espera de convites antes de o Botafogo o contratar, em fevereiro, para suceder ao compatriota Artur Jorge que lhe deixou a agigantada tarefa de ter de pegar na equipa campeã brasileira e sul-americana.

“São montanhas para subir, mas o Evereste também ninguém o subia até que algum dia alguém subiu”, disse o técnico, à Tribuna Expresso, antes do torneio, metaforizando a sua perspetiva. Escalado o cume do PSG na madrugada desta sexta-feira, foi natural, deveras expectável até, a festa vista no homem que incumbiu Renato Paiva desta missão.

Surgido com fervor no relvado da Rose Bowl Arena, na Califórnia, tal como há uns meses, no Monumental de Buenos Aires onde o Botafogo conquistou a sua primeira Copa dos Libertadores, o norte-americano não se coibiu de acrescentar à farra. John Textor abraçou jogadores, procurou Igor Jesus, o autor do golo e do gesto de kamehameha de Son Goku, da saga Dragonball, quando os marca, para se ajoelhar, fingindo que lhe engraxava a chuteira, e manteve o telemóvel esperto em riste, com o filho a assistir por videochamada à alegria coletiva.

O proprietário do clube pôs um boné na cabeça e abdicou do chapéu de cowboy, daqueles espampanantes e de abas largas, com que se adornou em fevereiro, num dos episódios que acresceram esta partida do Mundial de Clubes de uma trica particular.

Stu Forster

Então em Lyon, surgiu com o acessório porque, dias antes, a imprensa francesa publicara mais pormenores acerca de tempestuosa reunião de presidentes da Ligue 1, marcada para discutirem as ofertas disponíveis para a venda dos direitos televisivos do campeonato. John Textor lá esteve enquanto dono do Olympique Lyonnais e muita tinta se derramara acerca da animosidade mútua entre o norte-americano e Nasser Al-Khelaïfi, líder do Paris Saint-Germain que lhe chamou “cowboy” no encontro, acusando-o de “viver num mundo diferente”, acusações mais simpáticas do que a norma entre ambos. Mas, apesar da provocação a cobrir o crânio de Textor, esse Lyon-PSG pareceu serenar os arrufos públicos.

Não mais se viram troca de críticas como os dois líderes trocaram até esse jogo. Logo na primeira intervenção pública após comprar o Lyon, em 2022, John Textor admitiu “não gostar de projetos como o do PSG”. Queixou-se mais tarde de estar a “competir contra um país, não um dono”, por ser “um modelo de gastar sem travões”. Após a tal reunião, onde Texto e Khelaïfi defendiam propostas distintas, o norte-americano chamou “bully” e “tirano” ao catari, acusando-o de ter um conflito de interesses por ser também presidente da BeIN Sports, uma cadeia de televisão. Em troca, o igualmente chefe da Associação Europeia de Clubes retratou-o como alguém que “nada sabe sobre futebol” e “vai perder onde quer que vá”, embrulhando a resposta de forma nada amigável: “É uma pena que se não possa comprar classe e elegância, tal teria evitado que o Sr. Textor se ridicularizasse.”

Mesmo com algum fumo branco visto entre eles, ajudado pelo convite, na primeira, de Khelaïfi para que Textor assistisse, ao seu lado na tribuna do Parque dos Príncipes, à meia-final da Champions entre o PSG e o Arsenal, o rejúbilo do norte-americano no relvado pela vitória do Botafogo contra o projeto-fetiche do Catar no desporto não terá sido inocente. “Eu amo-te, Brasil. Essa é para todo o Brasil. Nós podemos jogar futebol no Brasil”, disse, no relvado, onde a festa dos jogadores do Botafogo se misturava com a tristeza dos parisienses, o dono do clube carioca.

É-o por via do seu Eagle Football Group, conglomerado também proprietário do Crystal Palace, da Premier League, e do Molenbeek, da segunda divisão belga. Há três anos, John Textor não se coibiu de manifestar interesse em comprar ações na SAD do Benfica, o que nunca se concretizou.

Nada ingénuo terá sido, tão pouco, o título escolhido pelo “L’Équipe” para apresentar a derrota do PSG: “Tombados de um pedestal.” Menos ainda foi a partilha da conta do Botafogo no X, outrora conhecido por Twitter, para ressuscitar a picardia: “O sonho americano! Diríamos que o cowboy ganhou…” De França para o Brasil, a multipropriedade de equipas de futebol é indiferente a fronteiras e serviu para apimentar a surpresa inaugural deste Mundial de Clubes.

Com este resultado, o Botafogo que Renato Paiva quis pôr a jogar como o PSG fica a necessitar apenas de um empate, contra o Atlético de Madrid, para garantir os oitavos de final da competição. “Eles foram, provavelmente, uma das melhores equipas que já defrontámos esta época”, reconheceu Luis Enrique, técnico dos parisienses. E acrescentou: “foi a equipa que melhor defendeu contra nós.”