Entre a pseudociência, o marketing e sentimentos reais, diz-se que a terceira segunda-feira de janeiro é o dia mais triste do ano, conceito que ganhou até um nome: Blue Monday. A tradução, literal e não-literal, assenta bem a este início de semana do FC Porto. Já a segunda-feira mais infeliz do ano vivia as suas primeiras horas quando um curto e lacónico comunicado anunciava a saída de Vítor Bruno, ou melhor, o início das negociações com o treinador para a cessação do contrato, um despedimento precipitado, mas não apenas explicado, pela derrota por 3-1 frente ao Gil Vicente, a terceira seguida do FC Porto.
Termina assim de forma pouco agradável a primeira aposta de André Villas-Boas para o banco de um novo Futebol Clube do Porto, com uma reunião a altas horas da noite, após um serão de futebol insuficiente, mais um desaire, o quarto no campeonato, declarações públicas acintosas de jogadores e um treinador em rota de colisão com um dos principais elementos do plantel. Sem surpresa, Vítor Bruno não resistiu aos primeiros raios de sol da Blue Monday.
Vítor Bruno sai ao fim de 29 jogos, com 18 vitórias, três empates e oito derrotas, e pouco mais de seis meses feitos polémicas iniciais e curvas e contracurvas competitivas. A chegada ao banco do FC Porto foi uma aposta natural de André Villas-Boas, após o fim de linha de Sérgio Conceição, antigo adjunto do agora treinador do Milan. Vítor Bruno, adjunto no clube durante sete anos, conhecia a casa, o plantel e assegurava, no papel, uma transição suave em plena transferência de poderes na direção do clube, com uma grave crise financeira à mistura.
As acusações de traição por parte de Conceição, que não gostou de ver o antigo adjunto a assumir o seu lugar, deitaram desde logo por terra a tranquilidade do processo. “Devo dizer que não me sinto nada confortável, passei uma semana muito difícil, eu e a minha família. Uma semana de sofrimento e grande angústia”, assumiu durante a apresentação, a 7 de junho, onde, apesar de reconhecer a dificuldade do desafio, prometeu “ambição”.
Os primeiros sinais positivos da pré-época, surpreendentes até pela forma mais impositiva com que o FC Porto jogava, e a vitória épica na Supertaça, virando um 3-0 para 4-3, elevaram as expectativas portistas para uma época que se previa difícil.
O entusiasmo inicial, cimentado com uma entrada forte no campeonato, com três vitórias claras a abrir, teve o seu primeiro abalo no reencontro com o Sporting à 4.ª jornada. Os leões venceram por 2-0 e o FC Porto nunca pareceu em posição de ferir a equipa então treinada por Ruben Amorim. A chegada de Samu, no final de agosto, deu peso ao ataque do FC Porto, mas mudou a forma de jogar da equipa: de modelo que privilegiava a saída desde trás e o futebol apoiado, uma mudança face ao método Conceição, para um jogo mais direto, na busca das melhores características do avançado espanhol. Os triunfos frente a Farense (2-1, num jogo em que Ricardo Velho defendeu quase tudo), Vitória e Arouca trouxeram ao de cima um FC Porto competitivo, mesmo que o arranque na Liga Europa tenha sido periclitante, com derrota frente ao Bodo/Glimt e empate com o Manchester United.
Montanha russa de resultados
Em finais de outubro, a integração do talento de Fábio Vieira com Namaso no apoio a Samu na frente era aposta ganha: frente ao AVS, o FC Porto juntou eficácia com bom futebol, vencendo por 5-0, numa das melhores exibições da época. Vítor Bruno parecia ter encontrado o ponto de rebuçado entre os melhores momentos de futebol do início da época e as características individuais do plantel.
Mas não faltaria muito para o primeiro grande período de crise do FC Porto, com derrotas seguidas frente à Lazio, na Liga Europa, Benfica na I Liga e a eliminação da Taça de Portugal pelo Moreirense em pouco mais de duas semanas. Num clube com uma ruidosa minoria de contestação ao novo status quo, a paz seria sempre precária: após a goleada sofrida com o Benfica (4-1) - e há 60 anos que os encarnados não marcavam quatro golos ao FC Porto no campeonato - começaram as esperas à equipa e ao treinador no Olival, os muros pichados com mensagens contra Villas-Boas e Vítor Bruno.
Entre 7 de novembro e 7 de dezembro, o FC Porto venceu apenas um jogo em todas as competições, mas um final de ano com quatro vitórias consecutivas, exibições concludentes e o aparecimento de Rodrigo Mora como elemento diferenciador compraram tempo a Vítor Bruno. Mas a eliminação nas meias-finais da Taça da Liga, seguida de duas derrotas claras no campeonato frente a Nacional e Gil Vicente, esvaziaram completamente o balão de oxigénio do treinador nascido há 42 anos em Coimbra.
Pouca agressividade e rutura
Tudo acontece pouco mais de um mês depois de André Villas-Boas ter reforçado a confiança em Vítor Bruno, após a primeira série de três derrotas, repetida agora no terrível início de 2025.
“Foi uma escolha unânime no clube, tem a nossa confiança para fazer os jogadores progredirem e atingirem os objetivos definidos”, disse o presidente dos dragões em entrevista ao diário francês “L’Équipe”, sublinhando o conhecimento que o treinador tinha do clube, da sua mística e cultura: “O que não é negociável para os adeptos, e que é uma marca do FC Porto, é a nossa combatividade, a nossa agressividade”.
Duas características que faltaram nos dois últimos jogos do FC Porto. Frente ao Nacional, Vítor Bruno admitiu a “1.ª parte desastrosa” e a “entrada totalmente ao lado”, sublinhando que era necessário “dar um passo em frente na mentalidade”.
“Não adianta chorar. Fomos macios em demasia na 1.ª parte”, frisou, num jogo em que se acentuaram, ainda, os péssimos momentos de forma de jogadores antes essenciais como Nehuén Pérez, Pepê, Galeno ou Fábio Vieira.
Frente ao Gil Vicente, e apesar das mudanças no onze, o FC Porto voltou a ser a equipa frouxa da Madeira. Vítor Bruno disse, no final, sentir-se ainda “parte da solução e não do problema” e que o assunto estava encerrado. Não estava. Seguiram-se declarações do treinador que confirmaram a rutura com o balneário, nomeadamente com Pepê, que nem sequer foi convocado para Barcelos. “Não está aqui por vontade dele. Quando se autoexclui de participar em jogos… Há uns que querem, outros que não querem tanto. Isto é para quem quer”, disse na flash do jogo.
Palavras que tiveram resposta pronta do brasileiro, que nas redes sociais acusou o treinador de o afastar dos treinos. “Diz o cara que me exclui do treino por fazer golo na mini- baliza com força, que me mandou treinar a semana toda sozinho à volta do campo. Sempre fui honesto e sabia que não vinha passando por um momento bom, que precisava melhorar, mas nunca deixei de ser profissional e não desrespeitei ninguém ou o clube, como alguns dizem”, escreveu o médio.
A partir daqui, a corda teria de partir, fosse para que lado fosse. As notícias de que André Villas-Boas havia convocado jogadores e treinadores para um reunião no Estádio do Dragão a altas horas da noite antecipava decisões complexas, mas um par de horas depois já se conhecia o desfecho. A viver uma semana complicada, depois das revelações da auditoria forense às contas do clube, o FC Porto mergulha agora também em crise desportiva, num teste duro à nova direção. José Tavares, diretor da formação, deverá dirigir o treino desta segunda-feira, marcado para as 18h, no Olival. O FC Porto joga já na quinta-feira, frente ao Olympiacos, encontro decisivo para a continuidade na Liga Europa. Provavelmente ainda sem sucessor de Vítor Bruno, que deixa o Dragão em 3.º no campeonato, a quatro pontos do líder Sporting, depois de seis meses feitos de ideias não alicerçadas, de bons momentos compassados com crises de resultados e de uma comunhão com o público nunca verdadeiramente alcançada.