
Dentro do tracejado que enclausura os treinadores no sítio que circunscreve a liberdade de movimentos, há várias formas de estar. A área técnica não é um cativeiro de grandes aventuras. Há pouco para conhecer e o melhor de que se pode usufruir é a janela que dá para o jogo. Perto da vista, mas longe para ser possível sussurrar ao ouvido dos jogadores como tantas vezes os projetistas gostavam junto de quem os executa. Claudio Ranieri ancorou os 73 anos num canto. Em toda essa vida não lhe faltou tempo para explorar cada refego do posto de trabalho. Para quem desrespeitou o compromisso que tinha feito para com a reforma para treinar a AS Roma, escusado será andar agora a zarelhar.
As antagónicas presenças nos bancos tinham a ver com o depósito cheio de energia que Martín Anselmi esvaziou no vaivém para conversar com os refastelados adjuntos e nas movimentações paralelas à linha lateral, aplaudindo com veemência os duelos que ali se disputavam. O argentino é hoje mais novo do que Ranieri era quando treinava o Valência, equipa de que o Martín Anselmi de 12 anos era apreciador. Portanto, convenhamos que ao técnico do FC Porto ainda resta muito por onde se aventurar e o melhor é assegurar que conhece de cor as redondezas do relvado mexendo em torno delas.
Por muito diferentes que fossem os narradores, ambos se fundiram num futebol amassado que os capturou a ambos.
No lado oposto ao dos bancos, desenrolou-se uma zaragata. Empurrão para cá, empurrão para lá e Ranieri petrificado com a elegância de uma escultura romana nem a mão do queixo tirou. Os giallorossi bem que podiam ter sido acusados de terem trazido na bagagem de cada membro da comitiva uma ruína do Coliseu da capital italiana e montado uma arena no Dragão. Pés carimbados por pitons afiados bailavam por todo o lado.
A digladiação deixou em terreno estranho quem para ela não foi feito. Paulo Dybala acabaria por não terminar a primeira parte fruto da perseguição de que os lúcidos foram vítimas. Também não era algo que interessasse ao FC Porto, disposto a arrebitar Diogo Costa para construir a quatro jogadores, deslocando Tiago Djaló para o corredor direito. Quase sempre os dragões ficaram entalados no portão Manu Koné, preterido ao intervalo por de um cartão amarelo ser possuidor.
No ataque da AS Roma, o poderio titânico de Artem Dovbyk cristalizava os centrais do FC Porto, algo bem diferente do que Samu ia conseguindo fazer junto de Mancini, Ndicka e Çelik. Mesmo quando não rematava, o ucraniano amarrava os defesas para que estes não pudessem condicionar os colegas. Fê-lo para proveito de Dybala e fê-lo quando Zeki Çelik recebeu de Saelemaekers e adiantou os nonos classificados da Serie A. Isto esteve tão pouco para gente talentosa que o esclarecimento de Baldanzi não merecerá parangonas.
O FC Porto até teve mais posse durante todo o encontro, mas foi um dono descuidado. A bola comeu melhor fora de casa e foi a AS Roma que, acolhendo-a por empréstimo, melhor uso lhe deu. Balançando as atenções de um lado ao outro, foi descobrindo espaço para cruzar e nessa arte Angeliño é mestre.
Terá investido numa estratégia aquele que distribuiu as doses de inspiração servidas às almas em campo. O maior prato ficou para Diogo Costa, o mais disruptivo dos azuis e brancos. Cumprindo as funções para as quais está mais talhado, tinha acabado de impedir Cristante de aumentar a vantagem da AS Roma num canto desviado ao primeiro poste. Na reposição, o guarda-redes do FC Porto fez um passe longo que muita gente a partilhar o campo com ele não é capaz de executar. A correspondência voou até Pepê que não conseguiu negociar a passagem por entre os dois defesas que se lhe opuseram. Na segunda vaga, apareceu Francisco Moura a arrombar o caminho para o empate com um remate ainda desviado por Baldanzi.
A AS Roma até começou a pressionar em cima, mas começou a baixar progressivamente o bloco. Em nenhum dos casos o FC Porto foi capaz de criar perigo. Francisco Moura a abrir a segunda parte talvez tenha disposto da melhor oportunidade além do lance do golo. Nos últimos 20 minutos, quando Bryan Cristante foi expulso – estava-se mesmo a ver que a fava ia calhar a alguém – após colocar a manápula em Fábio Vieira, os dragões agarraram o jogo pelos colarinhos e encostaram a AS Roma à parede, mas todos os golpes acabaram a esburacar o pladur.
Pouco importado se levava apenas um empate para a segunda mão no Olímpico, Claudio Ranieri só se irritou com os jogadores quando estes rodearam o árbitro para exporem protestos no final do jogo, retirando-os do entorno do juiz. Um senhor com as prioridades certas.