Curiosas as lições que a identificação de uma pessoa oferece. Ela joga futebol, internacional inglesa é, mas chama-se Lucia Roberta, o primeiro e segundo nome são portugueses, gordos nas pistas que deixam: filha de pai português que conheceu no Algarve quem seria a mãe da jogadora, estipulou os seus 22 anos como limite para ser chamada pela seleção de Inglaterra, caso contrário aceitaria jogar com Portugal e, quatro meses antes dessas velas, surgiu a convocatória por azar de outras, cujas lesões a fizeram estrear-se pelas lionesses.

Agora Lucy, não Lúcia, porque os nomes também se adaptam, tem 144 jogos pela equipa nacional que escolheu e o último dos quais, no domingo, fê-la bicampeã europeia fruto da vitória de Inglaterra contra a Espanha ao fim de cansativas duas horas de futebol em que ela não cumpriu na íntegra. Já no prolongamento saiu de campo, agarrada a uma perna, dolorosa no joelho, incapaz de ir até aos penáltis que coroaram com um título, pela primeira vez na história, uma seleção inglesa fora de Inglaterra.

E os homens de 1966 e muitas destas mesmas mulheres, em 2022, não sustiveram sofrimentos parecidos aos que Lúcia Roberta aguentou durante o Campeonato da Europa feminino que agora findou, porque ela é Bronze de apelido, mas também é “Tough”, única palavra exclusivamente inglesa que lhe surge no cartão de cidadão e que ela justificou já durante a festa, quando as celebrações tinham eclodido no relvado. “Joguei o torneio inteiro com uma fratura na tíbia, ninguém sabia, e depois magoei hoje o joelho da outra perna”, revelou a lateral direita.

O inglês “Tough” equivale ao português “dura” e a jogadora de 33 anos, a mais experiente da sua seleção, acrescentou as suas explicações ao ato de ter sustido a lesão em todos os seis jogos que as lionesses realizaram na prova. “É o que é preciso fazer para jogar por Inglaterra. E é isso que eu farei”, limou Lucy Bronze, que apenas foi substituído na partida dos quartos de final, frente à Suécia: “Por isso recebi muitos elogios das minhas companheiras após o jogo, porque passei por muita dor. Elas sabem que farei o que for preciso e creio que nos inspiramos umas às outras ao estarmos dispostas a aguentar coisas destas.”

A mostra de resiliência, igualmente de descura pelo perigo, visível na severidade com que Lucy Bronze foi vista a enfaixar a própria perna esquerda durante o torneio para suster a tíbia no sítio - na final, acabou com a outra perna também envolta em ligadura -, não vai amainar a participação da jogadora nos festejos.

A jogadora do Chelsea andava aos pulos no relvado do St. Jacob-Park, em Basileia. “Vou fazer a festa, vou desfrutar, de certeza”, garantiu a lesionada futebolista, de 33 anos, que nem por isso se excusou de participar ativamente na conquista que valerá muitas honras às campeãs europeias: além de uma parada festiva, em Londres, onde se fará a comunhão com os adeptos, serão recebidas pelo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, na porta 10 de Downing Street. O futebol jogado por mulheres tem mais uma explosão no país que inventou o futebol.

E quem por lá o joga terá de limar os hábitos de lidar com cada vez mais popularidade e com o cerco da atenção. Antes da final ganha pelas inglesas contra as espanholas campeãs do mundo, a quem o título europeu se mantém fugido, o “The Athletic” falou com vários agentes e representantes das internacionais inglesas para compor o retrato da vida que mudou, em 2022, quando conquistaram o primeiro Campeonato da Europa. Algumas das jogadoras, lê-se no artigo, passaram a ter mais solicitações para parcerias com marcas do que futebolistas da seleção masculina: “As lionesses subiram a um pedestal, foram elevadas a um nível completamente diferente.”

A sedução de histórias como a de Lucy Bronze vão exercer, com maior força, o seu poder de atração. “Mostrámos às pessoas que têm de acreditar nelas próprias em qualquer situação que for”, vincou, já durante a festa, a luso-descendente que é dura de nome.