Inglaterra e Espanha, Espanha e Inglaterra. Na revolução em curso no futebol jogado por mulheres, na onda de interesse crescente e conquista galopante de espaço mediático e social, os últimos anos atiraram o eixo hispano-britânico para o centro da bola.

Está lá a seleção campeã do mundo. Está lá a seleção campeã da Europa. Estão lá os vencedores de quatro das últimas cinco edições da Liga dos Campeões. Estará a nova campeã europeia.

"O Japão pode igualar o nível técnico, os Estados Unidos podem equiparar o nível físico ou a profundidade de talento, mas a gravidade do futebol feminino moveu-se para a Europa e para estes países", constata Jonathan Liew, jornalista do "Guardian" que tem acompanhado o torneio na Suíça.

Passados 48 meses da final da Austrália, do encontro que celebrizou tristemente Rubiales, Inglaterra e Espanha voltam a discutir um título, quase com um aroma a inevitável, à final que tinha de acontecer. É a primeira vez na história que a final do Mundial tem, no Europeu seguinte, as mesmas participantes, selo que atesta que entre Londres e Madrid, entre Barcelona e Manchester, está boa parte do coração do jogo jogado por mulheres.

A mesma Aitana, mais Alexia, o banco e o grupo

Pode parecer estranho para quem vê de fora, para quem acompanha a mestria das futebolistas espanholas, mas, do lado de lá da fronteira, olha-se para o título mundial erguido na Oceânia como "um milagre". O adjetivo é usado por Sandra Riquelme, do "El País", que lembra que, em 2023, la roja "não era uma equipa", era um "conjunto cheio de pequenos grupos, com um ambiente podre".

Espanha venceu a final do Mundial 2023
Espanha venceu a final do Mundial 2023 Steve Christo - Corbis

Em 2025, e depois do terramoto provocado pelo beijo não consentido de Rubiales a Hermoso, que destapou definitivamente os problemas estruturais na federação espanhola, o contexto é profundamente diferente. Respira-se melhor, nota Riquelme, "já não é só um coletivo competitivo e talentoso que se unia dentro de campo para ganhar". "Há um verdadeiro grupo coeso", relata quem também está na Suíça.

Adicionalmente, a federação corrigiu queixas antigas das jogadoras. Ao contrário do que sucedeu no Euro 2022 ou no Mundial 2023, Espanha fica instalada num hotel que não está isolado da civilização, como era habitual em estágios passados. No campo mais desportivo, a equipa técnica de Montse Tomé, a sucessora de Jorge Vilda, tem 11 pessoas, enquanto, anteriormente, eram somente seis. "A federação começou, finalmente, a apostar mais", diz Sandra Riquelme.

A força do estilo mantém-se. As campeãs do mundo dominam a bola, com Aitana a manter a sua influência e Alexia de volta ao melhor nível depois da lesão. Jonathan Liew sublinha o "grande nível de controlo" que Espanha consegue exercer, acreditando que estão "num nível superior" e "vencerão confortavelmente a final". Riquelme é menos otimista, perspetivando um choque "de 50% de opções para cada", mas concede que a equipa do seu país "dominará a bola", com as inglesas mais na expetativa.

O golo de Aitana Bonmatí à Alemanha é um dos momentos do torneio
O golo de Aitana Bonmatí à Alemanha é um dos momentos do torneio Catherine Ivill - AMA

Não obstante os três triunfos confortáveis na fase de grupos, que arrancou com a goleada imposta a Portugal, as contendas a eliminar levantaram dúvidas entre a crítica espanhola. No 2-0 à Suíça e no 1-0, após prolongamento, contra a Alemanha, questionou-se o que Riquelme alega ser "um futebol demasiado previsível, sem desequilíbrio".

Ainda que a mobilidade e golo de Esther González e a juventude de Claudia Pina ofereçam variantes no onze inicial, há uma poderosa arma nas campeãs do mundo. Salma Paraluello e Athenea del Castillo dão a agressividade que, por vezes, falta, "mudam a face da equipa quando entram", diz Sandra Riquelme. Se a final se alargar, é bem possível que as velozes atacantes desempenhem um papel fundamental.

Em caso de triunfo, o futebol espanhol tornar-se-á no primeiro a ter erguido todos os troféus de seleções da UEFA, no futebol e no futsal, no masculino ou no feminino, em equipas principais ou escalões jovens: Europeus masculino e feminino, Europeus de futsal masculino e feminino, Liga das Nações masculina e feminina, Europeus sub-21, sub-19 e sub-17 masculino, Europeus sub-19 e sub-17 femininos e Europeu sub-19 de futsal.

O teste ao coração inglês

Há quem compare a caminhada inglesa rumo à final à de Portugal no Europeu 2016. Em cinco encontros, as campeãs em título só venceram dois nos 90 minutos, um deles contra as frágeis galesas.

A campanha arrancou com uma derrota diante de França, que acionou os alarmes. Concluída a fase de grupos, as lionesses estiveram quase eliminadas em ambas as eliminatórias. Entrado o jogo contra a Suécia, nos quartos de final, nos 15 minutos finais, Inglaterra perdia por 2-0; chegado o embate contra Itália, nas meias-finais, aos 90+5', e Inglaterra perdia por 1-0.

Quais mestres da sobrevivência, as inglesas arranjaram maneira de irem vencendo. Empataram contra as suecas com golos aos 79' e aos 81' e venceram um desempate por penáltis caótico, com Hannah Hampton a brilhar. Na antecâmara da final, igualaram aos 90+6' e triunfaram, na sequência de um penálti polémico, ao 119.º minuto.

"Inglaterra tem mostrado um espírito incrível, uma vontade enorme, uma atitude incrível perante a pressão", atesta Jonathan Liew, que não se deixa enganar pela chegada à final. "Inglaterra não tem jogado bem. Na verdade, tem sido péssima durante todo a competição, mas é inegável que esta seleção é muito boa a evitar o pânico, apoiando-se no seu historial de vencer no limite", vinca o cronista.

Chloe Kelly marcou o golo que deu a passagem inglesa à final
Chloe Kelly marcou o golo que deu a passagem inglesa à final Anadolu

Sarina Wiegman tem sido criticada por alguma falta de renovação no plantel, mas consegue acentuar um brutal registo em fases finais. Em três Europeus e dois Mundiais, a treinadora conseguiu sempre chegar à final, vencendo a máxima competição continental em 2017 com os Países Baixos e 2022 com Inglaterra e caindo na final da prova da FIFA em 2019 diante dos EUA e em 2023 frente a Espanha.

Para conseguir a vingança de Sidney, Jonathan Liew acredita que o "modelo" em que Wiegman procurará inspiração é a final da Liga dos Campeões, em Alvalade, quando o Arsenal surpreendeu o Barcelona. "As londrinas não só defenderam, também tiveram qualidade com a bola. Foi um jogo quase perfeito do Arsenal e, para bater a Espanha, as inglesas terão de ser quase perfeitas também", lança um não muito otimista britânico.

No St. Jakob-Park de Basileia, a esperada enchente contribuirá para aumentar o registo de um Europeu que já bateu os recordes da competição. Os 623.088 espectadores têm especial relevância porque, neste torneio, não houve encontros que inflacionassem os números, tal como sucedeu há três anos, quando a abertura em Old Trafford (68.871 pessoas) e a final em Wembley (87.192) puxaram o número total muito para cima.

Também televisivamente o Euro tem sido um êxito. Com audiência máxima de 10,2 milhões de pessoas e audiência média de 8 milhões, o Inglaterra-Alemanha foi o programa mais visto na ITV em todo o 2025. Já o Espanha-Alemanha teve 3,34 milhões de telespectadores, em média, no primeiro canal da TVE, com um pico de 4,34 milhões.

Citando la reina Alexia Putellas, quando questionada pelo êxito da competição: "Somos nós que temos famílias muito grandes".