
A 13 de maio de 1990, um jogo de futebol inflamou ainda mais os ânimos no ano que antecedeu a Guerra dos Balcãs. Reza a história que foi uma das gotas que fez com que o copo da tensão entre os vários povos jugoslavos transbordasse, numa escalada que levou a que, em 1991, começassem quatro anos da guerra que culminou com a desagregação da Jugoslávia: uma joelhada de Zvonimir Boban a um polícia, num jogo entre os croatas do Dínamo Zagreb e os sérvios do Estrela Vermelha.
Para compreender o momento que se vivia, é necessário contextualizar. O marechal Tito governou a Jugoslávia desde 1945 até 1980, ano em que morreu, conseguindo manter o equilíbrio entre sérvios, bósnios, montenegrinos, macedónios, eslovenos e croatas. Estes dois últimos grupos faziam parte de uma minoria económica e socialmente mais próspera na altura e que, por isso, queria maior independência.
O incidente aconteceu em Zagreb, capital da Croácia, num momento em que a vontade separatista estava cada vez mais exacerbada. Os ultras do Estrela Vermelha dirigiram-se até ao Estádio Maksimir, mas já não era o futebol que importava, uma vez que o emblema de Belgrado já se havia sagrado campeão. A liderar a comitiva estava Arkan, o tigre que liderava os Delije — «heróis», em sérvio, e grupo organizado de adeptos do clube — Zeljko Raztanovic, que se tornaria um dos mais infames senhores de guerra dos Balcãs ao liderar os paramilitares da Guarda Voluntária Sérvia, responsabilizada por fazer parte da limpeza étnica na Croácia e na Bósnia. Queimaram-se bandeiras croatas e gritou-se que a Croácia era sérvia.
À chegada à estação, os sérvios foram logo recebidos com confrontos por parte dos croatas. De todos os adeptos do Dínamo Zagreb, os Bad Blue Boys eram os mais efervescentes e dos mais nacionalistas. E nos momentos que antecediam a partida, com jogadores a aquecer no relvado, nas bancadas eclodiam confrontos, ameaças, gritos nacionalistas de parte a parte e, do lado dos adeptos do Estrela Vermelha, até ácido havia para queimar os gradeamentos que os separavam dos adversários.
A joelhada que imortalizou Boban na luta política
A contextualização tem de continuar para que se entenda o sentimento dos croatas para com a polícia. Na altura, 12% dos habitantes da Croácia eram sérvios, mas a maioria da polícia em toda a Jugoslávia era etnicamente sérvia, incluindo na zona de Zagreb. Foi esse o sentimento que, aos 10 minutos de jogo, levou a que Zvonimir Boban ficasse encoberto por sentimentos de fúria: segundo conta, os Delije estavam a agredir os Bad Blue Boys e a polícia estava a ser complacente com estes atos dos sérvios. Então, Boban, 21 anos de vida, camisola 10 nas costas e braçadeira de capitão do Dínamo no braço esquerdo, dirigiu-se a um membro das autoridades e, com uma joelhada voadora, fraturou-lhe o maxilar.
«Os hooligans de Belgrado estavam a destruir o nosso estádio. A polícia, que era totalmente uma polícia do regime, não respondeu», afirmou o antigo criativo no documentário A Última Equipa Jugoslava. «Estava pronto para arriscar a minha vida, a minha carreira e tudo o que a fama me podia trazer por uma causa: a causa croata», adicionou. A partir desse gesto, os confrontos ganharam novos contornos, com agressões em todos os setores e o Estádio Maksimir a arder. O jogador, por seu turno, tornou-se mesmo uma figura da luta política do país e, logo no estádio, foi escoltado para os balneários pelos Bad Blue Boys. Passou os três dias seguintes escondido em casa de amigos, para evitar represálias.
Foi, para muitos, o início da Guerra da Independência da Croácia, o momento em que ficou confirmada a vontade de deixar a Jugoslávia. Um ano depois, Croácia e Eslovénia declararam independência, o Supremo Tribunal Jugoslavo considerou a ação inconstitucional e estalou o conflito bélico. E o que aconteceu a Boban?
Afinal, a carreira de Boban não foi afetada
Mesmo que estivesse pronto a perder tudo pela causa... não foi isso que aconteceu. No final da época 1990/91, Boban rumou ao Milan. Esteve uma época emprestado ao Bari e, a partir da segunda época, ganhou cada vez mais protagonismo nos rossoneri. Foi quatro vezes campeão italiano e foi protagonista da final da UEFA Champions League em que a equipa, na altura treinada por Fabio Capello, humilhou o Barcelona de Johan Cruijff por 4-0. Foi o camisola 10 da primeira participação da Croácia num Mundial, o de 1998, em que os croatas conquistaram a medalha de bronze.
Quanto ao conflito, correu quase tudo mal. Quase: um estádio em chamas, 60 feridos graves mas... zero mortos.