
O '4 Cantos do Mundo' é um podcast do jornalista Diogo Matos ao qual o zerozero se uniu. O conceito é relativamente simples: entrevistas a jogadores/ex-jogadores portugueses que tenham passado por pelo menos quatro países no estrangeiro. Mais do que o lado desportivo, queremos conhecer também a vertente social/cultural destas experiências. Assim, para além de poder contar com uma entrevista nova nos canais do podcast nos dias 10 e 26 de cada mês, pode também ler excertos das conversas no nosso portal.
Com passagens por Espanha, Israel, Roménia e Arábia Saudita, Afonso Taira foi o mais recente convidado do nosso podcast. Em Israel, o médio representou o Kiryat Shmona (2017/18) e o Beitar Jerusalem (2018/19), clubes dos quais tem memórias ainda muito vivas.
«O futebol em Israel é muito emocional e pouco pausado, assim como os adeptos. Especialmente os do Beitar, que tem adeptos mesmo fervorosos e que interagem muito com a equipa. É a equipa com mais massa adepta do país, um pouco à imagem do Benfica aqui em Portugal. Tive interações muito boas, pese embora, perante o facto de não termos tido um ano muito feliz, também tenha tido algumas menos felizes. Confrontos? Não chegou a isso, mas houve jogos em que no final nos quiseram abanar para nos espicaçarem. No entanto, também vivi o oposto: abríamos a porta do estádio para eles assistirem ao treino e nem podíamos treinar porque eles estavam sempre a abraçar-nos e até preparam um churrasco para nós», começou por contar, indo mais longe:

«Eles tinham uma tradição no aquecimento do jogo em que, de dois em dois minutos, chamavam um jogador e esse jogador saía do aquecimento para ir interagir com a bancada em que estava a claque. Os adeptos tinham essa importância tal que os jogadores, um a um, iam à bancada durante o aquecimento. Podíamos estar a fazer sprints ou posse de bola, mas o jogador saía para ir ter com a claque.»
De resto, não foi só dentro de campo que Israel surpreendeu Afonso Taira.
«Israel é um país em que a cultura e a religião se misturam e se confundem, a linha não está bem definida. Assim sendo, a parte cultural que cria mais impacto cria tem a ver com esta vertente religiosa. Havia muitas coisas do dia a dia que eram ditadas pela religião e que acabavam por se tornar engraçadas para nós. Eles têm algumas regras em relação ao uso de tecnologia durante a sexta-feira e o sábado [dias sagrados] deles», vincou, dando exemplos concretos de situações «caricatas» com que se cruzou.
«A primeira tem a ver com os elevadores. Nesses dias não se pode usar elevadores porque são considerados tecnologias. Então eles criaram uma maneira- e isto também tem muito a ver com a parte cultural dos israelitas, ter problemas e arranjar soluções- de o elevador andar sozinho. A porta abre, uma pessoa entra, ele sobe até ao último andar e depois vai descendo e para em todos os andares de forma automática. Depois só tens de sair no andar que queres. Ou seja, usaste o elevador, mas não interagiste com a tecnologia porque não carregaste no botão. É o elevador do Shabat, como eles chamam. Na primeira vez que usei não fazia a menor ideia do que estava a acontecer», começou por recordar:
«A outra situação foi quando tive vizinhos a baterem-me à porta às 23h para verem se eu podia ajudá-los: o quadro da luz tinha ido abaixo e eles não podiam voltar a ligá-lo. Como eles sabiam que eu era estrangeiro, foram pedir-me ajuda. No entanto, se não tivessem ninguém de fora perto, iam passar o fim de semana às escuras.»