
Outrora bicampeão da Copa América - em 2015 e 2016 -, a seleção do Chile vive, atualmente, um momento atípico e muito distante dos seus tempos áureos. Em menos de dez anos, La Roja passou de titulada a figura ausente dos grandes palcos internacionais.
Após um início atribulado na fase de qualificação da CONMEBOL para o Campeonato do Mundo 2026, os chilenos chegaram à mais recente pausa para compromissos internacionais no último posto da tabela, com apenas dez pontos obtidos - duas vitórias, quatro empates e oito derrotas em 14 jornadas.
Face aos negativos resultados acumulados, alcançar a fase seguinte da prova tornou-se uma espinhosa - quase impossível - missão para os pupilos de Ricardo Gareca. Após somarem nova derrota diante da Argentina, as ínfimas hipóteses da qualificação foram dizimadas na passada terça-feira (10 de junho), face a um novo desaire (2-0), desta vez frente à Bolívia.

Desta forma - e ainda com duas partidas por disputar -, a seleção do Chile encontra-se matematicamente afastada dos lugares que garantem a qualificação para o próximo Mundial e soma, assim, a terceira ausência consecutiva de uma grande prova internacional - falhou o apuramento em 2018, 2022 e, agora, para 2026.
Este desaire leva a que a seleção fique afastada, no mínimo, durante 15(!) anos de um Campeonato do Mundo, sendo a participação no Mundial do Brasil, em 2014, a última presença na competição.
Com esta premissa em mente, o zerozero decidiu analisar os motivos que pautam esta derrocada competitiva em menos de uma década.
Mundial 2014: a última presença no maior palco internacional
De facto, a mais recente presença do Chile num Campeonato do Mundo aconteceu no Mundial 2014, organizado pelo Brasil.
Enquadrada no grupo B, ao lado de Austrália, Países Baixos e Espanha, a turma sul-americana não era, de todo, uma das favoritas a alcançar a fase seguinte da prova. Ainda assim - e face a um desempenho aquém do esperado por parte dos espanhóis -, o conjunto chileno terminou a fase de grupos no segundo posto, com seis pontos, e avançou para os oitavos.

Apesar disso, o sonho de alcançar patamares maiores caiu por terra no primeiro jogo a eliminar. Frente ao Brasil, nos oitavos da prova, a seleção do Chile saiu derrotada nas grandes penalidades - o empate a uma bola manteve-se no final do tempo regulamentar - e foi afastada pelos anfitriões na primeira eliminatória.
Um duro golpe, mas que não impediu os chilenos de continuar a sonhar e de alcançarem, num futuro próximo, o tão desejado ouro, ora não tivessem conquistado, no ano seguinte, a Copa América, repetindo o feito de forma consecutiva em 2016.
Duas conquistas de rajada, operadas por um vencedor improvável, face ao panorama sul-americano à data - dominado por Brasil e Argentina durante largos anos.
Os anos dourados de La Roja
Tal como mencionado anteriormente, o período dourado da seleção chilena refere-se à dupla conquista, em anos consecutivos, da Copa América.
Assim, numa altura em que o panorama sul-americano era dominado por Brasil e Argentina, eis que La Roja conseguiu ter uma palavra a dizer no recreio dos adultos.
Anfitrião da prova em 2015, o Chile terminou a fase de grupos no primeiro posto e bateu Uruguai e Peru no caminho até à final, onde defrontou a Argentina. Após o nulo registado no final do tempo regulamentar, os argentinos acusaram o nervosismo e saíram derrotados nas grandes penalidades. Um título inédito, potenciado por uma soberba exibição de Arturo Vidal na sala de máquinas.

Motivado pela conquista, o carrasco da Argentina decidiu repetir o feito no ano seguinte, sagrando-se, assim, bicampeão da Copa América. Após uma derrota na fase de grupos diante da albiceleste, o Chile somou um percurso 100 por cento vitorioso até à final, onde voltou a encontrar Lionel Messi e companhia.
O derradeiro encontro tornou a ser decidido nas grandes penalidades e os Deuses do Futebol voltaram a bafejar a favor de La Roja. Messi enviou o esférico para as bancadas, Claudio Bravo foi herói e, no final, os hinchas chilenos voltaram a festejar. Uma autêntica bonança antes da tempestade.
Do sonho ao pesadelo em menos de uma década
Findada a (merecida) euforia, eis que o Chile contrariou a narrativa que previa um futuro animador e começou a dar indícios de uma espiral negativa, uma derrocada competitiva, potenciada por alguns fatores preocupantes - sendo a ausência do Mundial 2018 um desses alertas.
Após conquistar o quarto lugar na Copa América 2019, a seleção chilena voltou a falhar o apuramento para um Campeonato do Mundo - desta vez, o de 2022 - e iniciou, em 2023, a qualificação para o Mundial 2026 de forma desastrosa - apenas um triunfo em seis encontros.
Esta quebra de rendimento não passou despercebida e foi alvo de comentários por parte de vários intervenientes, sendo Alexis Sánchez um dos críticos. No final do embate frente ao Paraguai (0-0), o experiente avançado deixou duras críticas às condições no futebol chileno: «No estádio do Colo-Colo estava sentado a fazer alongamentos e saíram excrementos, nossos, do duche! Isto é uma seleção ou uma equipa de terceira?»
Este alerta, porém, não resultou em quaisquer melhorias e no ano seguinte, o Chile terminou a fase de grupos da Copa América 2024 no terceiro posto do grupo A, sem qualquer vitória ou golo anotado.
Aliás, de acordo com o nosso PlaymakerStats, este foi o pior registo ofensivo em 107 anos - equipara a prestação 'em branco' na prova em 1907.
«A geração dourada está enterrada. Só resto eu»
Os mais recentes desaires e as consecutivas ausências da grandes provas internacionais levam os aficionados do desporto rei a debruçarem-se sobre um importante questão: afinal, quais são os principais motivos desta queda?


Ora, como referido anteriormente, existe a sensação de que a federação local precisa de investir na renovação das infraestruturas e das condições dos estádios do Chile, tal como apelado pelo capitão Alexis Sánchez.
Não obstante, o consolidado grupo que se sagrou bicampeão da Copa América, há quase uma década, encontra-se muito longe do seu pico. Alguns jogadores já se retiraram, outros disputam agora campeonatos mais periféricos - Gary Medel, Charles Aránguiz ou Arturo Vidal, por exemplo.
Ainda que exista uma aposta - ligeira - em refrescar o meio-campo e o ataque com sangue novo, o setor defensivo não foi alvo de uma substituição geracional e os seus intervenientes encontram-se, agora, numa fase de declínio da carreira. No banco de suplentes, as soluções são limitadas e a qualidade está longe de ser abundante.
Face às visíveis dificuldades que o conjunto chileno enfrenta, foi alcançado um ponto de rutura, onde continuar sem mudanças é um cenário imponderado. Aos 36 anos, e sendo um dos mais experientes da seleção, Alexis Sánchez lançou o mote: «a geração de ouro está enterrada» e é preciso renovar o grupo.
«Todo o grupo tem responsabilidade. A geração dourada já terminou há muito tempo, está enterrada. Só resto eu. Estou bem fisicamente e espero poder ajudar os mais jovens. Nunca vivemos esta situação, dá pena. O grupo está triste, fizemos tudo mal. Vejo-me na seleção e sei que posso ajudar», admitiu o ex-Arsenal.Um discurso duro, autocrítico, que realça a forte necessidade de uma profunda e ponderada reestruturação da seleção do Chile, face ao panorama atual - um conjunto desorganizado, sem ideias e incapaz de representar perigo.
Apesar de estar já afastado do Mundial, o Chile tem ainda por disputar dois encontros da fase de qualificação, diante do Brasil e do Uruguai. Com Ricardo Gareca de saída, um novo ciclo começa já a preparar-se.