Um talento assim tinha de se expressar numa tarde destas. Sol, calor, um aroma a verão. Um jogo perto da praia, óculos de sol nas bancadas, um toque a futebol de fim de estação.

Numa jogada, Rodrigo Mora pegou numa partida de VAR's, de repetições e câmaras, e fez do domingo nova manifestação de um talento superior. Tem 17 anos, poderá votar pela primeira vez nas próximas legislativas — chega à maioridade 13 dias antes das eleições —, mas já decide encontros.

O Estoril até entrara na segunda parte com intenção ofensiva. Mas bastou uma ação. Rodrigo tocou de calcanhar para Francisco Moura, que devolveu ao adolescente craque. Aí, na área onde muitos não encontram espaço nem tempo, Mora fez-se dono do espaço, do tempo, do estádio, do mundo. Simulação de pé direito, remate de esquerdo, golo. Celebração de craque, carismática, confiante.

Mal Martín Anselmi aterrou em Portugal tornou-se evidente o carácter palavroso do argentino. Entre tanto vocabulário, o argentino vai dando lições de expressões idiomáticas em castelhano. Pan para hoy, hambre para mañana, disse o técnico na antevisão à ida à Amoreira, numa referência à necessidade de olhar mais à frente, não se focando apenas nos problemas que o FC Porto tem no presente, não deixando que as soluções de curto prazo impliquem falta de construções de bases para o futuro.

Mas, para este projeto ter futuro, é preciso ganhar jogos. Para haver amanhã, é preciso ir comendo hoje. E Rodrigo Mora evitou que os dragões passassem fome. O triunfo por 2-1 significa que, pela primeira vez em 2025, os azuis e brancos ganharam dois desafios consecutivamente.

Frente a uma besta negra do passado recente – o Estoril bateu o FC Porto por três vezes na época passada –, a ementa de Anselmi para a Amoreira era evidente. Inspirados na receita aplicada pelo Sporting contra os homens de Cathro, os dragões procuravam explorar as costas dos canarinhos, atraindo as atenções do adversário para, depois, solicitar as desmarcações de quem viesse de linhas mais recuadas, fintando o fora de jogo e cavalgando nos muitos metros existentes entre os defesas dos locais e o guardião Chamoro.

Gualter Fatia

Foi assim, com este plano de atração e fuga, com este futebol de sprints no latifúndio existente no meio-campo do Estoril, que o FC Porto, que repetiu onze pela primeira vez com Anselmi, criou várias situações de perigo nos primeiros 10'. No entanto, Boma tirou um golo quase certo a Pepê, Fábio Vieira não decidiu da melhor forma e Samu não esperou o suficiente, batendo Chamorro, mas fazendo-o em posição adiantada.

Os locais, o coletivo a quem Cathro pede big balls, tiveram dificuldades para se aproximar de Diogo Costa no primeiro tempo. Ainda assim, na tarde quente perto do mar, no primeiro fim de semana com aroma a verão e com filas de trânsito para chegar às praias, o Estoril colocou-se em vantagem no primeiro desembarque próximo às redes opostas.

Desde que Iván Marcano regressou após mais de um ano parado por lesão, o FC Porto apenas sofrera um golo, num livre de Horta em Braga. Mas foi o veterano espanhol quem levou a mão à bola, numa infração descoberta pelo VAR. Penálti batido por Begraoui e 1-0.

Em desvantagem, os visitantes evidenciaram a natureza de coletivo instável, assente em bases pouco sólidas, que o caracteriza. O FC Porto perdeu clarividência com bola. Aos 36', Eustáquio abriu os braços na direção dos companheiros, descontente com a falta de linhas de passe. O internacional canadiano atrasou para Diogo Costa, que bateu diretamente para fora, e toda a equipa abriu os braços, como se fosse um grupo de natação sincronizada. Sempre de pé do lado de fora, Anselmi, vestido como um misto de youtuber e tech bro, acompanhava o esbracejar, solidário com os seus homens.

Perto do descanso, o Estoril abriu fendas defensivas que foram aproveitadas pelos dragões. Mora atirou para defesa de Chamorro, antes de haver novo protagonismo para o VAR, neste futebol de frames e ecrãs, um jogo big brother, sempre à espreita de algo. Lá foi Hélder Malheiro ver o alegado braço de Holsgrove, lá foi Hélder Malheiro dizer que "após revisão", lá foi Samu bater o penálti. 1-1 ao descanso.

Ao intervalo, Cathro tentou mostrar as big balls que pretende que o Estoril tenha. Tirou Boma, um central, e colocou Alejandro Marqués, ponta de lança. A mudança teve efeito imediato.

Tribuna

Com mais capacidade para ter bola no meio-campo, onde João Carvalho tinha papel mais central, o Estoril atacou melhor. Logo nos primeiros instantes, Begraoui, num disparo sem colocação, e Guitane, num tiro defendido por Diogo Costa, levaram os locais a terem mais remates na madrugada do segundo tempo do que em toda a primeira parte. Nos 15' iniciais da etapa complementar, o Estoril teve 49% de posse, contra apenas 31% até ao descanso.

Os problemas na pressão do FC Porto eram tão evidentes que Anselmi tentava correr pelos seus jogadores na lateral, mostrando-lhes para onde devia ir, como um jogador de videojogos que procura que a força que faz no comando tenha consequências no que os bonecos no ecrã realizam. Mas isto é futebol real, área onde os craques reais, humanos, tendem a decidir.

Craque. Realidade. Decisão. Entramos no campo lexical de Rodrigo Mora.

O prodígio recebeu a bola aos 64'. Num segundo, todo o lance ter-lhe-á passado pela cabeça, com o poder de antecipação dos génios, com a leitura de situação dos predestinados. Futebol com sol, futebol com calor, futebol com arte. 2-1.

Até final, pouco mais a destacar houve. Houve muitas mexidas, muitas paragens, pouco perigo, como se todos tivessem vergonha de tentar algo depois de tamanha maravilha apresentada pelo menor de idade. As dificuldades de Diogo Costa a sair a cruzamentos abriram uma nesga de oportunidade aos 92', mas Marqués não aproveitou.

O FC Porto passou dias a olhar para o futuro. O voto de confiança de Villas-Boas, o provérbio de Anselmi. Mas é preciso ganhar no presente. Antes do clássico com o Benfica, os dragões mantêm-se em igualdade com o SC Braga. Se não houve, mais uma vez, jejum na Amoreira, bem se pode agradecer ao génio de Rodrigo Mora.