Aaron Ramsey não é um tipo qualquer no pêl-droed, o equivalente galês para “futebol”. Lá bem longe está o calvário que lhe foi vaticinado em 2010, quando Ryan Shawcross, do Stoke City, o tesourou com uma brutal entrada que lhe partiu a tíbia e a fíbula da mesma perna. Foi infeliz o episódio que tornou o jogador mediático. Desde então, quase milagroso ao recuperar, jogou quase 10 épocas seguidas no Arsenal, ganhou três Taças de Inglaterra e ainda seria campeão italiano na Juventus antes de a inevitabilidade da idade lhe fazer decair a carreira.

A época passa regressou ao Cardiff City, clube da capital do seu país, de pazes feitos com o que o futebol lhe deu. A mudança ajeitava-o para o pôr-do sol dos seus tempos de jogador e guardou, para esta época, um saborear do outro lado do futebol: o esforço pela sobrevivência. A equipa tem feito a temporada a lugar pela manutenção no Championship, a segunda divisão do futebol inglês, onde é a atual 23.º classificada entre 24. E para o que resta da época, será Aaron Ramsay a ter que arranjar um plano para os salvar.

O capitão da seleção de Gales, com a qual jogou os Europeus de 2016 e 2020 além do Mundial de 2022, será o treinador do Cardiff nos derradeiros três encontros que restam no campeonato - enquanto ainda é jogador do plantel e responsável por usar a braçadeira de líder em campo. Será o médio-treinador-incumbido-de-tentar-a-salvação a ter de se a ver com a ingrata tarefa de tentar saltar o Cardiff da queda para a League One, o terceira escalão da pirâmide do futebol inglês, com apenas três partidas por realizar.

De momento afetado pela mais recente de muitas lesões que o assolaram desde o verão de 2023, quando chegou a Cardiff, o galês restaurou uma função já muito pouco vista no futebol atual, se bem que não inaudita em futebolistas do país: em 2014, após a saída de David Moyes, o Manchester United recorreu a Ryan Giggs, então a cumprir a época final de chuteiras calçadas, para orientar a equipa nas derradeiras quatro partidas da Premier League. Na última jornada, fez-se entrar em campo para o 963.º jogo da sua carreira.

O Gianluca Vialli jogador que em 1998 se pôs a ele próprio a titular na final da Taça das Taças conquistada pelo Chelsea (e jogou os 90 minutos)
O Gianluca Vialli jogador que em 1998 se pôs a ele próprio a titular na final da Taça das Taças conquistada pelo Chelsea (e jogou os 90 minutos) Mike Egerton - EMPICS

Quando Giggs decidiu sobre ele próprio, o histórico da função era farto, mas cada vez mais raro. Nos anos 90 e início da década seguinte, vários exemplos houve de equipas a confiarem em jogadores ainda ativos. O Chelsea, em particular, gostava dessa moda: 1996/97, Ruud Gullit conquistou a Taça de Inglaterra com o Chelsea para ser o primeiro treinador não-britânico conquistar um título no país; ainda jogava e sucedeu a Glenn Hoddle, que já exercera de jogador-treinador antes do neerlandês; também nos blues, viria depois o italiano Gianluca Vialli, titular na final da Taça das Taças de 1998 que, com um pé em ambos os papéis, ainda levou o clube à conquista da Taça da Liga e de Inglaterra em 2000.

O maior sucesso pertenceu ao escocês Kenny Dalglish, talvez a maior das lendas do Liverpool, ao conquistar três campeonatos entre 1985 e 1990. O também galês John Toshack cumpriu as últimas temporadas de jogador a ser igualmente treinador do Swansea, levando o clube da terceira à primeira divisão antes de, em 1984, dedicar-se em exclusivo às lides de treinador quando foi contratado pelo Sporting. Os ingleses Bryan Robson ou Peter Reid foram outros a interpretar o conceito. Edgar Davids e os seus óculos idem, entre 2012 e 2014, no Barnet da League Two.

A tocha deste conceito está agora a ser levada por Aaron Ramsey.