“Volodymyr Zelensky pode ter tido um erro de percepção, mas que rapidamente compreendeu que ele próprio se deveria empenhar para corrigir.” É assim que Diogo Leão, historiador, antigo coordenador do Partido Socialista na Comissão Parlamentar de Defesa, antigo deputado e presidente do Grupo Parlamentar da Amizade Portugal-Ucrânia, entende o passo em falso do Presidente ucraniano, que tinha alterado um projeto de lei, comprometendo assim a independência das agências anticorrupção da Ucrânia, e depositando no procurador-geral, escolhido por Zelensky, a supervisão dos reguladores.

Na quinta-feira, o chefe de Estado ucraniano, pressionado pelas multidões que saíram à rua em protesto, mas também pelos parceiros ocidentais, voltou atrás, anunciando que vai restabelecer a liberdade dos dois órgãos anticorrupção, Gabinete Nacional Anticorrupção (Nabu) e da Procuradoria Especializada Anticorrupção (Sap), na Ucrânia.

Mas a maior manifestação anti-Governo desde o início da guerra na Ucrânia terá deixado mácula? Diogo Leão, convidado do podcast do Expresso "O Mundo a Seus Pés", disse esperar que não. Os milhares de pessoas que se concentraram em ruas e praças por toda a Ucrânia, erguendo cartazes a pedir o veto da lei, devem ser vistos como prova de que a democracia está viva no país, ao contrário do que acontece no território do vizinho invasor. "Zelensky foi o candidato presidencial anticorrupção, essa foi uma das principais bandeiras da sua campanha eleitoral", lembra o historiador e deputado.

O antigo coordenador do PS na Comissão Parlamentar de Defesa que foi, há dois anos, condecorado por Volodymyr Zelensky pelos "serviços prestados ao povo ucraniano" garante que o trabalho anticorrupção do Presidente da Ucrânia tem sido constatado pela União Europeia. "Zelensky dá aquele passo porque estas agências anticorrupção tinham uma enorme autonomia. E, dentro da sua autonomia podiam acusar, investigar qualquer funcionário, qualquer político ucraniano. Isto é um poder enorme." Um poder tão grande que, ainda que legítimo, poderia ser explorado pelos adversários. "Zelensky não tem de se preocupar só com os inimigos externos, aqueles que estão à porta do seu país e que estão nas linhas de trincheira, nas linhas de combate contra o Exército ucraniano. Zelensky e a sua administração têm de se preocupar também com a infiltração russa dentro do próprio aparelho de Estado ucraniano."

Nesta entrevista, Diogo Leão também reflete sobre a política "um pouco errática" de Donald Trump no que toca à Ucrânia. "Na verdade, é, absolutamente, uma manifestação de fraqueza", argumenta. "Só empoderou Vladimir Putin", vinca o historiador, que refere que, da parte do Presidente russo, só se tem visto "o pior" desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia, em 2022. Para o analista convidado, contudo, "esta guerra não começa em 2022, não começa sequer em 2014, começa, do ponto de vista psicológico, muito antes".

Este episódio foi conduzido pela jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos e contou com a sonoplastia de João Luís Amorim e cuidados técnicos em estúdio de Tomás Delfim. O Mundo a Seus Pés é o podcast semanal da editoria Internacional do Expresso. A condução do debate é rotativa entre os jornalistas Ana França, Hélder Gomes, Mara Tribuna, Pedro Cordeiro e Catarina Maldonado Vasconcelos. Subscreva e ouça mais episódios.