Três emergências eclodiram em diversas regiões do Quénia, todas caracterizadas por condições climáticas extremas, levando a Médicos Sem Fronteiras (MSF) a mobilizar equipas para lançar três respostas em simultâneo – surtos de malária nos condados de Baringo e Turkana, ambos ligados às fortes chuvas, e um surto de sarampo no condado de Marsabit.
Os habitantes destas regiões áridas ou semiáridas enfrentam frequentemente dificuldades no acesso a cuidados de saúde devido às longas distâncias que precisam de fazer para chegar aos centros de saúde, por causa do elevado custo dos transportes e do terreno difícil para as deslocações. Todas aquelas três regiões do Quénia sofrem também com uma grave escassez de profissionais de saúde qualificados.
Malária em quase todas as famílias de Baringo
Partes do condado de Baringo, na região do vale do Rift, têm sido assoladas por uma seca prolongada, a que se seguiram fortes chuvas. As águas paradas, deixadas pelas chuvas, proporcionaram terreno fértil para os mosquitos Anopheles, que propagam a malária. Isto criou condições conducentes ao aumento dos casos de malária desde agosto passado e, consequentemente, a subida no número de pessoas internadas em hospitais com casos complicados de malária, que podem ser fatais.
Os serviços locais de saúde em Baringo têm tido dificuldades em lidar com esta situação, devido à escassez de profissionais de saúde, à falta de testes de diagnóstico e de tratamento para a malária, a que acrescem os desafios geográficos existentes nesta zona montanhosa e com poucas estradas transitáveis.
“O acesso a cuidados de saúde na área é bastante difícil. Algumas pessoas não têm instalações de saúde num raio de 40 quilómetros”, explica o representante da MSF no país, Edi Atte. “Isto significa que as pessoas adiam a procura de cuidados até se encontrarem já em estado crítico”, frisa ainda o médico.
Além disso, não foram realizadas nenhumas atividades de prevenção da malária na área durante cinco anos, o que agrava esta emergência de saúde.
“A maioria das pessoas com malária grave vem de Silale, uma área onde não são feitas ações de prevenção da malária desde 2019. A MSF tratou já 3.035 pessoas com malária”, precisa Edi Atte.
“Praticamente todas as famílias têm um caso de malária”, descreve Evaline Lochomo, que tem seis filhos e vive na aldeia de Nasorot, no condado de Baringo. “À conta da distância até ao hospital e também devido ao terreno, perdemos muitas crianças ao longo da estrada, nesta floresta, onde tivemos de deixar [os corpos] por causa da malária e da diarreia. As principais razões [para as mortes] são a distância até ao hospital e as pessoas não terem como pagar os transportes.”
Para evitar estas mortes desnecessárias, equipas da MSF estão a trabalhar com o Ministério da Saúde em Baringo para gerir clínicas móveis na região, num esforço de levar cuidados médicos até mais perto das pessoas que vivem em comunidades remotas.
A MSF formou, no total, 26 promotores de saúde comunitários para levarem a cabo testes de malária nas pessoas a cuja comunidade local pertencem, e encaminharem quem necessita para instalações de saúde onde possam receber tratamento. A MSF fez também a distribuição de 8.800 redes mosquiteiras para ajudar a prevenir a malária, assim como de pastilhas purificadoras de água, sabão e recipientes para ajudar a prevenir doenças transmitidas pela água e promover boas práticas de higiene.
Os seis filhos de Evaline receberam tratamento para a malária numa das clínicas móveis da MSF. Foram também entregues a esta família redes mosquiteiras para se proteger das picadas de mosquitos à noite. “Todos os meus filhos tiveram malária”, conta Evaline, expressando gratidão por terem “recebido tratamento nas clínicas móveis e por, agora, ter redes mosquiteiras”.
Oito em cada dez pessoas com malária em Turkana, na maioria crianças
Em cada dez pessoas, oito testaram positivo para a malária no pico da doença em setembro passado em Turkana Ocidental, no Norte do Quénia. Em resposta, a MSF iniciou atividades em 16 aldeias na área de Kalobeyei, tendo prestado tratamento a 1.909 crianças e adultos e providenciado 2.992 consultas em regime de ambulatório, reforçando as equipas com mais pessoal de saúde.
Staff adicional foi mobilizado para dispensário de Ngiitakito, em Lodwar, também com a tarefa de ajudar a melhorar as medidas de prevenção e o controlo de infeções, para uma melhor gestão dos casos de malária.
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A equipa da MSF em Turkana Ocidental ainda forneceu redes mosquiteiras a famílias que não as tinham recebido anteriormente.
“Nesta área foram feitas atividades de prevenção da malária no passado recente”, conta a coordenadora de emergências da MSF, Lili-Marie Wangari. “Estamos a prestar apoio para identificar as famílias que não foram alcançadas com redes durante a última distribuição realizada pelas autoridades de saúde”.
Uma vez que a maioria dos doentes com malária tem entre 5 e 15 anos, a equipa da MSF instalou também 350 redes mosquiteiras num colégio interno local.
Vacinas e promotores de saúde cruciais na resposta ao sarampo em Marsabit
Na sequência de um surto de sarampo registado em agosto passado em Illeret, no condado de Marsabit, no Norte do Quénia, uma equipa da MSF esteve a trabalhar com o Ministério da Saúde para levar a cabo uma campanha maciça de vacinação dirigida a crianças dos 9 meses aos 15 anos.
Com os esforços de 12 promotores de saúde comunitários em Marsabit, os pais e as mães nesta região foram encorajados a levarem os filhos para tomarem a vacina, de forma a ficarem protegidos da doença – foram inoculadas 9.874 crianças. Durante esta campanha de vacinação, a equipa da MSF identificou também crianças com casos complicados de sarampo, tendo sido prestado tratamento e encaminhados para unidades secundárias de saúde os doentes que necessitavam de cuidados especializados.
Os promotores de saúde comunitários em Illeret, que vivem no seio destas comunidades, foram fundamentais na mobilização dos habitantes para aumentar o acesso às crianças nas famílias para que fossem vacinadas.
“Além do acesso às unidades de saúde, os mecanismos de divulgação das atividades de saúde pública nestas comunidades, por parte de membros da própria comunidade e voluntários, são cruciais para a deteção precoce de doenças e para a ligação das populações nestas áreas às instalações de saúde”, sustenta a coordenadora de emergências da MSF.