Bloco de Esquerda e Livre assumem que "não têm grandes divergências", contudo, os dois partidos de esquerda, que se assumem como europeístas, distinguem-se no que diz respeito ao investimento no armamento e à União Europeia. Enquanto concordam sobre o fim das diferenças salariais, discordam na defesa da Europa.

A Europa 'deu o pontapé de saída' no frente a frente, na SIC Notícias, entre "duas pessoas que Luís Montenegro não quer debater".

O porta-voz do Livre, o primeiro a intervir, diz que a situação interna e externa é de "grande convulsão". Portugal, concretamente, não tem uma "eleição regular" desde 2019, por isso, é preciso encontrar "maneiras de sair" da instabilidade.

Para Rui Tavares, a união da Europa é "importante" para todos os países da Europa, uma vez que "ou há unidade europeia" ou há cedências aos projetos imperiais de Putin, Trump e Xi Jinping. Numa tentativa de marcar diferenças entre os dois partidos, Tavares sublinha a "convicção europeísta".

"O Livre tem uma convicção europeísta . Faz parte de uma família da esquerda verde europeia, procuramos manter uma coerência absoluta nas questões de direitos humanos (...). Achamos que é preciso ter caminhos concretos para o futuro", afirma.

Na resposta, Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, contrapõe, sublinhando que também o bloco sempre se assumiu como um partido "europeísta", mais concretamente "europeísta de esquerda".

O bloco defende medidas como a coordenação de políticas, a solidariedade e mecanismos de gestão democrática a nível europeu, porém, também tem "muitas críticas" à Comissão Europeia: as políticas de austeridade permanente na Troika, a posição na Palestina e a relação com Israel e a "deriva armamentista".

"Gostar da Europa é poder criticá-la quando ela joga contra si própria. Esse espírito crítico é importante", argumenta.

José Fonseca Fernandes

A defesa na Europa, o ponto de discórdia

O líder do Livre - que foi eurodeputado independente eleito pelo BE entre 2009 e 2011, e abandonou o cargo em desacordo com o então líder, Francisco Louçã diz que é preciso ser consequente em relação à Europa e ter a coragem de assumir determinadas convicções, lembrando posições mais antieuropeístas de históricos do Bloco de Esquerda e lançando mesmo os nome de Fernando Rosas e Francisco Louçã.

Rui Tavares diz que, "mesmo correndo riscos", defende o avanço para uma comunidade europeia de defesa para "não estarmos dependente dos Estados Unidos", ao contrário do Bloco de Esquerda.

Explica que o projeto proposto pelo partido é de cooperação entre os países da UE, que dará efetividade ao artigo 5.º da NATO - a "coluna vertebral da NATO" - (o princípio-base da defesa coletiva da Aliança, que estabelece que um ataque a um dos membros é considerado um ataque a todos).

Já Mariana Mortágua, destaca que o Bloco de Esquerda "nunca propôs a saída do Euro". Além disso, refere que "chorou uma lágrima" quando viu o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia a "esmagarem a democracia na Grécia", referindo-se à austeridade. Foi um "momento de violência" em que as instituições europeias "ultrapassaram os seus poderes" contra as democracias.

"Acredito que é preciso uma Europa diferente e acredito que é preciso criticar a Comissão Europeia sobre as suas regras injustas e pelas imposições que faz à soberania dos países", afirma.

De seguida, a bloquista admite que "não há muitas divergências" entre o BE e o Livre. Surgiu, entretanto, um tema no qual há "posições diferentes": devemos ou não investir no armamento. Enquanto o Livre entente que "sim", o bloco defende que "não" porque a Europa "já investe o suficiente em armas".

"A Europa tem um orçamento e capacidade militar que ultrapassa a da Rússia. Não é a defesa da Europa que está em causa. O que está em causa é alimentar uma indústria da defesa (...). O projeto económico da Europa tem de ser a habitação, os serviços públicos e a transição ecológica ", defende a bloquista.

Na resposta, Rui Tavares diz que não quer que se pense que "Putin é uma gripezinha, como Bolsonaro dizia da covid". "Temos que nos preparar", defende o líder do Livre. Contudo, isso não pode, defende, impedir a transição ecológica e a proteção social.

O líder do Livre diz que há muito espaço para a Europa fazer investimento e emitir dívida comum. Fala numa "batalha difícil", mas que é preciso fazer, "sem estados de alma". "Passar do 'contra' ao 'como'".

Mortágua insiste que o projeto futuro da Europa e de Portugal "não é o armamento". É, em vez disso, "a habitação, a tecnologia, a ciência, os serviços públicos".

"A Europa exporta armas. Exporta armas para o genocídio de Israel. Exportou armas para a Rússia depois da invasão da Crimeia (...). A ideia de que Putin vem num tanque montado e que nos vai entrar pela fronteira espanhola é errada. Putin está armado até aos dentes, mas Europa tem um orçamento que é três vezes o de Putin ", destaca.

Em contrapartida, Rui Tavares defende que a União Europeia "não se vai endividar" para investir no armamento, como declarou Mariana Mortágua. Insiste em proteção contra a Rússia e os EUA e fala sobre o caso da Dinamarca e do território da Gronelândia cobiçado pelos EUA.

"Há planos que temos de fazer, não os podemos ignorar", sublinha.

O líder do Livre diz que é acusado de querer expulsar EUA da NATO, quando são os EUA que querem sair. Diz também que não se pode confundir União Europeia com Estados-membros - e quem exporta armas é a Alemanha e não a UE. Insiste que a Europa tem de ser "levada a sério" para evitar problemas com os EUA.

José Fonseca Fernandes

Emprego e impostos: os 99% de acordo

Depois da discórdia na justiça, o debate avança para um tom mais concordante.

Rui Tavares diz que é preciso acabar com diferenciais obscenos que criam "casta à PARTE de CEOs para quem nem o céu é o limite", quando quem faz a riqueza das empresas são os trabalhadores.

"Aí estamos 99% de acordo", disse, em relação ao Bloco de Esquerda.

No mesmo sentido, Mariana Mortágua defende que um trabalhador "não pode ganhar num ano aquilo que um gestor ganha num mês".

"É a desigualdade que faz mal às economias, que cria ressentimento", afirma.

Rui Tavares diz que a Constituição portuguesa reconhece o direito dos trabalhadores à autogestão, "só que nunca o implementou".

"Hoje em dia temos espaço para que as pessoas possam constituir empresas num modelo mais cooperativo, como trabalhadores independentes, designers, tradutores, jornalistas", defende.

Com cooperativas de trabalhadores, afirma Rui Tavares, dar-se-ia às pessoas a "oportunidade de criar oportunidade económica para si mesmas" e para tornar mais sofisticada a economia. Doutra forma, afirma, resta às pessoas serem exploradas por uma grande empresa, estarem na precariedade ou serem funcionárias do Estado.

Ainda sobre este ponto, Mariana Mortágua defende que é preciso ter "pensamento sobre a economia", ou seja, é preciso saber "para onde queremos ir", que setores é preciso desenvolver.

"O Estado tem obrigação de saber quais são os setores essenciais para o futuro da economia", afirma.

José Fonseca Fernandes

Acordos à esquerda?

Questionado sobre entendimentos futuros com o PS de Pedro Nuno Santos, no minuto final, Rui Tavares fala numa "plataforma de entendimento onde cabem vários partidos e muita gente" e onde, acredita, caber a vontade da maioria dos portugueses.

Para o líder do Livre, a esquerda tem uma coisa que a direita não tem: várias respostas.

"Olhem para a esquerda até naquilo em que a direita às vezes apresenta para ser a sua praia, que é a economia, porque encontram mais respostas na esquerda e mais vitalidade no nosso debate".

No seu minuto final, bloquista Mariana Mortágua reforça que os PS quer governar com o apoio do PSD. Diz que há "medidas simples", como o teto às rendas e a reforma antecipada de quem trabalha por turnos, que podem fazer "toda a diferença" e resolver os problemas das pessoas.

A coordenadora do Bloco de Esquerda defende que, para recuperar a maioria à esquerda, é "preciso não ceder nos princípios fundamentais":uma política de investimento na habitação, na saúde, nos serviços públicos e respeitar o trabalho. E acrescenta:

"Espero que a campanha possa servir para, com a nossa convicção, trazer votos para o Bloco de Esquerda e deputados à esquerda", remata.