
O primeiro-ministro afirmou que o Governo confia na "solução jurídica" que saiu do parlamento na lei dos estrangeiros e não tem receio da "avaliação aprofundada" do Presidente da República, recusando ter cedido em matéria de imigração.
Em entrevista ao programa "Política com Assinatura" da Antena 1, hoje divulgada, Luís Montenegro voltou a rejeitar que a imigração seja o único tema da governação e defendeu que foi o executivo que tomou a dianteira nesta matéria.
"O governo não cedeu a nada, o governo tomou a iniciativa. Nos apresentámos propostas, se o Chega tem propostas para apresentar, apresenta", afirmou, acrescentando que as ideias deste partido "são um bocadinho mais radicais" do que as do executivo PSD/CDS-PP.
Por outro lado, considerou normal que, em matérias como a imigração, o PS tenha "mais dificuldade em aproximar a sua posição com a do Governo".
"O PS durante oito anos defendeu exatamente o contrário, é muito difícil ao PS estar agora a votar favoravelmente - mesmo que entenda lá no íntimo que estão a ir num caminho que é mais correto do que aquele que defendeu -, é ainda relativamente cedo", afirmou.
Do resultado eleitoral das últimas eleições -- marcado pela vitória da AD e passagem do Chega a segunda força parlamentar --, Montenegro disse ter concluído que "os portugueses desejam ter uma política de imigração mais regulada, mais controlada e que dignifique mais aqueles que para aqui vêm".
"À pergunta que me fez de quem é que nos está a influenciar, eu respondo: são os portugueses, são as nossas convicções, mas são também aquilo que nós recebemos como sinais muito claros da sociedade portuguesa", disse.
Questionado como vê um eventual veto de Marcelo Rebelo de Sousa ao diploma, o primeiro-ministro considerou "muito exagerado" que se diga que o Presidente se prepare para travar a lei dos estrangeiros, embora concordando que faça um "juízo jurídico e também político" aprofundado.
"Eu confio que a solução jurídica que foi encontrada no parlamento reúne condições para poder entrar em vigor no ordenamento jurídico, mas nós cá estaremos para assegurar que há segurança e certeza jurídica nas soluções que foram preconizadas", disse.
Montenegro rejeitou que o Governo tenha legislado à pressa -- "não temos é tempo a perder" -, voltando a responsabilizar os executivos do PS pela situação "muito, muito complexa" na área da imigração.
Sem apontar um número concreto de imigrantes que Portugal pode acolher, o primeiro-ministro manifestou-se confiante no acordo com as entidades patronais para que sejam corresponsabilizadas pelo acolhimento dos que querem a trabalhar consigo e voltou a defender a importância do reagrupamento familiar, apesar das restrições que o Governo pretende introduzir neste mecanismo.
"Nós não estamos a limitar aquele núcleo essencial das famílias, é bom que se diga isto também", afirmou.
O novo regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, que limita os vistos para procura de trabalho ao "trabalho qualificado" e restringe o reagrupamento familiar de imigrantes, foi aprovado na quarta-feira em plenário por PSD, Chega e CDS-PP e, segundo o portal da Assembleia da República, seguiu para o Palácio de Belém na quinta-feira.
PS, Livre, PCP, BE, PAN e JPP votaram contra, enquanto a IL se absteve na votação final global do texto de substituição, elaborado a partir de uma proposta do Governo PSD/CDS-PP e de um projeto de lei do Chega.
Quanto à concessão de autorizações de residência a cidadãos provenientes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e abrangidos pelo respetivo acordo de mobilidade, o novo regime impõe como condição a posse prévia de um visto de residência -- quando atualmente basta um visto de curta duração ou uma entrada legal em território nacional.
PS "não está habituado" a ser oposição e Chega "começa a mostrar" responsabilidade
O primeiro-ministro manifestou-se surpreso com a ameaça do PS de romper com o Governo, dizendo que este partido "não está habituado" a ser oposição, e considerou que o Chega "está a começar a mostrar" maior responsabilidade.
Na entrevista, Luís Montenegro voltou a dizer que não tem um parceiro preferencial ou exclusivo para diálogo, considerou que o partido liderado por André Ventura "está normalizado" há muito tempo e apelou ao PS para que mostre "humildade democrática neste novo tempo político".
"Nós estamos no primeiro mês da legislatura, esta semana o PS ameaçou uma rutura com o governo. Mas alguém percebe uma dramatização, uma radicalização destas no PS, até contrária à linha política que era mais expectável hoje da atual liderança? Eu próprio fico assim um bocadinho surpreso", afirmou, admitindo que também já passou por "momentos muito difíceis" dentro do seu partido.
Confrontado com as críticas de que o PSD está a normalizar o Chega, Montenegro respondeu: "Eu acho que o Chega está normalizado há muito tempo na vida política portuguesa", afirmou, recordando alguns diplomas aprovados na passada legislatura com os votos deste partido e do PS.
"Não é uma coisa nova, quando o Chega vota com o PS é normal, quando o Chega vota com o PSD já não é normal, somos nós que o estamos a normalizar?", questionou.
Na entrevista conduzida pela jornalista Natália Carvalho, Montenegro enquadrou a afirmação que fez na semana passada de que PS e Chega são ambos "alternativas de Governo", salientando que têm "uma representação equivalente, similar".
"É assim na democracia, quem fica ofendido com isto está no fundo a ficar ofendido com a vontade do povo português, e eu isso não faço", assegurou.
Já sobre qual dos partidos considera mais confiável, disse ter por princípio "não desconfiar de ninguém" e esperar de ambos "espírito construtivo", embora reiterando que o PS tem "um histórico de maior fiabilidade, de maior capacidade de diálogo democrático, de maior responsabilidade política".
No entanto, acrescentou que o Governo conta com a responsabilidade que o Chega "pode vir a mostrar, que ainda não mostrou até agora, está agora a começar a mostrar".
"Não me custa nada dizê-lo, está a começar a mostrar agora, vamos ver se se mantém, vamos ver se isto é sol de pouca dura, se é apenas um fogacho ou se é uma trajetória consistente", disse.
Sobre o PS, defendeu que "não vai sobreviver nos próximos anos à conta da história que teve nos 50 anos anteriores" e considerou que este partido "não está habituado a estar na oposição", depois de governar 23 anos dos últimos 30.
"Isso habituou mal o PS, e o PS deve ter a humildade democrática de saber estar na oposição", apelou.
Montenegro disse ter "fundada expectativa que os dois maiores partidos da oposição" possam viabilizar o Orçamento do Estado para 2026 e apelou a que PS e Chega não se voltem a unir para, por exemplo, aprovar um aumento permanente das pensões.
"Foi uma linha que o ano passado se ultrapassou e que espero que seja mesmo uma exceção, porque isso coloca em causa as condições de governabilidade e é uma irresponsabilidade", assinalou, considerando que o país só tem condições financeiras para ir avaliando, anualmente, a possibilidade de um bónus pontual aos reformados, como voltará a acontecer em setembro.
Sobre as contas públicas, Montenegro defendeu que a distribuição feita pelo Governo só tem sido possível graças a uma gestão orçamental de "muito rigor" e garantiu que fará tudo para que Portugal não volte a períodos de desequilíbrio, destacando que a situação do país é considerada exemplar a nível europeu.
Questionado se tal significa uma homenagem ao ex-primeiro-ministro do PS António Costa, preferiu destacar o seu antecessor do PSD: "É uma homenagem que presto a Pedro Passos Coelho e aos governos que, desde então, perceberam que o equilíbrio das contas públicas não é o fim da política governativa, nem financeira, e muito menos económica, mas é um pressuposto".
Em matéria internacional, o primeiro-ministro admitiu que o Governo "não está satisfeito" com a primeira versão do Orçamento comunitário, antevendo "meses intensos de negociação", e reconheceu que as tarifas dos Estados Unidos podem ter "impactos significativos" em Portugal.
Ainda assim, defendeu ser necessário "seguir uma linha de prudência" e rejeitar "ímpetos mais precipitados", como uma retaliação imediata, preferindo uma coordenação a nível europeu.