
Respondendo à pergunta com a ciência. Pode não se morrer mais depressa mas vive-se menos bem quando se tem um dos 83 distúrbios do sono catalogados na Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono.
O mais comum é a insónia crónica que é diagnosticada quando ocorre três vezes por semana ao longo de, pelo menos, três meses consecutivos. Os dois tipos de insónia mais comuns são a precoce e a terminal. Na primeira, a dificuldade em dormir surge no início da noite, já na segunda são os despertares a meio da noite que interrompem o sono.
Ana Allen Gomes, professora na Faculdade de Psicologia e do Ensino da Ciência de Coimbra, elenca alguns fatores de risco para a insónia crónica que atinge 10% da população estudada a nível mundial.
"O perfeccionismo, a tendência para responder ao stress com falta de sono, ser trabalhador por turnos, que é algo bastante perturbador do ritmo de sono e vigília".
Levar o peso dos dias para a cama
As academias internacionais da medicina do sono, a norte-americana, a britânica e também a Sociedade Portuguesa do Sono, acrescentam o fator género. A menopausa e a desregulação hormonal não ajudam quando uma das características de muitas mulheres é levar o peso dos dias para a cama. A ansiedade e os pensamentos ruminantes arruínam o sono, só por si. Se lhes adicionar conteúdos perturbadores estará a potenciar uma noite frustrada.
O sono não é importante o suficiente para que sucessivos governos lhe tivessem dedicado campanhas nacionais de saúde pública, como fizeram com as doenças sexualmente transmissíveis, o controlo da obesidade, do tabagismo e da diabetes; só para enumerar algumas. No entanto, mais de 50% dos portugueses têm um sono insatisfatório ou de má qualidade, segundo a Sociedade Portuguesa do Sono.
Muitos terão um défice de literacia no tema, desconhecendo que nascemos com uma determinação genética - cronótipo - para sermos mais matutinos, mais vespertinos ou intermédios. Muitos poderão intuir que a luz do sol ajuda a acordar e o cair da noite a adormecer - ritmo circadiano - mas talvez desconheçam que processos hormonais se desenvolvem numa e noutra fase.
A hormona que embala a noite
O ser humano, como muitos outros mamíferos, é movido a cortisol, a hormona que vai surgindo a meio da noite e que pela manhã, com a luz do sol, ajuda a despertar e a ter energia. Com o cair do dia, e o cortisol já em quebra, surge então a melatonina, a hormona do sono, que embala a noite dentro. É frequente que quem sofre de insónia crónica possa ver comprometida a produção de melatonina.
Só na década de 50 do século passado foi possível descobrir que é na fase REM (de Rapid Eye Movement) que os sonhos mais vívidos acontecem. Hoje, através do estudo polissonográfico do sono, com os sensores colocados no cérebro, à volta do tórax e nas pernas, que registam parâmetros neurológicos, respiratórios, cardíacos e movimentos dos membros, é possível perceber que o sono consiste em duas fases principais: a fase não REM com três estágios - uma primeira de sono muito ligeiro, uma segunda de sono menos ligeiro e a terceira de sono profundo - e uma segunda fase de sono REM, a dos sonhos intensos.
A limpeza cerebral
Se a fase REM é determinante para a consolidação das memórias e do equilíbrio emocional, é na fase de sono profundo que o cérebro liberta o lixo neurológico acumulado durante o dia. Detritos como as placas de beta-amilóide, presentes na doença de Alzheimer. Há anos que se sabe que esse lixo é despejado durante o sono. Mas só recentemente foi descoberto o processo de separação dos resíduos. A chamada limpeza cerebral ou o "clearance" cerebral.
Se o processo de limpeza cerebral matou o ditado "Quem muito dorme pouco aprende", já o velho adágio, "Dormir cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer", resiste ao tempo. A hormona do crescimento é produzida durante o sono. Daí a necessidade de deitar as crianças cedo, perfazendo as horas recomendadas pela Academia Americana para a Medicina do Sono.
Entre 10 a 13 horas para as crianças entre os três e os cinco anos; nove a 12 horas é o tempo aconselhado a crianças com idades entre os seis e os 12 anos e, por fim, as oito a 10 horas diárias de sono recomendadas aos adolescentes entre os 13 e os 18 anos.
Numa primeira consulta do sono é provável que o médico lhe pergunte se faz a higiene do sono. Uma rotina que induz o surgimento da melatonina, a hormona que ajuda a dormir. Implica cumprir horários regulares de deitar e levantar, evitar atividades muito excitantes, excetuando o sexo, que até pode ser terapêutico, evitar comer antes de dormir e afastar a luz azul dos olhos e os conteúdos mais perturbadores dos ecrãs. Será esse o primeiro passo para noites bem sucedidas.
Na Grande Reportagem SIC, O Divórcio do Sono, conheça as outras duas terapêuticas e os efeitos metabólicos das noites em claro. O Divórcio do Sono é também um podcast que pode seguir no site da SIC Notícias.
Ficha Técnica:
- Jornalistas: Amélia Moura Ramos, Emanuel Nunes
- Repórteres de Imagem: José Silva, Paulo Cepa
- Edição de Imagem: Ricardo Tenreiro
- Grafismo: Carla Gonçalves, Rui Aranha
- Colorista: Jorge Carmo
- Pós-produção áudio: Octaviano Rodrigues
- Drone: 4KFLY
- Assistente: José Silva