Desde que foi fundada em Bolonha em 1088, a universidade sobreviveu a vários períodos de transformação política e religiosa. Contudo, apesar das mudanças de regime, a raison d’étre da universidade continua a ser a mesma: conservar o pensamento. A institucionalização do pensamento nasceu da necessidade de proteger uma das mais frágeis e indispensáveis atividades de que o homem é capaz. Mas este propósito, a que a academia se propôs desde o início, nunca existiu sem a tensão com o mundo que sempre a caracterizou.

Tal como o individuo que se dedica ao pensamento não está isento dos barulhos e dos incómodos a que o mundo o sujeita, também a universidade não está isenta das investidas e dos assédios da autoridade política. A crise que as universidades atravessam deve-se em grande parte a um desequilíbrio enorme nesta tensão.

As universidades tornaram-se numa ferramenta indispensável do estado moderno assim que Humboldt descobriu na Prússia que o ensino superior podia servir o “enriquecimento da cultura moral da nação”. O momento em que esta relação entre Estado e academia atingiu o seu auge foi depois do Manhattan Project e durante a Guerra Fria, quando do admirável alinhamento entre a investigação académica e os interesses do governo americano nasceu a bomba atómica.

Na verdade, a esmagadora maioria dos avanços científicos e tecnológicos que consolidaram a supremacia do ocidente nasceram da criatividade e do génio das universidades. Mas o maior contributo da universidade para a hegemonia ocidental não foi a tecnologia militar, mas sim o soft power. Apesar do desdém moral, oligarcas Russos, príncipes do Golfo e elites pós-coloniais enviaram os seus herdeiros para Harvard, Oxford e Cambridge na tentativa de importar o precioso conhecimento ocidental. O sucesso desta simbiose, que lançou pelo mundo fora um exército de tecnocratas, deveu-se em grande parte à qualidade prática do pensamento ocidental, que o tornou reproduzível em qualquer parte do mundo.

A facilidade com que as ideias ocidentais alastraram pelo globo decorreu da capacidade de converterem o futuro em algo mensurável e previsível. Isto deveu-se tanto aos pensadores liberais como a Marx – ao tomarem a ideia de liberdade como um conceito histórico (em vez de um conceito espiritual), puseram a verdade à distância de um modelo político-económico.

A discussão sobre o aspeto que o futuro poderia tomar deveria ser deixada na mão dos teóricos e especialistas; e aquilo que resulta da atividade de pensar passaria a ter valor apenas se participasse no processo de construção da história e da utopia. A partir daqui, todo o conhecimento passou a ter valor enquanto conhecimento técnico. O modelo de parceria entre universidades e governos assenta sobre esta mesma lógica, neste caso transformando o conhecimento num instrumento do projeto político dominante do nosso tempo – o mercado livre global.

Por outras palavras, o conhecimento gerado na academia passou a adquirir validade se contribuísse para a expansão e reprodução do mercado livre. O ensino superior encarregou-se de formar a classe de especialistas e técnicos – das ciências sociais às humanidades – que viriam a gerir e conduzir a ordem liberal, como se de uma máquina se tratasse; como se conceber o futuro fosse apenas uma questão de técnica.

Foi por esta razão que as universidades se tornaram no símbolo das elites e do status quo: pelo incentivo à reprodução e aperfeiçoamento de conhecimento em detrimento do pensamento criativo. Talvez seja por isso também que a elite política e administrativa tenha tanta dificuldade em inspirar os jovens - sem o elemento imaginativo e espontâneo, o pensamento e o discurso tornam-se inacessíveis. Por muito habilidosas que sejam as acrobacias políticas de Macron, Costa ou Von der Leyen, são incapazes de tecer uma narrativa que mostre o futuro. O engenho e a excelência técnica funcionam apenas quando o futuro é previsível, que não é o caso nos dias que correm.

O confronto entre Trump e as universidades corresponde a uma disputa entre dois projetos políticos distintos pelo monopólio do conhecimento - se a ordem liberal começou nas universidades, também é lá que terá de evitar a sua queda. Mas pior do que pensar bem ou mal, é deixar de pensar. Hoje, o maior problema que a academia enfrenta não é o das guerras culturais e políticas, mas sim o da tirania do conhecimento técnico.

No debate sobre as competências que a Inteligência artificial poderá vir a desenvolver, há pelo menos uma certeza: é uma questão de tempo até que um sistema de AI execute tarefas melhor que um ser humano. Isto significa que o fim a que as universidades se propuseram nas últimas décadas está prestes a expirar. Se ensinar significa transmitir competências e pensar apenas resolver problemas técnicos, a inteligência artificial será o substituto natural de professores e alunos.

Perante a crescente vulnerabilidade dos trabalhos a que Geoffrey Hinton chama de “mundane intellectual jobs”, o conhecimento técnico e automatizado deixará de ser uma vantagem exclusiva dos seres humanos. Os jovens, que entre a ascensão do chat-gpt e a queda da oferta no mercado de trabalho contestam a legitimidade da universidade, começam a questionar se vale a pena tirar um curso.

Tudo isto sugere que a universidade poderá perder legitimidade, não apenas enquanto instituição liberal que até hoje garantiu a emancipação material e a estabilidade do futuro, mas também enquanto instituição que apesar de tudo ainda salvaguarda a criatividade e o pensamento humano.