Combativa, quase sempre calma, mesmo quando irritada, Kamala Harris deu uma entrevista ao canal conservador Fox News, esta quarta-feira, durante a qual falou mais de Donald Trump do que do programa com que se apresenta às presidenciais dos Estados Unidos. A candidata democrata defendeu as suas propostas e o currículo da presidência de Joe Biden, de quem é vice-presidente, e por vezes teve de se impor a um entrevistador, Brett Baier, empenhado em escrutiná-la, como cabe a um jornalista que entreviste um político poderoso.

Confrontada, desde o começo, com as declarações de uma mãe que perdera uma filha, vítima de criminosos que entraram ilegalmente no país, e que por isso responsabiliza a política do Governo cessante, Harris reagiu: “Lamento muito a sua perda. Sinceramente”. E passou logo ao ataque. Recordou que uma proposta de lei bipartidária foi travada no Congresso pelos republicanos, por ordem de Trump, “um indivíduo que não quer fazer parte de soluções”, uma vez que “prefere concorrer à boleia de um problema do que resolver esse problema”.

Assegurando que tanto ela como o seu candidato a vice, Tim Walz, tencionam “apoiar e aplicar a lei federal”, Harris assegurou não defender a “descriminalização da imigração ilegal”. Teve palavras generosas para com o sindicato de Guardas da Fronteira, que declarou apoio ao republicano. “Estão frustrados. Querem apoio. Trabalham muito, 24 horas por dia”, reconheceu a vice-presidente. E puxou dos galões: “Sou a única pessoa candidata a Presidente que acusou organizações que ameaçam a segurança dos americanos e atravessam a fronteira ilegalmente para nos fazer mal”.

Puxar pelo apoio dos republicanos

Confrontada por Baier com o uso de fundos públicos para cirurgias de mudança de sexo a imigrantes que estão irregularmente no país, Harris prometeu apenas “cumprir a lei”, afirmando que Trump fez o mesmo, pelo que um recente anúncio do ex-Presidente a criticá-la neste assunto “é como atirar pedras tendo telhados de vidro”.

Algo impaciente, a candidata do Partido Democrata pôs-se a percorrer o seu programa. “Proponho um plano para habitação acessível, proponho um plano para as pequenas e médias empresas, proponho um plano para as famílias”, insistiu, ignorando as insistências do jornalista, que alegou que “já se ouviu muito sobre esses planos nos últimos dias”. Harris sublinhou que os seus projetos foram ao crivo de 16 prémios Nobel, da agência Moody’s ou do jornal de direita “The Wall Street Journal”, entre outros. E acusou Trump de querer reduzir os impostos aos bilionários.

Harris recordou que no mesmo dia estivera em palco com militantes do Partido Republicano que a apoiam e que alertam para os perigos de uma segunda presidência de Trump. Foi num comício na Pensilvânia, onde também decorreu a entrevista à Fox News. A vice-presidente disse estar disponível para ouvir propostas do partido adversário.

Se Baier questionou o seu slogan “Virar a página”, fazendo ver que ela faz parte da página vigente há três anos e meio, a vice-presidente explicou que a página que há que voltar é “a da última década, a da retórica adotada por Trump para dividir o país e fazer os americanos apontarem o dedo uns aos outros”, coisa de que “as pessoas estão exaustas”. Repudiando uma “liderança de quem consegue deitar abaixo”, referindo-se ao rival, promete uma liderança que quer “levantar” o país, puxando “pelo que une e não pelo que divide”.

“Numa democracia, um Presidente tem de saber lidar com as críticas”

Assim sendo, porque está metade do país a apoiar Trump? Serão “desorientados” ou “estúpidos”? A esta provocação do entrevistador, Harris retorquiu com o ar de quem acha óbvio: “Não é suposto uma eleição para Presidente dos Estados Unidos ser fácil, nem um passeio para ninguém”. Lapidar ao afiançar que “nunca diria que o povo americano é estúpido”, lembrou que Trump é que diminui os outros e fala do “inimigo cá dentro”, dispondo-se mesmo a “usar as forças armadas americanas contra o povo americano, atacar pessoas em protestos pacíficos, prender quem discorda dele”. Foi crescendo de tom, para concluir: “Isto é uma democracia. Numa democracia, um Presidente tem de saber lidar comas críticas sem dizer que vai prender as pessoas.”

Quando Baier apresentou um excerto de um vídeo onde Trump se queixa de ser processado na justiça por motivos políticos, Harris enervou-se, porque não era disso que estavam a falar. “Você e eu sabemos que ele falou repetidas vezes do inimigo cá dentro e de prender pessoas que não concordam com ele”, atalhou. “Gostaria que tivéssemos uma conversa baseada em factos.”

“Joe Biden não está no boletim de voto”

Questionada sobre quando notou que as capacidades mentais de Biden estavam diminuídas, contrapôs que o Presidente cessante “tem juízo e experiência para fazer o que tem de fazer em nome do povo americano”. Além disso, acrescentou, “Joe Biden não está no boletim de voto”.

É por isso, alerta Harris, que figuras que trabalharam com Trump, a quem chama “instável”, o rejeitam — coisa que não se vê entre colaboradores de Biden e seus. Mark Milley, antigo chefe do Estado-maior das Forças Armadas, considera o ex-Presidente “uma ameaça aos Estados Unidos da América”, e nem o seu vice, Mike Pence, tenciona votar em Trump.

Houve tempo para falar do Médio Oriente e da ameaça representada pelo Irão, que Harris afirmou um dia ser o país mais perigoso para os Estados Unidos. Sem elaborar muito, a vice-presidente assumiu o “compromisso inquebrantável” de assegurar que Israel tenha recursos para se defender, “incluindo do Irão e dos agentes terroristas do Irão na região”.

Quando Baier a interrompeu para avisar que o tempo (meia hora) estava a terminar e que esperava que tivesse dito “tudo quanto queria sobre Trump”, a entrevistada assegurou que tinha mais para dizer. Convidou ainda o público a visitar o seu site para conhecer o programa.