De visita a Brasília, Marcelo Rebelo de Sousa admite que este encontro com Lula da Silva seja "o último", nos moldes oficiais. "Encontrei o Presidente Lula em grande forma física, depois de um período de recuperação recente", apontou o chefe de Estado português, que viu no seu homólogo brasileiro "vigor e animação". Também o encontrou "com uma causa internacional", que lhe merece um "acordo praticamente total", admite Marcelo Rebelo de Sousa. "O mundo como o conhecíamos mudou. Começou a mudar em 2016, e agora mudou há um mês, claramente, e com posições mais claras."

Essa mudança deriva de haver "um país no mundo que entende que pode ter poder para falar sobre a soberania de outros Estados, inclusivamente um Estado vizinho" e disposto a falar do que se passa "em outros continentes, e interferir nesses continentes", quer "diretamente", quer através de "outros responsáveis da sua administração". E intervir, aclara o Presidente da República, significa "interferir em processos eleitorais em curso". As intervenções norte-americanas, prossegue Marcelo, sem, no entanto, referir diretamente os EUA, colocam em causa a soberania e integridade territorial de outros Estados.

Marcelo afirma, ainda, em declarações aos jornalistas, os seus receios em relação ao enfraquecimento do multilateralismo. "Esta mudança altera muito os termos da realidade que se vivia anteriormente. Havia uma aliança transatlântica entre a Europa e os Estados Unidos da América, e agora é muito diferente, ou está a ser muito diferente, ou tudo indica que será muito diferente, com esta mudança." Outra questão levantada pelo Presidente português é a económica, que radica no comércio internacional: "Tudo indica que vai haver mais protecionismo e unilateralismo. Isto é, há quem defina as regras do jogo e os outros têm de admitir. Sejam ou não sejam potências, sejam ou não sejam países parceiros, amigos e aliados."

O caldo que se criou "altera muito as regras do jogo", reconhece Marcelo, notando os esforços das nações europeias para apreciar a situação e acomodar uma estratégia, já que há "fundamentos tradicionais que vigoraram durante muito tempo e merecem ser reafirmados". Mas tal cenário internacional "é importante para o Brasil e é importante para Portugal", analisa o Presidente.

Marcelo concordou com Lula num princípio: não basta reafirmar os valores que vingaram por tanto tempo, mas "é preciso que o mundo tenha condições económicas e sociais para defender esses valores". As crises que se sucederam criaram um "ambiente propícia" para se concluir que só existe uma solução, "a rutura face ao passado", explica. "A grande causa é uma causa internacional", diagnostica, não deixando de parte os fatores nacionais, no caminho para os populismos.

Com Lula, Marcelo reafirmou uma aliança com "passado riquíssimo", mas apontando ao futuro, com sinergias em áreas "completamente diferentes", como a alta tecnologia, "o digital", as mudanças energéticas e novas atividades empresariais que contribuam para o crescimento. O Presidente notou também que a comunidade brasileira em Portugal "vai a caminho dos 400 mil", o que considerou "brutal", em proporção, numa população de cerca de 11 milhões de pessoas. "É quase metade da comunidade de imigrantes", estimou Marcelo Rebelo de Sousa, enaltecendo assim a importância desta aliança.

Questionado sobre a alegada situação de conflito de interesses que envolve o primeiro-ministro, Marcelo recusa comentar a matéria que já motivou uma moção de censura, e que, por isso, será debatida no Parlamento.