Segundo o acórdão, "a magnitude, excecionalidade e imprevisibilidade do incêndio" não permitem "outra conclusão que não seja a de que nem o rigoroso cumprimento daqueles deveres [de cuidado por parte dos arguidos] teria podido evitar os resultados danosos que se produziram nas vítimas" ou "sequer diminuído o risco da sua verificação".

Para as juízas desembargadoras, isto equivale a dizer que "os arguidos não dispunham de qualquer poder impeditivo ou sequer mitigador da lesão dos bens jurídicos protegidos, o que impede a verificação de um nexo causal" entre a alegada conduta omissiva dos arguidos e, "consequentemente, a sua responsabilização".

O acórdão, de 882 páginas, considera inexistir fundamento para a condenação dos arguidos e, nesse sentido, "os pressupostos da obrigação de indemnizar", como decidiu o Tribunal Judicial de Leiria.

Em consequência, improcedem os recursos interpostos, mantendo-se o acórdão da 1.ª instância que, em 13 de setembro de 2022, absolveu os 11 arguidos.

Nesse dia, o coletivo de juízes de Leiria absolveu o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição, atual E-Redes (José Geria e Casimiro Pedro), e três da Ascendi (José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota).

A absolvição estendeu-se aos ex-presidentes das câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente, assim como ao atual presidente do Município de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.

O antigo vice-presidente do Município de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal desta câmara, Margarida Gonçalves, foram, igualmente, absolvidos.

Em causa estavam crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves.

O Ministério Público (MP) recorreu para o TRC da absolvição de Augusto Arnaut, Valdemar Alves, José Graça, Margarida Gonçalves, José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota.

Também os pais do bombeiro que morreu devido aos incêndios interpuseram recurso contra Fernando Lopes.

Já duas pessoas que perderam no total cinco familiares nestes fogos recorreram da absolvição do comandante dos bombeiros e dos três funcionários da Ascendi.

Não houve qualquer recurso da absolvição dos funcionários da antiga EDP Distribuição e do autarca Jorge Abreu.

Os incêndios de Pedrógão Grande, no norte do distrito de Leiria, deflagraram na tarde de 17 de junho de 2017.

Segundo o despacho de acusação do MP, os fogos de Escalos Fundeiros e Regadas, naquele concelho, foram desencadeados por descargas elétricas de causa não apurada com origem na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da antiga EDP Distribuição, em troços junto aos quais os terrenos estavam desprovidos de faixa de proteção e onde não tinha sido efetuada a gestão de combustível.

Estes dois incêndios acabaram por se juntar, ao final do dia, num processo designado de "encontro de frentes", que conduz a um mecanismo de comportamento "extremo de fogo", e unificado, progrediu "com grande rapidez e intensidade", chegando à Estrada Nacional 236-1 (onde foi encontrada a maioria das vítimas mortais) e a outros locais de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, os concelhos mais fustigados, de acordo com o MP.

A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.

O Tribunal de Leiria não deu como provado que os dois incêndios tenham sido desencadeados por descargas elétricas, nem que junto aos troços da linha de média tensão onde aquelas ocorreram os terrenos estivessem sem faixa de proteção.

SR // JEF

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