À entrada da Tong Vu, grandes lagostas arrastam-se dentro de aquários. Este ano estão a ser vendidas ao preço de compra, porque os tempos assim o exigem.
Tong Keng Seoi, o gerente, tem a lagosta da Austrália a 498 patacas (59 euros), em vez das habituais 900 (107). Opção que traz mais volume de negócio à velha marisqueira de Macau durante o Ano Novo Lunar, com casa cheia e "um aumento de 30% das encomendas em relação ao ano anterior".
Por esta altura, um banquete para 12 pessoas, com lagosta, orelhas e pepinos do mar, sopa de barbatana de tubarão, leitão e frango assado, pode custar entre quatro mil e 12 mil patacas (477 e 1.433 euros).
"O consumo é, este ano, muito inferior ao dos anos anteriores, mas estamos muito ocupados e a principal razão é porque oferecemos o preço mais baixo possível", diz Tong, que lamenta a queda do poder de compra local.
No restaurante Campo do Dragão, ali a 200 metros, os números também sugerem retração. Lin Zhiyuan, gestor do espaço, fala de "600 a 800 mesas" reservadas ao longo do mês - "menos 20% a 30%" do que em 2024.
As dificuldades reconhecem-se noutros espaços da cidade. Num passeio pela baixa de Macau, pequenos negócios de comida de rua ganham nesta luta aos restaurantes e tascas tradicionais.
Chan Chak Mo, deputado e presidente da União das Associações dos Proprietários de Estabelecimentos de Restauração e Bebidas, confirma o ambiente de cautela nos gastos: "O consumo geral é baixo, a comida de rua custa por volta de 60-70 patacas (7,1 e 8,3 euros)", diz.
Após três anos de pandemia e da rigorosa política 'zero covid', os números do jogo, motor da economia local, já se aproximam dos valores de 2019. Porém, apesar da regeneração do setor, nas pequenas e médias empresas, a ferida mantém-se aberta.
No caso da restauração, em novembro, segundo as mais recentes estatísticas oficiais, o volume de negócios "dos restaurantes chineses e o dos estabelecimentos de comidas e lojas de sopas de fitas e canja baixaram 4,3% e 3,7%, respetivamente".
E depois existe o outro lado da fronteira. Produtos e serviços de qualidade, preços mais baixos e a possibilidade de, desde 2023, circularem diariamente dois mil veículos com matrícula de Macau no interior da China, tornam a vizinha Zhuhai uma concorrente feroz do pequeno comércio local.
"Calcula-se que há cerca de 50 milhões de dólares americanos (47,6 milhões de euros) que antes eram gastos em Macau e Hong Kong por mês e agora são gastos em Shenzhen [vizinha de Hong Kong] e em Zhuhai. E obviamente isto tem um reflexo enorme no bem-estar dos pequenos negócios", analisa o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa.
Carlos Cid Álvares, também diretor executivo do Banco Nacional Ultramarino de Macau, sugere adaptações: "Os pequenos negócios fazem negócio de forma igual há 20 anos ou 30 anos e têm que se adaptar a uma nova realidade que é a de uma população mais jovem, com outras necessidades".
Outra sequela do momento económico: em 2023, registaram-se 3.712 nascimentos na região semiautónoma chinesa, menos 43,5% do que há 10 anos (6.571).
Para Tao Xuemei e Wong Chio Fan, um jovem casal, as finanças pessoais e a dos cofres chineses não permitem dar o passo: "Preocupa-nos ter filhos por causa da dívida nacional, devido à recessão económica. A opção pela maternidade depende realmente da capacidade económica do país e da capacidade de pagamento da dívida", resume Tao, de 28 anos, a trabalhar como orientadora escolar.
"Não queremos ter filhos só para lhes passar as [nossas] dívidas", completa Wong, empreiteiro de 35 anos.
As finanças são o tema que cerca de 20% das pessoas leva às consultas com Mickey Hung Sen Chun, mestre de 'feng shui', uma prática milenar chinesa que estuda a influência do espaço no bem-estar das pessoas.
Neste Ano Novo Lunar, que arranca na quarta-feira, os casinos vão continuar a prosperar, diz o mestre. "Como o simbolismo da serpente está associado à sabedoria e à sorte mística, muitos visitantes podem estar mais inclinados" a jogar, prevê ainda Hung.
No plano negativo, o ano da serpente "faz-se acompanhar frequentemente de indiferença e ódio", e o facto de "terem ocorrido muitos acontecimentos históricos importantes" neste signo do calendário lunar pode ser motivo de apreensão, adverte o mestre, que aponta para o risco de futuras "ocorrências semelhantes".
Os japoneses atacaram Pearl Harbour em 1941; o massacre de Tiananmen, em Pequim, ocorreu em 1989 e os ataques terroristas do 11 de setembro em 2001. Todos anos da serpente.
No plano nacional, estima Hung, "com a recuperação gradual da economia mundial, as exportações da China poderão ser afetadas positivamente, o que a ajudará a atingir o objetivo de crescimento fixado".
A China, abalada por uma profunda crise do imobiliário, principal veículo de investimento das famílias chinesas, lançou várias medidas de estímulo económico no último trimestre do ano passado, incluindo a redução dos rácios de reservas obrigatórias dos bancos e das taxas de juro. Pequim prometeu ainda prosseguir políticas orçamentais "mais proativas" e uma "flexibilização moderada" da política monetária, para impulsionar o consumo doméstico.
"A questão é saber se o que estão a fazer neste momento, com todas estas políticas de apoio macroeconómico, é suficiente para estimular o consumo interno", avalia Nicholas Chen, analista da consultora Fitch Solutions, sublinhando o peso da crise imobiliária "no sentimento do consumidor".
Chen nota que, pese embora o Produto Interno Bruto da China tenha alcançado a meta traçada de Pequim e crescido 5% em 2024, a Fitch Solutions prevê um ligeiro abrandamento em 2025 "para cerca de 4,7%, devido aos ventos contrários macroeconómicos, bem como ao consumo interno lento", acrescenta.
Conta a lenda que o 'nian' ('ano', em mandarim), uma fera mítica, sai por estes dias à rua e anda à caça de animais e pessoas para devorar e de campos de cultivo para arruinar. Como é intolerante ao ruído e à cor vermelha, as pessoas começaram a decorar as casas de vermelho e a lançar fogo-de-artifício e panchões para afugentar o monstro.
Macau não desafia a convicção. A cidade prepara a travessia para o novo ano. As ruas vestem-se como manda a tradição. A Tong Vu, à espera da serpente, pendurou lanternas vermelhas, a ver também se para o ano as lagostas se vendem melhor.
CAD/JW/VQ (JPI) // VM
Lusa/Fim