Impedir a entrada de terroristas pode ser o argumento, mas a premissa espalha-se a todos os migrantes irregulares, venham por terra ou por mar e, no mês em que se comemoram os 35 anos da queda do muro de Berlim, a Europa exibe quase 2.000 quilómetros de vedações nas fronteiras. Isto equivale a quase 12 novos muros de Berlim.
O grande impulso desta tendência de voltar a erguer muros aconteceu em 2015, quando milhares de sírios fugiram da guerra civil do seu país e encaminharam-se para a segurança da Europa.
O primeiro-ministro húngaro, o ultranacionalista Viktor Orbán, foi o primeiro líder europeu a considerar que a chegada de migrantes à Europa em 2015 constituía "uma invasão" e "uma ameaça", pelo que decidiu, logo nesse ano, que a solução era construir um muro ao longo de toda a fronteira com a Sérvia.
Na altura, foi uma voz solitária, já que os países da União Europeia (UE) queriam demonstrar empenho na ajuda aos refugiados da guerra síria, mas abriu uma brecha na opinião pública generalizada e, dois anos depois, a transformação da Europa era palpável.
Em 2017, face à crescente popularidade da extrema-direita, praticamente todos os líderes europeus que tinham clamado pelo dever humanitário de acolher refugiados passaram a replicar os argumentos do primeiro-ministro húngaro e a defender o conceito de "Europa Fortaleza".
Questionado pela agência Lusa enquanto pioneiro da nova onda contra as migrações, Viktor Orbán -- cujo país assume atualmente a presidência semestral rotativa do Conselho da UE -- defendeu ser crucial criar muros para proteger as fronteiras externas no bloco europeu.
"A migração e o terrorismo andam sempre de mãos dadas", afirmou, acrescentando que "há muitos anos que um pré-requisito da luta contra a migração ilegal é a proteção das fronteiras externas da UE".
A Hungria, adiantou numa mensagem enviada através do seu gabinete oficial, "deteve um milhão de pessoas" desde 2015, ano em que Budapeste iniciou a construção de uma barreira física para impedir a entrada de migrantes irregulares no país.
Desde esse ano, referiu ainda, "houve 3 milhões e 800 mil passagens ilegais nas fronteiras da UE".
Essa capacidade de evitar a entrada de migrantes e refugiados foi conseguida, de acordo com o Governo húngaro, "com a ajuda da barreira fronteiriça [o muro] e dos guardas fronteiriços estacionados nas fronteiras meridionais".
A vedação de arame farpado e colunas de aço, que atravessa a fronteira da Hungria com a Sérvia e a Croácia, está fortificada com câmaras e outras tecnologias.
Tem uma altura de quatro metros e prolonga-se por 260 quilómetros (km), patrulhados por 3.000 soldados e guardas e está repleta de altifalantes com constantes alertas, em várias línguas, a proibir a entrada. Além disso, a vedação está equipada com sensores de calor que monitorizam qualquer aproximação.
A Hungria tem solicitado repetidamente à Comissão Europeia que atribua mil milhões de euros para a construção de "uma vedação de proteção à UE", mas Bruxelas insiste que nunca financiará muros ou arame farpado.
Ainda assim, desde "a crise de 2015", Bruxelas concedeu à Hungria pelo menos 22 milhões de euros em "assistência de emergência" para reforçar as suas fronteiras e financia a tecnologia associada às fronteiras, como os sistemas de vigilância e os 'drones'.
Mas, apesar de Viktor Orbán ser considerado a principal voz do discurso anti-migração na Europa e o principal defensor de uma muralha em todas as fronteiras terrestres externas da UE, não é o único a apostar nesta solução. Três outros grandes polos se destacam.
A Grécia foi apelidada de "escudo da Europa" em 2020 pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, depois de guardas fronteiriços do país terem combatido milhares de migrantes com gás lacrimogéneo na fronteira com a Turquia.
Nos últimos dois anos, o Governo de Atenas também tem pedido apoio financeiro à UE para prolongar por mais 80 km o muro de aço de 40 km já existente com a Turquia.
Ao longo do muro, que tem cinco metros de altura, existem também canhões sonoros -- que emitem níveis de ruído intoleráveis para os migrantes, equivalentes ao disparo de uma espingarda -- e milhares de guardas prontos a lançar gás lacrimogéneo.
O outro grande defensor de muros nas fronteiras é a Polónia, país que, nos últimos anos, se queixa de ter à sua porta milhares de migrantes, usados como arma de instabilidade pela Rússia.
A Comissão Europeia também acusou a Bielorrússia, vizinha da Polónia e aliada da Rússia, de incentivar e até escoltar migrantes para entrarem ilegalmente na fronteira nordeste do bloco como retaliação pelas sanções económicas aos regimes de Moscovo, liderado por Vladimir Putin, e de Minsk, chefiado por Alexander Lukashenko.
Um muro de cinco metros de altura na fronteira polaca começou a ser construído em 2021, tendo já sido colocados 180 km de arame farpado, mas há planos para uma vedação reforçada ao longo de uma parte maior da fronteira.
O arame farpado rodeia uma floresta perto de Czeremcha, no nordeste da Polónia e toda a região é patrulhada por soldados polacos armados.
O exemplo foi seguido pelos países vizinhos Lituânia e Letónia, que também resolveram recorrer a muros de aço e arame farpado, reforçando as suas fronteiras com a Bielorrússia.
A última aquisição no grupo dos grandes defensores de muros surgiu no norte, mais concretamente na Finlândia.
A construção de um muro de 200 km de extensão começou em 2023 e visa defender o país da vizinha Rússia que, em 2022, invadiu a Ucrânia.
A Finlândia divide com a Rússia a maior fronteira de toda a UE - num total de 1.340 km -- que foi, durante anos, delimitada por cercas de madeira destinadas a impedir a passagem de gado.
Segundo explicou Helsínquia, o muro, com uma altura de três metros e coberto por arame farpado, tem como objetivo "aumentar a segurança na região, mas também impedir a entrada em massa de migrantes russos".
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