Ter uma casa para habitar em Lisboa é cada vez mais um luxo acessível a cada vez menos pessoas. O cenário piora a cada ano, a cada mês, a cada dia, a uma velocidade galopante, estratosférica, com os preços das habitações - seja para compra ou arrendamento - a subirem duas, três, quatro vezes mais rápido, do que a subida dos salários em Portugal nas últimas décadas.

Só no primeiro trimestre deste ano o preço da habitação aumentou 18,7%, resultante de uma desenfreada especulação imobiliária, que beneficia estrangeiros e imigrantes de países mais endinheirados. Em Abril, segundo o Eurostat, éramos na Europa o país com pior acesso à habitação, ao avaliar a relação entre o preço das casas e o rendimento familiar per capita.

Matilde Fieschi

A desregulação do mercado imobiliário está ao rubro e a carência de casas a preços acessíveis é gritante…

Por outro lado, Portugal continua a ser um dos países europeus com menor percentagem de habitação pública - apenas 2% do parque habitacional é público - o que é um absurdo quando comparamos com outras economias e sociedades liberais, como é o caso dos Países Baixos, em que mais de 30% do parque é público.

O Estado deixou há muito de investir na habitação como uma política pública e as políticas para emendar a mão de uma das maiores crises deste país parecem ainda insuficientes, lentas, contraditórias ou ineficazes para a escala deste sufoco social e económico que abrange velhos e novos, e não só as classes mais desfavorecidas e imigrantes, como a própria classe média.

Até quando? A crise na habitação está a minar a democracia?

Matilde Fieschi

Estas são as primeiras questões lançadas a Helena Roseta, arquiteta de profissão, que anda há uma vida a defender o direito à habitação para todas as pessoas, trazendo o tema para a discussão pública muito antes de ser um tema tão mediático e mobilizador.

Foi constituinte, participando na formulação do direito à habitação no artigo 65 da Constituição em 76, deputada em várias legislaturas, presidiu à Câmara de Cascais, à Ordem dos Arquitetos e à Assembleia Municipal de Lisboa, onde foi vereadora da habitação. E, em 2019, propôs e fez a lei de bases da habitação.

Matilde Fieschi

Há uma semana considerou a acção do autarca do PS Ricardo Leão “violenta” e “completamente abusiva” e aqui esclarece em podcast tudo o que acha sobre este “abuso” que deixou famílias inteiras, com crianças e bébés, em condições ainda mais precárias a viver na rua em tendas, sem encontrar alternativas “ajustadas à realidade”.

Helena não poupa também nas críticas ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, quando apelou a que as pessoas informem a Câmara sempre que saibam das existência de barracas, garantindo que no dia a seguir as mandaria destruir. Disse mal. Acho muito bem que as pessoas contactem a Câmara, mas o que ele devia ter dito era e amanhã estará lá uma equipa para ver o que se passa. Para perceber a razão das pessoas estarem ali.

Matilde Fieschi

Certo é que a crise da habitação, e a crise dos valores democráticos e humanistas, não é uma coisa exclusiva do país, sente-se em todo o mundo. O que pode o passado ensinar e que reflexões importa perante os tantos erros cometidos? E que exemplos no mundo do ponto de vista das políticas de habitação podem servir de bússola e inspiração?

Estas questões são também lançadas a Helena Roseta que muito andou para aqui chegar.

Nomeadamente foi gerente do Botequim, de Natália Correia, e responsável pelo espólio da escritora.


Matilde Fieschi

Em 2001 publicou “Os dois lados do Espelho”, um livro que se demarca do politicamente correcto, das verdades oficiais, do toda-a-gente-diz, do pensamento único sob todas as suas formas.

Helena defende que há sempre um outro lado das coisas. E o que se exige, como pedia Natália Correia, é “um engenho que falta mais fecundo/ de harmonizar as partes dissonantes”. Uma discussão que me parece ainda mais pertinente e atual perante os desafios que vivemos no país e no mundo.

Matilde Fieschi

Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Matilde Fieschi. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.

A segunda parte desta conversa fica disponível na manhã deste sábado.

Boas escutas!