Depois de não ter conseguido um acordo com a China, a Europa conseguiu um mau acordo com os Estados Unidos da América. Este tempo de incerteza e dureza internacional não está a ser fácil para os europeus.

Antes de olhar para o mau acordo para a Europa (e o Ocidente) que a presidente da Comissão Europeia celebrou com Trump, é preciso olhar para o que António Costa e Úrsula Von der Leyen nem sequer conseguiram com Xi Jinping.

Desde o início do segundo mandato de Trump que em Bruxelas se olha para Pequim de uma maneira diferente. Ninguém o diz muito abertamente, até porque a China continua igualzinha. Compete por matérias-primas; apoia regimes autoritários em África, com os quais a Europa quer negociar e que quer democratizar; tem violações internas de Direitos Humanos; faz dumping a muitas das suas exportações; não tem o seu mercado interno aberto e apoia, nada discretamente, a Rússia contra a Ucrânia. Nada disto mudou com a eleição de Trump. Mas com a eleição de Trump, em Bruxelas passou a pensar-se, mais do que a dizer-se, que a União Europeia podia fazer uma abertura à China, para mostrar à América que tinha mais com quem conversar. E para manter a globalização. Até porque ter acordos com o México, o Japão, a Indonésia, o Vietname, a Austrália ou mesmo o Mercosul, é importante e estratégico, mas não substitui as relações com a América e a China.

A semana passada, Von der Leyen e Costa foram a Pequim. Depois de um tom mais agressivo em relação à China, no início desta década, nos últimos meses a Europa ensaiou uma aproximação, ao mesmo tempo que se mostrava mais exigente. Estava disponível para uma abertura, mas queria comércio mais justo e que Pequim deixasse de apoiar Moscovo contra a Ucrânia. No regresso da China, a presidente da Comissão Europeia e o presidente do Conselho Europeu trouxeram uma declaração sobre clima que é tudo o que interessa a Pequim. De quanto mais terras raras e tecnologia chinesa para a transição energética a Europa necessitar (dos painéis solares às eólicas) melhor para Pequim. Quanto a direitos humanos, à proteção da propriedade intelectual, ao fim do dumping e outros interesses europeus, a começar pelo apoio chinês à Rússia, nada.

O mais relevante do insucesso da missão à China dos líderes europeus é que Pequim não mostrou qualquer disponibilidade para se abrir à Europa quando os Estados Unidos se estão a fechar. Bruxelas acreditava que podia usar Pequim contra Washington, Pequim mostrou que uma Europa enfraquecida por Washington lhe é mais vulnerável. Até por isso, o sucesso de Trump é mau para a América: reforça a China.

Esta semana, a Europa teve a derrota seguinte. O acordo que Úrsula Von der Leyen e Donald Trump anunciaram ainda não é totalmente conhecido. Os Estados Unidos cederam em alguma coisa? A Comissão assegura que a Europa vai comprar energia à América, mas como isso é negócio entre privados, quem se compromete a comprar a quem? A Europa vai mesmo proteger as grandes tecnológicas americanas de pagarem pelo uso das redes de telecomunicações, quando na América pagam? Os detalhes ainda não são claros e, já se sabe, é lá que está o Diabo. Mas o que se sabe é suficiente para avaliar a situação.

A Europa firmou com os Estados Unidos um mau acordo, e essa é a boa notícia. A má seria se não tivesse havido acordo, ou se tivesse havido um pior.

A Europa assinou o acordo possível, porque não tem força política, porque cada Estado membro tinha medo de ser objecto de retaliação americana se puxasse por uma posição mais forte, porque depende dos Estados Unidos para a segurança e defesa e porque os Estados Unidos de Trump estão, finalmente, a pôr pressão sobre a Rússia. Ou pelo menos assim parece.

Na Cimeira da NATO na Haia, aquela em que Mark Rutte chamou paizinho a Trump, os europeus conseguiram três coisas essenciais: uma referência ao Artigo 5º no breve comunicado final, uma promessa de apoio à Ucrânia e a inclusão do que os europeus derem à Ucrânia na contabilidade dos 3,5% investidos em segurança e defesa. Em contrapartida, Trump conseguiu ali uma vitória, e este fim de semana somou outra. No comunicado final da Cimeira, ficou uma referência à indústria militar transatlântica. Nada de proteccionismo europeu em matéria de defesa. Os europeus vão investir mais em segurança e defesa e, é esse o ponto que interessa a Washington: comprar mais armamento aos americanos. Este Domingo, Trump conseguiu a vitória seguinte.

Os detalhes do acordo comercial entre os Estados Unidos e a União Europeia ainda não são claros, mas há três certezas: os americanos vão cobrar mais tarifas aos produtos europeus, mas os europeus não farão o mesmo às importações americanas; Trump não humilhou ninguém na Sala Oval e Von der Leyen cumpriu a promessa de só reunir com Trump quando e se houvesse um acordo, mas fê-lo, literalmente, no campo (de golfe) de Trump. Em política internacional, com frequência as coisas são o que parecem: o Imperador veio ver as províncias e exigir tributos, instalado no seu próprio castelo. E o acordo que os europeus conseguiram é pior do que o alcançado pelos britânicos.

Há uma última nota sobre o acordo que resume bem a nossa situação. Os políticos, em geral, e os franceses em particular, dizem horrores do acordo.os empresários exportadores, dizem que mais vale um mau acordo do que acordo nenhum. Alemanha e Itália dizem o mesmo.

Se a Europa quisesse muito um bom acordo, teria de estar disponível para retaliar, não poderia precisar desesperadamente dos Estados Unidos para apoiar a Ucrânia, teria de ter força própria suficiente para não ter uma dependência existencial do artigo 5º da NATO e os Estados membros teriam de olhar para tudo isto numa perspectiva europeia e não em 27 perspectivas nacionais. Não sendo assim, as coisas são o que são. Manda quem pode.